Editorial |

Nos últimos anos vivemos tempos sombrios! O recrudescimento da ação da extrema direita no Brasil e no mundo trouxe de volta a ameaça antidemocrática e os festejos à ditadura civil-militar que vigorou no país de 1964 a 1985 e a todos os regimes autoritários do mundo. Neste contexto, a resistência democrática foi (e é) fundamental em defesa do Estado Democrático de Direitos e para a denúncia de todas as violações dos direitos humanos perpetrados ontem e hoje por estes grupos.

Um dos alvos fundamentais destes grupos autoritários é a escola e seus profissionais, agindo com a clara intenção de impedir que esta instituição cumpra seu papel na oferta de uma educação democrática e em defesa dos direitos de todas as pessoas e demais populações que habitam o planeta.

Neste contexto, foi para lembrarmos os 60 anos do Golpe Militar e as nefastas consequências da Ditadura para o país que a Revista Brasileira de Educação Básica resolveu lançar o presente Número Especial com o tema O Golpe de 1964 e a Ditadura Civil-Militar na escola. Lançada em dezembro de 2023, a chamada para esta Edição Especial ficou no ar até março e para ela recebemos contribuições de nove textos. Sob a editoria de Carmem Zeli de Vargas Gil, João Victor Oliveira, Luciano Mendes Faria Filho e Samira Araújo, em parceria com a Revista Brasileira de Educação Básica, a edição teve o intuito de socializar experiências e suscitar reflexões, na Educação Básica, sobre a repressão e sobre as lutas pela democracia no país durante aquele período.

A partir da chamada lançada recebemos oito colaborações. Em sua maioria as autoras e autores são do estado do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, mas contamos também com textos da Bahia e da Paraíba. Além das entradas em nossa chamada, também convidamos para a publicação de memórias, aulas, entrevistas e sequências didáticas. Essa é uma característica marcante da nossa edição, ou seja, a diversidade do formato para além de artigos e relatos de experiência.

Do Rio Grande do Sul, recebemos a contribuição do estudante de licenciatura em História Tarso Jahn Ribeiro. O relato de experiência do Tarso se deu a partir dos estágios realizados em escolas na cidade de Porto Alegre onde ele descreve uma caminhada pelo Parque Moinhos de Vento com o objetivo de refletir esse espaço e o Monumento a Castello Branco a partir da Educação Patrimonial.

Ainda sobre patrimônio na cidade de Porto Alegre, a também estudante de graduação em licenciatura em História Ana Carolina Ricardo Golombiewski discorreu em seu artigo sobre o caso da família Kitzmann, a partir do processo elaborado para a Comissão Especial de Indenização a Ex-presos Políticos do Estado do Rio Grande do Sul. Tais documentos possibilitaram a ela discutir com os estudantes  a realidade de um regime ditatorial, as políticas de reparação brasileiras  e a construção da democracia no Brasil.

De Porto Alegre parte a entrevista com a professora e pesquisadora da Ditadura Militar Caroline Bauer realizada pelos organizadores da edição especial. Na entrevista Caroline destaca três dimensões da investigação sobre a Ditadura Militar: pesquisa, a disponibilidade e o acesso aos arquivos, ao ensino e às conjunturas. 

Já na cidade de Canoas, o professor da escola básica Carlos Eduardo Barzotto e a professora Cristina MieIto Cereser destacaram no relato de experiência com turmas de História e Artes. Os estudantes foram convidados a desenvolver não apenas a habilidade de leitura de documentações históricas, mas também que pudessem pluralizar suas perspectivas de análise e compreensão sobre o período chamado de ditadura civil-militar a partir de registros musicais e jornalísticos.

As estudantes de Licenciatura em História, também de Porto Alegre Caterine Krauspenhar Gluszczuk e Thais Marx dos Santos socializam para as leitoras e leitores da Revista Brasileira de Educação Básica o planejamento do estágio docente em História – Educação Patrimonial, realizado no Laboratório de Estudos sobre os Usos Políticos do Passado da UFRGS. A sequência de atividades bem como a discussão conceitual estão compartilhados em nossa edição especial.

Ainda no Rio Grande do Sul, a estudante de licenciatura em História Jeaniny Silva dos Santos se propôs a refletir em diálogo com outros docentes sobre temas sensíveis no ensino de História a partir da temática da Ditadura Militar. Jeaniny convida os leitores e leitoras  a pensar a sala de aula e a docência para além da escola, redimensionando o tema a partir de debates, questões éticas e políticas e sobre a violação dos direitos humanos. 

Um movimento parecido, em Minas Gerais, é realizado pelas professoras e estudantes da pós-graduação Raquel Augusta Melilo Carrieri e Renata Fernandes Maia de Andrade. No artigo as professoras analisam o livro “O Orvil” para além de uma análise acadêmica ao trazer um alerta sobre um efeito político contemporâneo: o revisionismo histórico denunciando um discurso ressentido de retórica golpista em relação ao golpe de 1964. 

A Larissa Freire, professora de  História na escola Escola Municipal Carmelita Carvalho Garcia em Belo Horizonte se propõe a analisar partir de demandas sociais e não apenas de políticas autoritárias a Reforma do Ensino Superior, Lei nº 5.540/68, e a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus, Lei nº 5.692/7. O artigo contribui para a compreensão que as reformas educacionais partem de relações de poder e que a educação teve atenção no sentido de disciplinarização social.

De Minas Gerais, partem as duas memórias publicadas nessa edição, do professor e um dos organizadores, Luciano Mendes de Pocrane e do escritor Vander André Araújo de Bom Despacho. Luciano, a partir do senso comum em se afirmar que muitos não viveram a ditadura militar em seus cotidianos, expõe duras realidades a partir de memórias trazidas por meio de um grupo do facebook da sua cidade natal. Já Vander, se pergunta como esse senso comum reforça a não percepção das desigualdades sociais ao analisar suas obras publicadas. Ambos partem do estranhamento da memória e da sua ressignificação.

