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O CREEJA – educação de jovens, adultos e idosos

Analise – menor

Analise de Jesus da Silva

Professora na UFMG, Membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais, pós-doutora em Educação de Jovens e Adultos. 

Contato: esilana@gmail.com

No momento em que encerro a escrita deste artigo para submetê-lo à publicação em periódico, foi recém-atingida a marca de 625 mil pessoas que tiveram suas vidas ceifadas pela pandemia e pela forma pouco efetiva com que os atuais governantes coordenaram o combate ao vírus. Talvez, “não coordenaram” fosse mais adequado. Além das mortes, percentuais muito significativos de cidadãos vêm padecendo com a fome em nosso país. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), nos últimos “12 meses, ou seja, ao comparar o valor em março de 2020 e março de 2021, o preço do conjunto de alimentos básicos teve aumento em todas as capitais pesquisadas” (DIEESE, 2021, p. 2). Além disso, quando se compara o custo da cesta básica com o salário mínimo líquido, ou seja, após o desconto – atualmente de 7,5%, referente à Previdência Social – nota-se que o trabalhador remunerado pelo piso nacional comprometeu, em março, na média, 53,71% do salário mínimo líquido para comprar os alimentos básicos para uma pessoa adulta. Em fevereiro, o percentual foi de 54,23%.

Nesse sentido, é relevante explicitar a preocupação com a destinação de cestas básicas para os estudantes das redes estadual e municipais, pois avalio que garantir alimentação, saúde e bem-estar mínimo às crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos que, em virtude do necessário distanciamento social, se mantêm longe dos espaços físicos das escolas, seja uma prioridade. Destaco a importância de incluir os estudantes da Educação de Jovens e Adultos nessa ação, porque eles e elas trabalham como ambulantes, domésticas, camponeses, diaristas, lavadores e tomadores de conta de carros, catadores de material reciclável, dentre outras atividades pouco protegidas, e sem alimentação são impelidos a romper o distanciamento social, protocolar em situações pandêmicas, para buscar alguma subsistência. 

É importante frisar que, no caso dos educandos da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJA) de Minas Gerais, hoje, são 1.247.010 pessoas com 15 anos ou mais não alfabetizadas; 7.287.140 pessoas com 15 anos ou mais que não concluíram o ensino fundamental e 2.829.240 pessoas que não concluíram o ensino médio, totalizando 11.363.390 cidadãos privados do direito à escolarização, portanto, 43% da população em nosso estado. E, destes, somente 174.867 estão matriculados em escolas da Rede Estadual, segundo a Diretoria de Informações Educacionais da Secretaria de Educação (SEEMG). Avalio que, por serem educandos da EJA, eles e elas precisam ser incluídos no Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN), do qual faz parte o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), para que, tendo seu direito humano e constitucional à alimentação adequada garantido, não saiam às ruas buscando trabalho, buscando auxílio, buscando “bicos” e rompendo, assim, com o distanciamento social, repito, necessário. Saliento, também, que os canais de cadastro e distribuição das cestas básicas precisam levar em consideração que muitos educandos da EJA estão em processo de alfabetização e por isso precisam ter à disposição um canal telefônico para acolhimento dos cadastros. 

Dados do DIEESE (2021, p. 4) tornam essa visão ainda mais calamitosa, cenas de países em guerra que vemos pela TV, quando o que lemos corrobora o que vemos nos semáforos, nas portas de supermercados, embaixo dos viadutos, nos rostos das crianças na janela dos carros pelo lado de fora, enfim, por todos os lados, como evidência da piora nas condições de vida da população brasileira, do agravamento da desigualdade socioeconômica e da fome que voltou a assombrar o país em níveis que pensávamos já superados. 

Em apenas três anos, a porcentagem da população brasileira afetada pela insegurança alimentar moderada e aguda cresceu 13%. Segundo o IBGE, em 2016, eram 37,5 milhões de brasileiros que ingeriam menos calorias do que o necessário para uma vida saudável, contingente que subiu para 43,1 milhões, em 2019. Ou seja, o Brasil, segundo maior produtor agrícola do mundo, tem mais de 20% da população em situação de insegurança alimentar.

Ainda segundo a pesquisa, a insegurança alimentar grave, ou seja, quando as pessoas relatam que estão passando fome, atingiu 4,6% dos domicílios brasileiros, o equivalente a 3,1 milhões de lares, onde viviam cerca de 10,3 milhões de pessoas, em 2017-2018. E essas informações referem-se a período anterior à pandemia. Em janeiro de 2021, já não havia pagamento do Auxílio Emergencial, o que significa que cerca de 65 milhões de brasileiros, que receberam parcelas do benefício entre abril e dezembro de 2020, estavam agora sem renda.

O número de famílias em extrema pobreza no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal alcançou o maior número desde o final de 2014, superando 14 milhões. De acordo com dados do Ministério da Cidadania, em outubro de 2020, esse total de famílias equivalia a quase 39,9 milhões de pessoas em situação de miséria no Brasil, ou seja, são cidadãos com renda mensal per capita de até R$89,00.

