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Protagonismo docente e sinergia entre a escola e a família: caminhos para a qualidade da Educação Básica

Marcilaine Soares

Marcilaine Soares Inácio

Professora do Primeiro Ciclo de Formação Humana do Centro Pedagógico (CP) da Escola de Educação Básica da UFMG. Integrante da equipe executiva do  Portal do Bicentenário da Independência, co-coordenadora de projeto de extensão a ele vinculado e membro da equipe de prospecção, curadoria e produção de conteúdos. Possui pós-doutorado pelo Programa de Pós-Graduação Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Graduada em Pedagogia, mestre e doutora em Educação pela mesma instituição. Possui experiência docente nos anos inicias do Ensino Fundamental, especialmente em alfabetização, e no ensino superior em cursos de graduação (licenciaturas) e pós-graduação. Sua experiência de pesquisa em Educação concentra-se nos seguintes temas: práticas pedagógicas nos anos iniciais do ensino fundamental, processo de escolarização e alfabetização, métodos de ensino, história da alfabetização, educação e política no período regencial, relação família e escola e formação de professores.

E-mail: marcisoares@yahoo.com.br

O presente artigo tem como propósito apresentar algumas reflexões relacionadas às estratégias docentes que visavam garantir a continuidade do processo de desenvolvimento cognitivo, social e afetivo das crianças com idade entre 6 e 8 anos, ao longo de 2020 e 2021, durante a pandemia de covid-19. Tais estratégias foram desenvolvidas pelo corpo docente do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG, localizada no município de Belo Horizonte. As reflexões foram empreendidas a partir da experiência como docente do primeiro ciclo de formação humana que atuou junto às crianças que cursaram o terceiro e o primeiro ano do ensino fundamental, respectivamente, nos anos de 2020 e 2021. 

O texto traz parte dos resultados de uma pesquisa qualitativa de caráter empírico, com características etnográficas. Os instrumentos de construção de dados foram a observação participante, o registro em caderno de campo e a análise de documentos, sendo o primeiro preponderante. Os resultados parecem apontar a sinergia entre escola e família e o protagonismo docente como caminhos profícuos para o aumento da qualidade da educação básica, a partir dos princípios da equidade e da justiça social, especialmente em momentos tão desafiadores como os que vivemos no Brasil e no mundo nos últimos anos. 

No que se refere à organização textual, o presente artigo discorre primeiramente sobre como a disseminação do contágio pelo vírus SARS Cov-2 em escala mundial nos anos de 2020 e de 2021 veio a transformar aquele período em um dos mais desafiadores para toda humanidade. E como o campo educacional, especialmente docentes e estudantes, teve de se adaptar tão rapidamente ao novo cenário para continuar ensinando e aprendendo. Em seguida são abordados dois projetos de ensino, de caráter inter e transdisciplinar, mobilizados pelo grupo de docentes, com o apoio de graduandos em licenciaturas da UFMG, como estratégia para garantir a aprendizagem dos conteúdos escolares e acolher afetivamente as crianças e suas famílias em meio à atroz realidade da pandemia. 

A pandemia de covid-19 e o Ensino Remoto Emergencial (ERE)

O Centro Pedagógico, Colégio de Aplicação da UFMG, é uma escola de ensino fundamental da rede federal de ensino que oferece o ensino fundamental de nove anos, organizado em três Ciclos de Formação Humana com jornada de tempo integral e na modalidade de Educação de Jovens e Adultos oferecida no turno da noite. Uma das finalidades da escola é a formação humana entendida como desenvolvimento das potencialidades discentes em suas dimensões cognitiva, afetiva, social e física com foco na capacidade criativa do sujeito. Um norteador importante dessa finalidade é o ensino de base investigativa. Assim o trabalho educativo é organizado e estruturado tendo como base experimentações, reflexões e investigações sobre a prática pedagógica com foco nas inovações pedagógicas e na formação, inicial e continuada, de professores.