O professor de História do estado de Minas Gerais e do Centro Pedagógico da UFMG, João Victor Oliveira, convida a leitora e o leitor da RBEB para acompanhar quatro imagens emblemáticas da ditadura militar. A reflexão do professor João Victor parte de uma sequência didática experimentada com turmas de ensino médio e ensino fundamental. O texto é um diálogo  com seus estudantes em torno de questões como o papel do ensino de história e a compreensão das sensibilidades dos estudantes na contemporaneidade. 

Ainda em Minas Gerais, temos a aula pública da professora Antônia Vitória. A aula foi proferida entre os dias 26, 27 e 28 de março, presencial e virtualmente na FaE-UFMG, por ocasião do evento 60 anos no Golpe, a Ditadura e a Educação na Faculdade de Educação. O evento   reuniu um conjunto de atividades que nos ajudam a lembrar e a problematizar o Golpe e as atrocidades da  Ditadura civil-militar,  tomando como objeto privilegiado de nossas reflexões a educação. 

Da Bahia vem o artigo da professora da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC Cíntia Borges de Almeida e do professor do estado da Bahia e pesquisador Iure Alcântara dos Santos Barros. A proposta do artigo foi analisar por meio da documentação do Colégio Central da Bahia a proibição da peça “Aventuras e desventuras” e em como esse evento mobilizou a resistência secundarista.

Por fim, da Paraíba, vem o artigo do Vinícius Frederico de Oliveira Silveira, estudante do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd/UFCG). Vinícius analisa por meio de entrevistas semiestruturadas com ex-alunos das escolas da cidade de Campina Grande-PB a lógica nacional de um ensino de Educação Física tecnicista, esportivista, pautado no paradigma da aptidão física em detrimento do caráter socioeducativo da disciplina.

Entre idas e vindas próprias do diálogo entre autores e editores vivenciamos as consequências crise climática global, que atinge 450 dos 497 municípios gaúchos e afeta de maneira dramática a educação no Rio Grande do Sul. Boa parte dos autores desta edição especial são de cidades gaúchas afetadas e, por isso, procuramos acolher a situação de cada um, garantindo o diálogo necessário à reescrita dos textos.

Optamos por realizar os contatos entre editores e autores abordando as condições de cada um. Estendemos prazos, usamos diversos recursos de comunicação acolhendo dúvidas no diálogo direto com as autoras e autores. Esperamos que esta edição contribua com o debate necessário da relação entre o passado da ditadura civil-militar  e suas permanências na violação de direitos no presente. Não esquecer as ditaduras, o terrorismo de Estado, os golpes contra a democracia, a repressão aos professores e estudantes  é, em ultima instância, discutir a relação entre o ensino de História e a justiça que nos leva ao debate das dimensões política e ética do campo educacional.

Para a capa contamos com a colaboração de Yolanda Assunção, coordenadora de comunicação do Pensar Educação, Eduarda Beatriz, estudante de graduação do curso de Cinema de Animação e Artes Digitais e as indicações de imagem do professor de História João Victor.

Para esta edição foram convidados os editores Rodrigo de Oliveira Gomes, Aleksandra Nogueira de Oliveira Fernandes, João Paulo Lisbão Nanô e Eliezer Raimundo do qual agradecemos pelo diálogo com os autores.

Organizadoras e organizadores do número especial da RBEB

Samira Araújo

Samira Maria Araújo

Especialista em Língua Portuguesa pela PUC/MG(1995); Especialista em Direito do Trabalho pela FADOM/Divinópolis/MG(1998); Especialista em Psicopedagogia pela FUPAC/MG/HV/CUBA(2002); Especialista em Gestão de Instituições de Ensino Superior, pela FACEB/MG (2015); graduada em Direito pela FADOM/Divinópolis/MG (1997), graduada em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Formiga/MG (1990) . Professora na SEE/MG.

E-mail:

luciano

Luciano Mendes

Possui graduação em Pedagogia, mestrado em Educação pela UFMG e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. É professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Participou da coordenação do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822-2022 e do Portal do Bicentenário da Independência. É autor, dentre outros,  de A morte do professor (Caravana, 2022) e O corpo do tempo (Penalux, 2023).

E-mail: lucianomff@uol.com.br

professor joão victor

João Victor Oliveira

Doutorando e Mestre em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor de História na Rede Estadual de Educação de Minas Gerais, nos níveis fundamental e médio, e professor substituto de História no Centro Pedagógico da UFMG. Graduado em História (FAFICH) pela mesma universidade, com Formação Complementar em Educação (FAE) e intercâmbio internacional no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE/Portugal). Especialista em Juventudes no Mundo Contemporâneo pela Rede Brasileira de Centros e Institutos de Juventude e FAJE. Atua principalmente nas seguintes áreas: História da Historiografia, Teoria da História, História da Educação e Ensino de História.

E-mail: joaovfonsecaoliveira@gmail.com

Carmem – Carmem Zeli de Vargas Gil

Carmem Zeli de Vargas Gil

Licenciatura em História, mestrado e doutorado em Educação e hoje professora na área de Ensino de História da Faculdade de Educação da UFRGS. Atuou na Educação Básica em ensino fundamental, médio, EJA. As atividades de ensino, pesquisa e extensão são no campo do Ensino de História em diálogo com o patrimônio cultural, cultura digital e materiais didáticos amparados teoricamente.

E-mail: carmemz.gil@gmail.com

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