A definição sobre Educação com a qual trabalho é a de uma Educação que entende que sua função social é contribuir para que cada estudante construa sua autonomia para questionar, problematizar, tomar decisões, propor ações co-letivas possíveis e necessárias para apresentar possibilidades de solução aos problemas de cada um, da comunidade e da sociedade onde vivem e trabalham. Portanto, Educação Libertadora, na concepção emancipatória, como ato político, como indignação, descolonizada e capaz de lidar junto com as diversidades. Dessa forma, existe a necessidade de dialogar sobre formas e procedimentos metodológicos sim, mas, principalmente, é fundamental o diálogo sobre conteúdos, pois é preciso instrumentalizar cada pessoa sobre a pandemia que nos atinge. 

Por exemplo, venho argumentando que na atividade virtual sobre a disciplina de Biologia o que dialogaria com a vida dos estudantes é o entendimento de como o vírus atua no corpo humano; na de Matemática, o que significa a curva de crescimento da contaminação e como ela pode indicar o surgimento de próximas ondas de saturação nos equipamentos da saúde pública; na de Sociologia, como os governantes deveriam atuar neste momento; na de História, a noção de como o mundo foi afetado com outras pandemias que já ocorreram e o que elas nos ensinaram; na de Educação Física, a importância da atividade física neste momento, para fortalecer a imunidade (e que dá para fazer atividade física subindo e descendo o degrau que tem dentro da sua casa); na de Geografia, ao mapear o caminho do vírus até o Brasil; na de Língua Portuguesa, a interpretação de texto para entender e interpretar o que diferencia distanciamento social, isolamento social e quarentena; na de Química, como as substâncias podem ajudar ou atrapalhar o tratamento da covid-19; na de Artes, a percepção da relevância dessa vivência na manutenção de nossa saúde emocional, especialmente neste momento de tantas perdas, pois, como diz Freire (1996), quando nos ajuda a refletir sobre o quanto o ato de ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando:

Estas qualidades ou estas virtudes absolutamente indispensáveis à posta em prática deste outro saber fundamental à experiência educativa – saber que devo respeito à autonomia, à dignidade e à identidade do educando – não são regalos que recebemos por bom comportamento. As qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos. Este esforço, o de diminuir a distância entre o discurso e a prática, é já uma dessas virtudes indispensáveis – a da coerência. Como, na verdade, posso eu continuar falando no respeito à dignidade do educando se o ironizo, se o discrimino, se o inibo com a minha arrogância. Como posso continuar falando em meu respeito ao educando se o testemunho que a ele dou é o da irresponsabilidade, o de quem não cumpre o seu dever, o de quem não se prepara ou se organiza para a sua prática, o de quem não luta por seus direitos e não protesta contra as injustiças? A prática docente, especificamente humana, é profundamente formadora, por isso, ética. Se não se pode esperar de seus agentes que sejam santos ou anjos, pode-se e deve-se deles exigir seriedade e retidão (FREIRE, 1996, p. 24).

Considero que é fundamental refletir co-letivamente sobre os impactos de natureza político-pedagógicos das decisões a serem tomadas, ancorando-as, sempre, em uma abordagem inclusiva que descarte a manutenção e/ou o aprofundamento das desigualdades sociais como princípio norteador para orientar a adoção de critérios, de procedimentos e de práticas, inclusive ao propor atividades remotas emergenciais como política pública.

Intencionalidade

É necessário pontuar as considerações que nos levaram a propor o Curso de Formação Continuada com Trabalhadores em Educação da Rede Estadual de Minas Gerais (CREEJA) antes de apresentá-lo, pois, se não estamos mais na largada, ainda não estamos na sua chegada e, assim, precisamos ser objetivos nas nossas intencionalidades dessa travessia, usando termos, conceitos, concepções e vivências das Minas Gerais. Até este ponto do meu artigo me posicionei na primeira pessoa do singular. Doravante, passo a fazê-lo, também, na primeira pessoa do plural, porque o CREEJA foi e é inteiramente construído a muitas mãos. 

É Freire (1996) que nos lembra que: 

A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, a que se funda na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta competência. O professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. Isto não significa, porém, que a opção e a prática democrática do professor ou da professora sejam determinadas por sua competência científica.

Há professores e professoras cientificamente preparados, mas autoritários a toda prova. O que quero dizer é que a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor. (FREIRE, 1996, p. 47, grifo meu).