Em março de 2020, a pandemia de covid-19 levou à interrupção das aulas presenciais, entendida como estratégia de distanciamento social, adotada com o intuito de impedir a disseminação e o contágio pelo vírus SARS Cov-2. Apesar de pensarmos que o período sem aulas presenciais seria curto, não poderíamos perder o vínculo com nossas crianças e nem deixar que o processo ensino-aprendizagem fosse bruscamente interrompido. Assim os docentes do primeiro ciclo de formação optaram por elaborar e enviar às famílias uma coletânea de atividades didáticas. 

A interrupção das aulas presenciais, que inicialmente nos pareceu algo transitório, se prolongou. Ainda no primeiro semestre, diante da continuidade da suspensão das atividades pedagógicas presenciais e das normativas dos órgãos reguladores nacionais que indicavam a continuidade do semestre letivo, por meio de atividades remotas nos vimos impelidos a elaborar outras coletâneas de atividades. As propostas tinham como base os objetivos de aprendizagem e os projetos de ensino em curso no âmbito das diferentes disciplinas do currículo, mantendo as crianças em contato com a linguagem específica de cada área do conhecimento e com seus respectivos professores. 

A realização das atividades não era obrigatória. O objetivo era manter o hábito de estudo, essencial à vida de um estudante, mas também o vínculo afetivo e pedagógico entre docentes, discentes, família e escola, característica marcante da prática pedagógica do primeiro ciclo, entendido por todos os docentes como o ciclo da infância. Entre os meses de março e julho foram 6 coletâneas elaboradas pelo grupo de docentes de cada ano escolar e enviadas às famílias pela pedagoga responsável pela coordenação do trabalho nos anos iniciais. Essa foi a principal estratégia adotada para dar continuidade ao processo educativo e ao semestre letivo por meio de atividades não presenciais.

As atividades foram pensadas não apenas em seu caráter pedagógico, mas também afetivo. As apostilas traziam relatos, imagens e reflexões sobre as mudanças na rotina provocadas pela suspensão das aulas e sobre as atividades desenvolvidas pelas professoras e professores junto a seus familiares (filhos/as, esposos/as, pais, mães etc.) e amigos no contexto de isolamento social. E propunha-se que crianças, com ajuda das pessoas de casa, fizessem o mesmo e nos dessem retorno mediado pela pedagoga do primeiro ciclo. Além das coletâneas, outras iniciativas também buscaram manter e reforçar os vínculos afetivos entre estudantes e profissionais da escola. Foi esse o caso das cartinhas que professores e monitores escreveram para as crianças e do vídeo da canção Coração Palpita[1] produzido com a participação de docentes e da pedagoga do primeiro ciclo que se encontra disponível na internet. 

Com o agravamento da pandemia de covid-19, no segundo semestre, reorganizamos o trabalho pedagógico por meio do Ensino Remoto Emergencial-ERE, mediado pelas tecnologias digitais da informação e da comunicação, por meio de atividades síncronas e assíncronas, efetivado principalmente por meio da plataforma Moodle. O Centro Pedagógico, alinhado com as orientações gerais da UFMG, em diálogo com toda a comunidade escolar e em cumprimento às normativas legais, elaborou e apresentou as Diretrizes para o Ensino Remoto Emergencial, cuja função foi disponibilizar orientações pedagógicas gerais para o atendimento aos estudantes do 1º ao 9º ano do ensino fundamental. As proposições basilares que serviram de suporte para a realização das tarefas escolares do Ensino Remoto Emergencial no Centro Pedagógico foram as seguintes: 

  • Aprendizagem dos alunos como cerne do processo. No trabalho remoto emergencial o objetivo permanece aquele de garantir a aprendizagem de todos os estudantes. Destaca-se a importância da família na organização de rotinas de estudo em casa e o papel dos professores para fomentar as aprendizagens. 
  • Sinergia entre escola e família. Para alcançar as metas durante o período de Ensino Remoto Emergencial, a colaboração permanente entre equipe docente e técnica do Centro Pedagógico e as famílias dos estudantes será essencial.
  • Acesso às atividades escolares. Aos estudantes do Centro Pedagógico deverão ser assegurados os mais diferentes meios para o pleno exercício do direito à Educação. No atual contexto de pandemia, devem ser garantidos aos estudantes os recursos tecnológicos e impressos para a realização das atividades do Ensino Remoto Emergencial. 
  • Organização coletiva do trabalho pedagógico. As decisões a respeito da organização do trabalho pedagógico não presencial ou sobre a situação específica de algum(ns) estudante(s) serão analisadas internamente pelos Ciclos de Formação Humana. A Coordenação Pedagógica (COPED) será responsável pelo acompanhamento das ações e deliberações cabíveis.
  • Abertura para o aprender a fazer o novo. Numa época de incertezas como a que vivemos em que há inseguranças e incertezas sobre quais são ou deveriam ser as estratégias, as mais efetivas para potencializar a aprendizagem, o Centro Pedagógico está aberto à inovação e ao diálogo com diferentes abordagens com o objetivo de alcançar a aprendizagem (DIRETRIZES PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO REMOTO EMERGENCIAL NO CENTRO PEDAGÓGICO –EBAP/UFMG. Belo Horizonte, julho de 2020).

Projetos de ensino: caminhos para o desenvolvimento das potencialidades cognitivas, afetivas e sociais na escola.

No contexto da pandemia de covid-19 e do  Ensino Remoto Emergencial-ERE, docentes do ciclo da infância (1º Ciclo de Formação Humana) se sentiram desafiados a propor atividades que não apenas garantissem a aprendizagem dos conteúdos escolares atinentes a cada disciplina, mas que melhor acolhessem afetivamente as crianças e suas famílias em meio à cruel realidade do quadro pandêmico. Nesse sentido, em parceria com os colegas do 3º ano e com a colaboração dos alunos de graduação que atuaram como monitores da escola, foi desenvolvido, no 2º semestre de 2020, o projeto interdisciplinar Jogos, brinquedos e brincadeiras: inventando modos de brincar no isolamento social [2].

Entre outros objetivos do projeto estavam: 1. a intenção de garantir o direito de brincar dos estudantes do terceiro ano do Centro Pedagógico no contexto da pandemia de covid-19 e do isolamento social; e 2. propiciar o acesso a um acervo de brincadeiras entendidas como experiência humana e como patrimônio cultural acumulado. Apoiados na ideia de que brincar estimula o desenvolvimento da cognição (KISHIMOTO, 2002) e as relações afetivas, partimos da premissa de que o brincar é tão importante para as crianças que a escola necessita incluir, em seu currículo, as experiências brincantes. Assim, buscamos alcançar os objetivos do projeto por meio da seleção e da proposição, para as crianças, de experiências brincantes que pudessem ser desenvolvidas no espaço da casa em parceria com os membros de seu grupo familiar. 

A iniciativa justificou-se em razão da necessidade de garantir a possibilidade de as crianças brincarem e se divertirem em casa, visto que elas não podiam explorar, naquele momento de isolamento social, os espaços da escola e da cidade, tais como pátios, quadras, jardins, ruas, praças e parques públicos. As postagens das atividades propostas se iniciaram em 17 de agosto de 2020 e foram realizadas, semanalmente, na plataforma Moodle. 

Fig. 1 – Imagem da tela do Moodle-CP

Postagem feita em 28 de agosto de 2020

Postagem feita em 28 de agosto de 2020

Fig. 2 – Atividade I – Sondagem das brincadeiras realizadas pelas crianças em tempos de isolamento social

Exemplos de retornos de atividades que as crianças postaram na plataforma Moodle

Os resultados foram muito estimulantes. Recebemos diversos retornos, via Moodle e Coordenação Pedagógica, de experiências brincantes e vivenciadas pelos/as estudantes e suas famílias. Desse modo a execução do projeto propiciou momentos de diversão para as crianças e adultos, num movimento de (re) conhecimento de novos modos de brincar em razão da realidade imposta pela pandemia do coronavírus. A realização do projeto contribuiu também para a ampliação de experiências culturais e para o desenvolvimento de habilidades de leitura e de escrita, visto que as crianças eram convidadas também a ler textos diversos sobre o tema e a produzir registros escritos. Acreditamos que o desenvolvimento de projetos como “Jogos, brinquedos e brincadeiras” se constituiu também como uma estratégia da escola para potencializar a criatividade e a capacidade imaginativa da criança.