A intencionalidade da oferta do CREEJA se explicita por considerarmos que existe a impossibilidade de ensinar universalmente, homogeneamente, dentro de um estado completamente heterogêneo como o é Minas Gerais e, principalmente, de dentro de um país que é, segundo o relatório de 2019 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o 7º em desigualdade social no mundo. Ocorre também por considerarmos que o direito constitucional à educação escolar previsto para as turmas de idosos, pessoas em situação de rua, estudantes residentes nas cidades do interior, em seus lugarejos e distritos, adolescentes em restrição de liberdade, sujeitos privados de liberdade, crianças com menos de 6 anos, estudantes no Campo, crianças nos Quilombos foi negligenciado com a oferta do Ensino Remoto Emergencial (ERE), uma vez que, por exemplo, a oferta das teleaulas acentua as desigualdades educacionais por não avaliar com relevância as desigualdades sociais que impedem o seu acesso com equidade, principalmente quanto aos estudantes que pretendem prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). 

Considerando que garantir a qualidade social implica fornecer educação escolar com padrões que atendam aos interesses da maioria da população, portanto, dos trabalhadores e de seus filhos, o ERE não contribui para a garantia dessa qualidade, uma vez que, para isso, valores fundamentais precisam integrar os currículos escolares e as práticas educativas e estes valores precisam estar presentes nos conteúdos a serem desenvolvidos se entendemos educação escolar como um instrumento de formação ampla e plena, de luta pelos direitos da cidadania e da emancipação social e humana, que contribui na humanização da humanidade, enquanto prepara as pessoas e a sociedade para a responsabilidade de construir, co-letivamente, um projeto de inclusão e de qualidade social para cada pessoa, para a comunidade, o município, o estado e o país.

Quando Freire (1996) diz que ensinar exige tomada consciente de decisões, ele coopera com a nossa intencionalidade de contribuir para alterar o que vem se naturalizando como sendo a incapacidade de professores e professoras em participarem de projetos de vida dos estudantes com os quais trabalham. É ele quem nos diz que:

O que se coloca à educadora ou ao educador democrático, consciente da impossibilidade da neutralidade da educação, é forjar em si um saber especial, que jamais deve abandonar, saber que motiva e sustenta sua luta: se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é a chave das transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que quero dizer é que a educação nem é uma força imbatível a serviço da transformação da sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco é a perpetuação do “status quo” porque o dominante o decrete. O educador e a educadora críticos não podem pensar que, a partir do curso que coordenam ou do seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político-pedagógica (FREIRE, 1996, p. 43).

Voltando a falar em inadequação, importante destacar que, embora os gestores digam que o trabalho pode ser feito pela Internet, é sabido que a maioria do funcionalismo público da Educação não possui computadores adequados e nem tem acesso à Internet sem depender do sinal disponibilizado por outras pessoas, por empresas, pela escola, e que, pelo menos em Minas Gerais, a Secretaria de Educação não ofereceu até agosto de 2020 nenhuma proposta de formação continuada aos trabalhadores e aos estudantes e familiares para que se tornassem aptos ao trabalho com as atividades remotas emergenciais. Além disso, até aqui, nenhum dispositivo computacional e acesso gratuito foram disponibilizados aos trabalhadores, aos estudantes e às famílias para que possam realizar o trabalho com as atividades remotas emergenciais, uma vez que as ações propostas pelo Governo do Estado demandam ser mediadas por tecnologias que devem ser democratizadas, com acesso livre à Internet de qualidade banda larga e a outros meios tecnológicos que possibilitam interações criativas não somente na Internet, mas também na televisão e no rádio. Sabemos que é função do Poder Público adotar medidas estruturais e emergenciais que contemplem ações focalizadas nas populações mais vulnerabilizadas – e que entre elas estão crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos estudantes de nossas escolas públicas estaduais e municipais, em especial as do Campo, as dos Quilombolas, as dos Indígenas, as inseridas nos espaços socioeducativos e nos presídios, as das pessoas com deficiência, as dos ciganos e das populações itinerantes, as das Ocupações Urbanas, as das periferias, as da EJA –, uma vez que cabe aos poderes garantidores do processo democrático assegurar que se impeça o aprofundamento da desigualdade social.

Co-letivo

“Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe pra gente é no meio da travessia.”

Riobaldo Tatarana

Em função da impossibilidade de realização presencial do Curso em decorrência da situação de emergência na saúde pública, ocasionada pela pandemia da covid-19, esta proposta foi construída assim que a Linha de EJA no Mestrado Profissional Educação e Docência da UFMG (Promestre), o Núcleo de Educação de Jovens e Adultos: Pesquisa e Formação (NEJA/FaE/UFMG) e o Editorial EJA em Pauta (Projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil – 1822-2022) aceitaram o convite que fiz (em nome do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais – FEPEMG (2020), por deliberação de sua plenária) para construir o Curso de Extensão (Atualização) com Trabalhadores em Educação da Rede Estadual na Educação de Jovens e Adultos – CREEJA.

O CREEJA foi submetido por mim como Atividade de Extensão ao Sistema de Informação da Extensão (SIEX) da Faculdade de Educação e foi aprovado sob o número 102808. 