Os desafios impostos ao campo educacional pela pandemia de covid-19 permaneceram em 2021 [3]. Em função disso aquele ano letivo iniciou-se já no formato ERE. A escola recebeu como ingressantes do 1º ano 50 novos/as alunos/as, crianças entre 5 e 6 anos de idade, que, em sua maioria, nunca estiveram na escola ou viram os/as colegas e os/as professores/as. Diante desse cenário, os/as docentes do 1º ano do ensino fundamental sentiram-se ainda mais desafiado/as. 

Os obstáculos impostos pela pandemia ao convívio social, tão marcante nas escolas e em outros espaços da comunidade, impossibilitaram que novas relações fossem construídas presencialmente por crianças ainda tão pequenas. Naquele contexto escolar, motivar os estudantes a se engajarem remotamente nos estudos, mediar o processo ensino-aprendizagem e criar vínculos afetivos entre as crianças da turma e dessas com os professores fizeram crescer o desafio. Do desafio nasceu o projeto Pontes: eu, a casa e o mundo, que foi desenvolvido, ao longo de todo o ano letivo, em encontros síncronos semanais especialmente destinados a ele e também em aulas virtuais e atividades assíncronas, de caráter interdisciplinar, das diferentes disciplinas que compõem o currículo do 1º ano do ensino fundamental. 

O objetivo do projeto foi potencializar o processo de alfabetização, letramento e numeramento das crianças, conectando suas vivências mais imediatas aos diversos conhecimentos, de forma interdisciplinar, visando a uma formação de identidades conscientes, que fossem capazes de reconhecer diferentes conexões, pontes, sociabilidades, mesmo que remotamente. O trabalho foi desenvolvido por meio de recursos diversos, tais como aulas expositivas dialogadas, livros literários, vídeos, músicas, brincadeiras, estímulo à observação, à criação, à troca e vivências interculturais com crianças indígenas da etnia Pataxoop e com as Áfricas. 

As aulas foram planejadas pelo conjunto de professores do ano escolar a partir de temáticas como casa, família, brinquedos e brincadeiras, diversidade cultural, animais, super-heróis, com ativa participação das crianças no planejamento e na condução das aulas. As famílias dos estudantes também participaram ativamente das diferentes ações desenvolvidas, proporcionando às crianças, em casa, o apoio necessário para o desenvolvimento das atividades, além da interação com a turma e com os professores em encontros síncronos para o compartilhamento de memórias, relatos, histórias, dentre outros.

A experiência de desenvolvimento do projeto foi apresentada na 9a Feira Brasileira de Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas, acompanhada do diário de bordo elaborado durante o período de sua execução [4]. O texto da narrativa que acompanha o vídeo do diário de bordo foi elaborado e gravado por mim. As imagens que o compõe foram selecionadas por todos os docentes entre aquelas postadas e enviadas pelas famílias via Moodle e via Whatsapp da Coordenação Pedagógica e encaminhadas pela pedagoga aos professores e professoras. O vídeo foi produzido por uma de nossas monitoras do campo da Arte. 

Fazer a narração do vídeo foi desafiador, mas emocionante. Tive que vencer a timidez para me expor ao público quando havia no grupo de professores pessoas com mais desenvoltura para fazê-lo. Por outro lado, pude elaborar o que representava o Pontes, para mim, e submeter essa representação ao crivo dos colegas que estavam comigo na empreitada. Do meu ponto de vista, em uma imagem mental, o projeto é o fio que une, que costura, os campos disciplinares ou disciplinas do currículo, os quais são retalhos coloridos que integram a proposta curricular do primeiro ano e criam relações diversas entre eles, compondo uma colcha de retalhos. O ponto de inserção desse fio em cada quadro de tecido seria as atividades realizadas no âmbito de cada disciplina, ligadas entre si e às temáticas abordadas no projeto.

Fig. 3 – Prints das telas do Diário de bordo

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=ceLpoucBbao

A meu ver, os resultados desse projeto foram ainda mais satisfatórios do que os daquele desenvolvido em 2020. Recebemos muitos retornos positivos, pelo Moodle, em reuniões com as famílias e por intermédio da coordenação pedagógica durante a vigência do ERE. Ainda no contexto do ERE, observamos que as crianças do primeiro ano do ensino fundamental estabeleceram vínculos afetivos, de conhecimento e se constituíram como grupo. Contudo os resultados foram mais visíveis no processo de retorno gradual às aulas presenciais, ocorrido a partir de outubro de 2021. 