Assim, nos reunimos: 3 professores federais da Educação Superior, 1 professora federal da Educação Básica, 1 diretora de escola municipal, 1 coordenador de escola municipal, 3 professores de redes municipais, 2 professores da rede estadual e 1 educando – todos atuando com a Educação de Jovens e Adultos –, e construímos o CREEJA. Nosso curso contou também com a presença de ilustres convidados que em muito contribuíram para seu enorme sucesso. Falo de enorme sucesso, pois os cursistas, ainda hoje, meses depois de seu encerramento, enviam mensagens de e-mails dizendo sentir falta de nossos encontros síncronos, solicitando indicações bibliográficas, narrando o desenvolvimento de seus Planos de Ação ou simplesmente para dizer “Olá!”. As pessoas convidadas e que participaram pontualmente foram: 1 professor de ensino médio do Setor Privado, 1 professor da Educação Superior privada, 1 pesquisadora em Educação Especial, 1 promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais e 1 especialista em políticas de leitura e formação de leitores. 

Construímos nosso Curso com os seguintes objetivos definidos palavra a palavra no diálogo: i) Contribuir, teórica e metodologicamente, com a reflexão de Trabalhadores em Educação que atuam com a EJA na Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais na construção de saberes necessários à prática e à gestão pedagógicas da modalidade; ii) Promover – pois não pretendíamos realizar e, sim, promover – o diálogo entre Trabalhadores em Educação frente às dificuldades e possibilidades de um trabalho com os sujeitos da EJA em tempos de pandemia, em especial, no que se refere à garantia de direitos de permanência e êxito nos espaços formativos educacionais; e, por fim, iii) Co-laborar na construção co-letiva de possibilidades para o trabalho remoto emergencial menos precarizado e que fomente possibilidades de apropriação dos conteúdos escolares pelos educandos de maneira a contribuir com a transformação de suas realidades, caso assim o desejem.

Para fazer isso pensamos na estrutura que passo a descrever.

Estrutura do Curso

Inicialmente proposto para acontecer de agosto a novembro de 2020, por questões administrativo-burocráticas, o CREEJA aconteceu de outubro de 2020 a fevereiro de 2021, com duração de 60 horas e percurso metodológico composto por Encontros/Oficinas Dialógicas, envio de referências bibliográficas, indicações de leituras, apresentação de vídeos, documentários, filmes, dados de pesquisa, poesia, música, levantamento de dados, sugestão de material didático a ser utilizado em aula remoto emergencial e construção co-letiva de atividades. 

Assim que o FEPEMG lançou o endereço virtual para a inscrição, tivemos 6.613 respostas – número este de educadores adesistas que, dada sua enorme relevância, também é objeto de artigo futuro –, vindas de 326 municípios de Minas Gerais, ou seja, 38% dos municípios de nosso estado, sendo que a primeira inscrição foi feita em 24/09/2020, às 20:45:24 e a última, em 17/10/2020, às 00:07:51, conforme informa o formulário digital utilizado para recebimento das inscrições. 

Em números absolutos, tivemos 47 pessoas que informaram trabalhar com a EJA ofertada aos Adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa; 110 pessoas que trabalham com a EJA ofertada por meio da Educação a Distância, que é o caso, por exemplo, dos CESECs; 78 pessoas que trabalham com a EJA ofertada na Educação Básica do/no Campo; 17 pessoas que atuam com a EJA ofertada na Educação Escolar Indígena; 57 pessoas que trabalham com a EJA na Educação Escolar Quilombola; 421 pessoas que trabalham com a EJA destinada à Educação Especial, ofertada às pessoas com deficiência; 53 pessoas que trabalham na EJA ofertada no viés da Educação Profissional; 615 pessoas que atuam na EJA ofertada aos sujeitos privados de liberdade na EJA Prisional, entre outras. Além dessas, tivemos também 5.542 pessoas que atuam com a EJA que não se destina a sujeitos de nenhuma especificidade senão a de serem sujeitos de direitos à escolarização agora que são jovens, adultos e idosos. O fato de esses dados informarem 6.940 frentes de atuação com as especificidades da EJA não contrasta com as 6.613 inscrições, uma vez que é possível que uma mesma pessoa atue em duas especificidades dentro da modalidade. 

O percurso metodológico aqui descrito foi desenvolvido de maneira co-letiva, pois durante todo o tempo os cursistas se manifestavam e se organizavam para que soubéssemos que se tratava de solicitação/sugestão de um grupo de pessoas e/ou de um grupo de escolas.

Às sextas-feiras, das 18h45 às 21h, realizávamos os encontros (atividades síncronas), sendo que das 18h45 às 19h o espaço de escrita (bate-papo) ficava aberto para que os cursistas pudessem se manifestar. E como faziam isso!! Desde uma mensagem de “boa noite”, passando por comentários referentes a memorandos enviados pela SEE, até solicitações pessoais endereçadas à equipe de formadores do CREEJA, tudo era publicado e discutido ali.   

De segunda a quinta-feira, os cursistas se organizavam individual e co-letivamente para desenvolver leituras, responder atividades avaliativas, discutir vídeos nas atividades assíncronas que eram programadas para durar 2 horas semanais, o que, em 15 semanas, totalizou 30 horas. Desde a inscrição, os cursistas estavam informados sobre a necessária realização das atividades indicadas ao final dos encontros síncronos e realizadas de maneira assíncrona.

Os temas trabalhados foram: História da Educação; História da EJA; Concepção de EJA; Sujeitos da EJA; Políticas Públicas da EJA; Concepção de Currículo; Produção de Plano de Ação para aplicar no Primeiro Semestre 2021; Avaliação na EJA. Estes, em seu conjunto, podem ser acessados no blog oficial do CREEJA, na aba “YouTube”. 

Já no primeiro encontro, informamos que o e-mail para contato seria o cursoejaestado@gmail.com e pedimos calma no retorno das mensagens, pois éramos nós – equipe de formadores – respondendo aos e-mails e, assim como os cursistas, estávamos em trabalho remoto emergencial, fato que nos colocava no liquidificador humano que começa a bater às seis horas da manhã e só desliga depois da meia-noite. 

Ao final de cada um dos 16 encontros – sim, foram 16, porque em um deles o canal do Youtube da SEE, que nos dava sustentação, perdeu conexão e precisamos repor este encontro na segunda-feira seguinte – disponibilizávamos uma lista virtual de presença e a referência bibliográfica da temática do dia. 

Busco em DA SILVA (2021) a justificativa da dinâmica estabelecida pelos cursistas, pois avalio que:

por já se entenderem sujeitos profissionais da educação básica, participam da elaboração da proposta pedagógica, elaboram e cumprem plano de trabalho de acordo com essa proposta co-letiva, zelam para que a formação dos educandos tenha como fundamentos a associação entre teorias e práticas, estabelecem estratégias para que todos tenham sucesso escolar, participam efetivamente de períodos dedicados ao planejamento co-letivo, à avaliação e ao seu desenvolvimento profissional, co-laboram com as atividades de articulação da instituição com a comunidade, conforme preveem os artigos 13 e 61 da Lei n.° 9.394/1996 ao estabelecer as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, enfim, incorporam as suas vivências educacionais. São professores que trabalham com práticas contextualizadas na realidade social. São professores que buscam, muitas vezes sem êxito, práticas às quais eles mesmos denominam de forma recorrente, em suas entrevistas, como “inovadoras”, “diferentes” (DA SILVA, 2021, p. 219-220).

A cada duas semanas os cursistas recebiam, ao final dos encontros síncronos, uma Atividade Avaliativa, também disponível para acesso no blog oficial do CREEJA, na aba “Atividades Avaliativas”, e eram orientados, também, a acessar o blog para rever o encontro síncrono, tomar contato com a bibliografia sugerida e realizar a atividade relativa àquele encontro. Tais atividades deveriam ser respondidas por cada cursista, mesmo que discutidas co-letivamente, o que ocorria com frequência segundo eles mesmos nos informavam. Criaram grupos de interação, dos que tivemos conhecimento, pelo WhatsApp, pelo Facebook e pelo Telegram. Havia também grupos específicos para conjunto de trabalhadores por escola e soubemos de três casos de grupos para o conjunto de escolas por município. 

Avaliação 

Todo o planejamento era construído, semanalmente, às terças-feiras de 11h às 13h, portanto, em nosso horário de almoço. A equipe de formadores usava esse tempo para promover a avaliação do encontro anterior e para preparar o próximo encontro. Como cada subtemática foi trabalhada em dois encontros síncronos, tínhamos sempre uma a duas semanas de antecedência para os planejamentos dos próximos encontros de acordo com as próximas subtemáticas. Todos nós participamos da construção co-letiva de todas as dinâmicas de planejamento dos oito subtemas abordados no curso.

Ao final do curso, faltando ainda um mês, solicitamos que os cursistas que assim o desejassem gravassem vídeos de 1 minuto e os publicassem no blog oficial do CREEJA(2020) na aba “Percepção individual do percurso formativo trilhado” com a plataforma Padlet, que permite o compartilhamento de murais com outras pessoas, nos dizendo sua percepção individual como mais uma forma de construir a nossa próxima oferta de Curso com Trabalhadores na Educação de Jovens e Adultos. Este movimento avaliativo pode ser acessado no link da plataforma mencionada, em que é possível sentir a satisfação co-letiva dos sujeitos cursistas que se comprometeram publicamente com a tarefa de não ser “apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente”. Ainda a partir de Freire (1996):

Um dos saberes primeiros, indispensáveis a quem, chegando a favelas ou a realidades marcadas pela traição a nosso direito de ser, pretende que sua presença se vá tornando convivência, que seu estar no contexto vá virando estar como ele, é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade. É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar. No próprio mundo físico minha constatação não me leva à impotência. O conhecimento sobre os terremotos desenvolveu toda uma engenharia que nos ajuda a sobreviver a eles. Não podemos eliminá-los, mas podemos diminuir os danos que nos causam. Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela. É por isso também que não me parece possível nem aceitável a posição ingênua ou, pior, astutamente neutra de quem estuda, seja o físico, o biólogo, o sociólogo, o matemático, ou o pensador da educação. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente como se misteriosamente de repente nada tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora e distante mundo, alheado de nós e nós dele. Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo? (FREIRE, 1996, p. 30-31).