A proposta do 1º Ciclo de Formação Humana para esse retorno apoiou-se em documentos oficiais expedidos pela UFMG e pelos órgãos educacionais e no protocolo sanitário do CP/UFMG e deu-se em um formato que previa a combinação de atividades remotas e presenciais. Para tanto, considerando a capacidade das salas de aula e o espaço de distanciamento social de 2m2 por aluno, foram constituídos grupos de 8 a 9 estudantes. Assim chegou-se à formação de 3 grupos por turma do ano escolar. Nos trabalhos presenciais, as práticas pedagógicas foram pautadas especialmente em dois princípios: a contemplação de saberes das diferentes áreas de conhecimento e a socialização das crianças.

Diante disso, o grupo de professores de cada ano escolar propôs a oferta, semanal, de oficinas para cada grupo de estudante, organizadas considerando-se os campos disciplinares da proposta curricular e/ou do projeto pedagógico da escola, tendo como referência o trinômio indissociável da infância: educar, brincar e cuidar. Sendo aqueles componentes basilares para o desenvolvimento integral do ser humano (corpo e mente, cognitivo e afetivo), o planejamento das atividades se deu em diálogo com os interesses e necessidades dos estudantes e com as especificidades das diferentes áreas de conhecimento que compõem o 1º ciclo. 

Nesses encontros presenciais ficaram muito evidentes os vínculos afetivos, de conhecimento e de identidade de grupo. Quando as crianças de cada grupo se encontravam e se deparavam no espaço escolar com os outros grupos de sua turma, todas demonstravam muito entrosamento e alegria. As crianças das duas turmas de primeiros anos se identificam tanto pelos nomes próprios e/ou apelidos de cada estudante como pelo nome das turmas, que haviam sido escolhidas, remotamente, por meio de conversas e eleição, sendo o 1º ano A a Turma Arco-Íris e o 1º ano B a Turma dos Diamantes. Esse processo de escolha dos nomes compôs o conjunto de ações do Projeto Pontes que propiciou a constituição das identidades dos grupos. Meninos e meninas se reconheciam visualmente, assim como já reconheciam seus próprios gostos e preferências, tais como comida, animal de estimação, brinquedo e brincadeira prediletos, super-herói, relação de vizinhança e proximidade espacial, etc., bem como dos colegas.

Considerações finais

O Projeto Pontes: eu, a casa e o mundo se consubstanciou a partir da ideia de ligar e de estabelecer “pontes” com diversos assuntos que foram abordados nos encontros síncronos e presenciais com as crianças do 1º ano do ensino fundamental. Pontes entre povos, entre culturas, entre formas de pensar e de existir no nosso mundo, pontes entre os saberes e afetos. Partindo do ambiente mais próximo às crianças ‒ a casa ‒ para o ambiente externo e mais amplo, pudemos construir com elas uma melhor percepção de si mesmas, dos outros à sua volta e de sua relação com o ambiente em que vivem, possibilitando a construção da sua identidade e autonomia, por meio das brincadeiras, das interações socioculturais e da vivência de diferentes situações. Pudemos constatar que as crianças podem ser protagonistas do processo de construção do conhecimento e estão sempre dispostas a aprender.

Do ponto de vista semântico, para os professores, a escolha da palavra “pontes” para nomear um projeto de ensino interdisciplinar teve a intenção de remeter à ideia de ligação, uma espécie de fio que une os diferentes campos disciplinares que integram a proposta curricular do 1º ano e cria relações diversas entre eles. Além desse sentido, essa palavra tem para os professores envolvidos no projeto, bem como tem para as crianças, um sentido mais que remete a uma construção que liga lugares, espaços, saberes, experiências e afetos.