Os cursistas também responderam a uma avaliação do CREEJA via formulário virtual. No item “Você recomendaria este curso para outras pessoas amigas e colegas que trabalhem com a EJA?”, o CREEJA obteve 96% de respostas SIM. Deixo também aqui o agradecimento aos cursistas pelo que avaliaram, pontuando a riqueza dos resultados dessa avaliação, dados com potencial para o desenvolvimento de um novo artigo. 

Certificação

Para receber o certificado de conclusão do CREEJA, cada cursistas precisou ter 75% de frequência aos encontros síncronos, ter retornado a 80% das Atividades Avaliativas e ter encaminhado formulário digital com os dados de seu Plano de Ação a ser aplicado no Primeiro Semestre 2021 – esta era a intenção quanto ao Plano. Como já mencionado, o CREEJA foi submetido por mim como Atividade de Extensão ao SIEX da Faculdade de Educação, sendo assim, os certificados de conclusão do curso foram emitidos pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

A dificuldade de Trabalhadores em Educação para lidar com os meios digitais quando estes mesmos sujeitos se veem obrigados a interagir com os educandos pelo trabalho remoto é mais um tema digno de novo artigo, para o qual não nos faltam dados concretos tirados da experiência no CREEJA aqui relatada.

Plano de Ação

Desde o início, compreendemos que ensinar exige humildade para se reconhecer sujeito em construção e que, portanto, ao construir seus Planos de Ação, os cursistas que chegaram até o final do CREEJA têm também essa similaridade com a concepção freiriana, por entender que: 

O meu respeito de professor à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua timidez, que não devo agravar com procedimentos inibidores exige de mim o cultivo da humildade e da tolerância. Como posso respeitar a curiosidade do educando se, carente de humildade e da real compreensão do papel da ignorância na busca do saber, temo revelar o meu desconhecimento? Como ser educador, sobretudo numa perspectiva progressista, sem aprender, com maior ou menor esforço, a conviver com os diferentes? Como ser educador, se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou parte? Não posso desgostar do que faço sob pena de não fazê-lo bem. Desrespeitado como gente no desprezo a que é relegada a prática pedagógica não tenho por que desamá-la e aos educandos. Não tenho por que exercê-la mal. A minha resposta à ofensa à educação é a luta política consciente, crítica e organizada contra os ofensores. Aceito até abandoná-la, cansado, à procura de melhores dias. O que não é possível é, ficando nela, aviltá-la com o desdém de mim mesmo e dos educandos (FREIRE, 1996, p. 27).

Não há nenhum exagero em dizer que surgiram mais de uma centena de temas trabalhados nos Planos de Ação enviados pelos cursistas, como: Abandono escolar, Adultos, Agricultura familiar, Alfabetização, APAC, Aposentar com saúde, Artes, Artes plásticas, Avaliação, Biologia, Carolina Maria de Jesus, Ciganos, Cinema, Conflito geracional, Continuidade de estudos, Cooperativa, Covid-19, Cuidado corporal, Cultura, Dança, Diversidade, Drogas ilícitas, Drogas lícitas, Economia solidária, Educação ambiental, Educação financeira, Educação física, Educação popular, Educação sexual, Educação tecnológica, Egressos na Educação Superior, Empreendedorismo (sic), Emprego, Ensino técnico, Esperançar, Esporte, Etnia, Evasão (sic), Famílias, Filosofia, Física, Folclore, Formação profissional, Geografia, História, Homens (Masculinidades), Identidade, Idosos, Indígenas, Interdisciplinaridade, Jovens (Juventudes na EJA), Língua Inglesa, Língua Portuguesa, Literatura, Luto, Machismo, Matemática, Maternidade, Mulheres, Música Popular Brasileira, Negros, Orientação educacional, Paulo Freire, Periféricos, Pertencimento, Pessoas com deficiência, Pessoas em restrição de liberdade, Pessoas LGBTQIA+, Pessoas privadas de liberdade, Piscicultura, Plano Estadual de Educação, Poesia, Política de inclusão, Política pública, Práticas escolares, Práticas pedagógicas, Projeto de vida, Química, Raça (Racismo), Regionalismo, Religiosidade, Saúde emocional, Segurança no trabalho, Sequência didática, Sociologia, Supervisão pedagógica, Teatro, Territorialidade, Trabalho, Trabalho coletivo, dentre outros temas.

Para quem leu as respostas refletidas pelo conjunto de cursistas a cada quinzena em suas postagens nas “Atividades Avaliativas”, foi possível acompanhar a construção do conhecimento, a apropriação conceitual, o crescimento na compreensão do processo educativo por parte deles e delas. Observar esse processo faz lembrar a construção dos argumentos de Freire (1996) para explicitar o porquê da apreensão da realidade que a escolha de ensinar exige:

A nossa capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, sugere ou, mais do que isso, implica a nossa habilidade de apreender a substantividade do objeto aprendido. A memorização mecânica do perfil do objeto não é aprendizado verdadeiro do objeto ou do conteúdo. Neste caso, o aprendiz funciona muito mais como paciente da transferência do objeto ou do conteúdo do que como sujeito crítico, epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do objeto ou participa de sua construção. É precisamente por causa desta habilidade de apreender a substantividade do objeto que nos é possível reconstruir um mal aprendizado, o em que o aprendiz foi puro paciente da transferência do conhecimento feita pelo educador. Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. Creio poder afirmar, na altura destas considerações, que toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra (FREIRE, 1996, p. 28).

A riqueza dos trabalhos enviados, tanto pela forma como foram construídos quanto pelas propostas que trazem, é igualmente, como já mencionado em outros pontos desta publicação, objeto de outro artigo necessário. Destaco, aqui, que os poucos Planos de Ação que apresentaram equívocos conceituais foram devolvidos para uma segunda postagem, desta vez, feita com as correções orientadas. 

Necessário destacar, também, que ver, ouvir, ler e perceber o interesse de milhares de professores em se tornarem educadores da EJA, pessoas que no início do curso faziam comentários pouco comprometidos com alguma mudança social, corrobora o pensamento de Freire (1996) que nos diz que: 

É preciso porém que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão do futuro como problema e na vocação para o ser mais como expressão da natureza humana em processo de estar sendo, fundamentos para a nossa rebeldia e não para a nossa resignação em face das ofensas que nos destroem o ser. Não é na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos.

Uma das questões centrais com que temos de lidar é a promoção de posturas rebeldes em posturas revolucionárias que nos engajam no processo radical de transformação do mundo. A rebeldia é ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente. A rebeldia enquanto denúncia precisa de se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho.

É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil mas é possível, que vamos programar nossa ação político-pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de crianças, se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão-de-obra técnica (FREIRE, 1996, p. 31).

Ao responder sobre tempo de trabalho na Educação de Jovens e Adultos, as 6.613 pessoas inscritas nos informaram que 727 delas atuam na modalidade há mais de dez anos; 1.190 delas vêm construindo essa prática há menos de dez e há mais de seis anos; 3.174, ou seja, 48% delas, trabalham com esse sujeito de direitos há mais de 2 e há menos de 5 anos e, por fim, 1.522 delas são docentes na EJA há um ano.

Este é outro dado bastante preocupante, na minha avaliação, pois permite afirmar que a ausência de uma legislação específica acerca da lotação, da efetivação, da permanência em uma unidade de ensino por parte dos profissionais em Educação que atuam na EJA, impedem o alcance do direito à escolarização pelos seus sujeitos, pois os afasta. A existência da referida legislação se faz urgente e necessária objetivando que o fazer pedagógico em sala de aula seja conforme as especificidades dos sujeitos de direito da modalidade, com avaliações que alcancem a sua finalidade e considerem, para sua vinculação, critérios mínimos de formação, experiência e tempo de atuação na modalidade. Este é, portanto, um dos fatores garantidores da permanência e do aprendizado dos educandos nas turmas, uma vez que, é a continuidade do trabalho desenvolvido pelos docentes da EJA, o que garante a maior frequência de práxis pedagógicas próprias da modalidade.

Esta é uma preocupação constante desde a formação inicial de educadores para atuar com turmas de EJA realizada em Cursos de graduação, pois, segundo DA SILVA (2021, p. 152) “a especificidade da instituição escola manifesta-se pela presença de um processo educativo que é intencionalmente organizado, que conta com um corpo de profissionais com formação específica para esse fim e que é regulamentado por legislação própria”, e, como sabemos, não existe formação inicial voltada para o trabalho com a Educação de Jovens, Adultos e Idosos realizada por meio de uma pedagogia própria (Pedagogia da EJA), construída em conjunto com movimentos, instituições, fóruns. E, ainda em Da Silva (2021), busco corroboração para afirmar que: 

Com todos os equívocos próprios de uma caminhada vivenciada co-letivamente, construída a muitas mãos, muitas e diferentes existências, muitas proposições, e que se propõe a desenhar algo novo e diferente, a Pedagogia da EJA não se espelha na falta, na carência, na ausência em relação aos valores do mundo letrado (DA SILVA, 2021, p. 244).