As palavras “eu, a casa e o mundo”, escolhidas para o subtítulo do projeto, trazem consigo a ideia de que todas as atividades propostas foram pensadas e planejadas por adultos, mas em consonância e considerando a perspectiva do sujeito criança, que existe e tem suas experiências corporais, estéticas, sociais e culturais, a partir de um lugar específico, qual seja a casa. Esse espaço específico, ao qual estivemos recolhidos durante a pandemia de covid-19, tem, entre outras, uma dimensão física e afetiva importantes na vida de todos os sujeitos e se conecta de um modo multifacetado ao espaço mais amplo que é o mundo.

Durante a pandemia, os desafios foram muitos e de diversas naturezas. Dentre os maiores podemos apontar o tempo recorde em que nós, professores, precisamos nos apropriar das tecnologias digitais; as desigualdades entre os/as estudantes no acesso a computadores e ao serviço de internet e a dificuldade das famílias em acompanhar as crianças nas atividades escolares. 

Contudo, a despeito dos muitos desafios, considero que as ações empreendidas pelo corpo docente, especialmente os dois projetos de ensino desenvolvidos, entendidas como estratégias educacionais e pedagógicas para garantir a aprendizagem de todos os estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental. Tais ações podem ser apontadas como parte de um fenômeno mais amplo de protagonismo docente e de sinergia entre escola e família, que são caminhos profícuos para a configuração e consolidação de uma educação básica de qualidade para todos e todas. 

Notas

[1] Este vídeo foi realizado pela equipe do 1º ciclo do Centro Pedagógico da UFMG, cada um de sua casa, para aquecer os corações das crianças em isolamento social durante uma pandemia do covid-19, a partir da Canção Coração Palpita, do grupo musical mineiro de mesmo nome. Para assistir o vídeo acesse o link: .https://www.youtube.com/watch?v=4j5_L1TNq24.

[2] Os resultados desse projeto foram apresentados na 8ª Feira Brasileira de Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas, acompanhado do diário de bordo elaborado durante o período de sua execução. O resumo expandido do referente ao projeto encontra-se no link:  https://www.even3.com.br/anais/8febrat/281262-jogos-brinquedos-e-brincadeiras–inventando-modos-de-brincar-no-isolamento-social/

[3] No Centro Pedagógico da UFMG o ensino fundamental é organizado em 3 ciclos de 3 anos cada. No Núcleo Básico, que congrega as pedagogas da escola responsáveis por ministrar as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Humanas e da Natureza, organizamos o trabalho pedagógico de modo que cada professora segue com a turma e com a disciplina que assume no primeiro ano até que as crianças concluam o terceiro ano do ciclo. Por essa razão, após ter encerrado o 1º ciclo em 2020 (3º ano), ministrando Língua Portuguesa, com a turma que assumi em 2018 (1º ano), reassumi uma nova turma de 1º ano em 2021 com aulas da mesma disciplina.

[4] O resumo expandido do referente ao Projeto encontra-se no link:  https://www.even3.com.br/anais/9febrat/408464-pontes–eu-a-casa-e-o-mundo/ . O diário de bordo pode ser acessado no Youtube pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=ceLpoucBbao

Referências

Diretrizes Pedagógicas para o Ensino Remoto Emergencial no Centro Pedagógico –EBAP/UFMG. Belo Horizonte, julho de 2020).

FAZENDA, Ivani. (Org.) O que é interdisciplinaridade? Cortez Editora: São Paulo, 2008.

FERREIRA, Andreia de Assis; MATOS, Santer Alvares de; SILVEIRA, Guilherme Carvalho Franco da. Indicadores de avaliação do Ensino Remoto Emergencial em uma escola pública brasileira durante a pandemia de Covid-19. ENSINO EM RE-VISTA, v. 29, p. 1-24, 2022.

KISHIMOTO, T. M. O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 2002.

LARROSA, Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, nº19, p. 20-28, jan./fev./mar./abr. 2002.

LUCK, Heloisa. Pedagogia Interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos. Petrópolis: Vozes, 1995.

INÁCIO, Marcilaine Soares. Protagonismo docente e sinergia entre a escola e a família: caminhos para a qualidade da Educação Básica. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 6, Número 26, Janeiro – Junho | 2023, ISSN 2526-1126. Disponível em: <link>. Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).

Imagem de destaque: Marcilaine Soares Inácio

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