A formação inicial a que me refiro – ou que aqui desenho no ar, pois ainda não existe como critério – demanda investimentos adequados para que se tenha um corpo docente especializado na modalidade, com carreira própria e percurso metodológico específico, para se contribuir com a constituição de um Trabalhador em Educação valorizado. Trata-se de uma formação inicial que necessariamente focalize a práxis pedagógica e os princípios da educação popular, o mundo do trabalho, a qualidade social da educação, a educação profissional, a gestão, as questões das diversidades e geracionais, a intersetorialidade, as tecnologias da comunicação e informação, sustentabilidade e educação ao longo da vida, entre outros conceitos. Busco Freire (1996) para reforçar o que pretendo expressar aqui: “Uma das formas de luta contra o desrespeito dos poderes públicos pela educação, de um lado, é a nossa recusa a transformar nossa atividade docente em puro bico, e de outro, a nossa rejeição a entendê-la e a exercê-la como prática afetiva de ‘tias e de tios’” (p. 27).

Não havendo formação inicial, mais desafiadora fica, ainda, a formação continuada que passa a ser, ela própria, a inicial. Observa-se a relevância de se pensar critérios de acesso e permanência de professores para atuar junto a turmas de EJA, contemplando o aspecto da formação docente e as implicações dessa formação no atendimento às especificidades dos sujeitos de direitos dessa modalidade. Um desses critérios poderia ser, por exemplo, a formação inicial que praticamente inexiste nos Cursos de Licenciaturas país a fora, inclusive nos de Pedagogia. No curso de Pedagogia da UFMG, por exemplo, não há nenhuma disciplina obrigatória no currículo que trabalhe Educação de Jovens e Adultos. Outro critério que poderia ser aplicado para garantir a presença de profissionais melhor qualificados atuando na modalidade é a exigência de formação continuada na área. Mais um critério viável seria a aferição de disponibilidade de aprender a alfabetizar jovens, adultos e idosos demonstrada pelas pessoas interessadas nas vagas, nas complementações de jornada, enfim, em atuar na EJA. Ainda sugiro como critério a aferição da disponibilidade dessas mesmas pessoas em fazer a busca ativa dos sujeitos educandos, sempre que necessário, sem desconsiderar que essa ação é função do Estado.  

Além desses critérios por parte dos sujeitos educadores, considero necessário que haja critérios a serem exigidos dos sujeitos gestores para que possam atuar na EJA implementando Educação de Qualidade Social, por exemplo, na defesa e na efetivação do investimento da verba pública necessária para que se garanta que toda e qualquer escola pública seja local/espaço de acolhimento e de aprendizagem e que tenha alimentação nutritiva, Internet banda larga, laboratório de informática, laboratórios de Ciências, número adequado de estudantes por turma, quadra poliesportiva coberta, bibliotecas, transporte escolar e professores sendo remunerados de acordo com a Lei do Piso (Lei 11.738/2008) e com política de carreira assegurada, conforme prevê a legislação sobre a modalidade lá na Constituição Cidadã, na LDB, no PNE, na Lei n° 14.113/2020 que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB).

Nos próximos passos, tratar-se-á, portanto, da disponibilização de Tecnologia Social que permita às pessoas interessadas replicar em seus contextos o recurso educativo, bem como os percursos metodológicos, as técnicas e as ferramentas desenvolvidos na interação com os ex-cursistas e com a equipe de formadores e que representem possibilidades de transformação social em suas práticas pedagógicas e nos processos de apropriação dos conhecimentos pelos estudantes com os quais trabalham, fazendo, assim, educação de qualidade social e emancipadora.

Referências 

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União. Brasília-DF: Presidência da República. Recuperado em jun. 2021. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 24 jun. 2021.

BRASIL. Lei n° 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Diário Oficial da União. Brasília- DF: Presidência da República, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11738.htm. Acesso em: 21 jun. 2021.

BRASIL. Lei n° 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF: Presidência da República, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm. Acesso em: 24 jun. 2021.

BRASIL. Lei n° 14.113, de 25 de dezembro de 2020. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica. Diário Oficial da União. Brasília-DF: Presidência da República, 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.113-de-25-de-dezembro-de-2020-296390151. Acesso em: 21 jun. 2021.

BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília-DF: Presidência da República, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 24 jun. 2021.

Curso de Formação Continuada de Trabalhadores em Educação da Rede Estadual Na EJA. Belo Horizonte: CREEJA, 2020. Disponível em: https://creeja.blogspot.com/. Acesso em: 24 jun. 2021.

DA SILVA, Analise. Na EJA tem J: Juventudes na Educação de Jovens e Adultos. 1. ed. Curitiba: Editora Appris, 2021.

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos . Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos. São Paulo: DIEESE, 2021. Disponível em: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2021/202103cestabasica.pdf. Acesso em 24 jun. 2021.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura)

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório de Desenvolvimento Humano. Brasília: PNUD, 2019. Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2019/pnud-apresenta-relatorio-de-desenvolvimento-humano-2019-com-dado.html. Acesso em: 24 jun. 2021.

Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. Fórum Permanente de Educação de Minas Gerais. Belo Horizonte: SEE/MG, 2017. Disponível em: https://www2.educacao.mg.gov.br/sobre/forum-estadual-permanente-de-educacao-de-minas-gerais. Acesso em: 24 jun. 2021.

Imagem de destaque: Francisco Josimar Ricardo Xavier e Adriano Vargas Freitas

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