Educação Especial e Formação de Professores
Douglas Christian Ferrari de Melo
Doutor em educação no Programa de Pós-graduação em Educação pela Ufes. Possui graduação em pedagogia (2017) pela Uniube e em história (2003) pela Ufes, especialização (2004) e mestrado (2007) em História pela Ufes. É professor adjunto do centro de educação, do Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação-CE/PPGMPE/Ufes e do Programa de Pós-graduação em Educação-CE/PPGE/Ufes
Contato: dochris.ferrari@gmail.com
Patrícia Teixeira Moschen Lievore
Mestre em educação no Programa de Pós-graduação de Mestrado Profissional em Educação- UFES (2020). Possui graduação em Normal Superior – Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (2008) pela UNESC e em Filosofia (2011) pela UNIMES, especialização em Psicopedagogia (2009), Educação Infantil e Anos Iniciais (2010) pela Faculdade Castelo Branco. Atualmente é Assessora Pedagógica no Centro de Educação Multidisciplinar da Secretaria Municipal de Educação de Colatina-ES.
Contato: patriciamoschen@hotmail.com
Formação de Professores: relato de uma professora recém-formada
Como filha de uma pessoa com deficiência e de uma família com mais 43 pessoas com deficiência visual, sempre estive envolvida com o movimento de escolarização dos alunos público-alvo da Educação Especial. Penso que tenha sido por acompanhar as batalhas dos meus familiares para terem acesso e condições de permanência na escola, escolhi o magistério como forma de contribuir com o movimento de mudança dessa realidade.
Ingressei no curso de Normal Superior, com habilitação em anos iniciais do Ensino Fundamental, com dezessete anos. Cheia de sonhos e aspirações por contribuir com a área da Educação Especial, resolvi desenvolver o meu projeto de TCC sobre a importância da inclusão dos alunos com deficiência. O ano era 2008 e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva havia sido lançada pelo Governo Federal, com o objetivo de constituir políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos. Na época ainda estávamos preocupados em como garantir o acesso dos alunos com deficiência na escola comum, dessa forma era pertinente pesquisar sobre a importância de esse aluno estar matriculado.
O documento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva apresenta um diagnóstico da educação especial, estabelece objetivos, define os alunos que por ela devem ser atendidos e traça diretrizes. Tal política tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2008).
Esse documento exprime uma perspectiva inclusiva, na qual os estudantes com deficiência devem ter acesso ao sistema regular de ensino, que, por sua vez, deve atender às necessidades específicas desses educandos, a fim garantir a sua participação e aprendizagem, todavia ele não apresenta ações que garantam a materialidade do que é indicado.
Naquele contexto, as discussões do meu trabalho foram um tanto quanto rasas, em razão da escassez de debates sobre práticas e políticas da área da Educação Especial na época. Não tivemos na graduação, por exemplo, disciplinas específicas sobre o assunto, debatíamos apenas alguns textos que eram trabalhados ao longo do curso, mais voltados para a Psicologia do Desenvolvimento.
Sobre esse processo formativo do professor, Vigotski nos diz que
[…] se um professor desejar ser um pedagogo cientificamente formado, vai ter de aprender muito. Antes se desejava apenas que conhecesse sua matéria e o programa e que soubesse dar alguns gritos em sala de aula ante um caso difícil. Hoje a pedagogia se transformou em uma arte verdadeira e complexa, com uma base científica. Portanto, exige-se do professor um elevado conhecimento da matéria e da técnica de seu trabalho (VYGOTSKY, 2003, p. 300).
Caetano et al. (2018) realizou uma pesquisa sobre a formação inicial dos professores no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a partir das orientações das diretrizes curriculares de 2006, levando em consideração a perspectiva da inclusão escolar de alunos com deficiência.
Os alunos do Curso de Pedagogia do Centro de Educação (CE), participantes da pesquisa, dividiram-se entre duas percepções: a de que o fato de o currículo do curso ser mais aberto possibilita discutir diversas questões, entre elas a inclusão escolar, e a de que o processo de implantação desse currículo tem se configurado como confuso e indefinido (CAETANO et. al, 2018).
Durante a pesquisa os alunos estavam cursando a disciplina de Introdução à Educação Especial, pela primeira vez, no terceiro período do curso. No decorrer da graduação, essa disciplina foi oferecida três vezes consecutivas, porém alguns alunos reclamavam da sua descontinuidade, com conteúdos que não conversavam e se repetiam a cada período (CAETANO et. al, 2018).
Nos cursos de pedagogia, a disciplina de Educação Especial ainda parece ser utilizada para introduzir outros conhecimentos, como Inclusão Escolar, diferenças e diversidade na escola (CAETANO et. al, 2018). Tal fato tem se refletido na atuação dos gestores escolares, que na grande maioria passaram pelo curso de pedagogia, como formação inicial, mas muitas vezes têm sentido dificuldade em administrar recursos e programas destinados a esse público-alvo.
Ao se elaborar um currículo para o curso de Pedagogia, os aspectos como: as políticas sociais educacionais do país, situando-as nos contextos estaduais e regionais, nas esferas culturais, políticas e econômicas devem ser consideradas e debatidas durante o processo de formação. A Educação Especial deve estar aliada aos conteúdos e ser vista como uma questão política e social. Assim o futuro professor ou gestor escolar terá a oportunidade de lidar com as demandas emergentes da atuação no espaço escolar (CAETANO et. al, 2018).
Sem nenhuma base que me desse segurança, no ano seguinte à minha formatura ingressei como professora regente de uma turma do segundo ano do Ensino Fundamental, e, além do desespero de assumir uma turma, sem nenhuma experiência, deparei-me com um aluno com deficiência intelectual.
Sozinha, busquei, entre as minhas anotações da graduação, possíveis subsídios ao meu trabalho e foi quando me dei conta de que o que eu havia estudado eram apenas textos genéricos a respeito da Educação Especial. Recorri então à internet, onde encontrei diversos exemplos de atividades que enfatizavam a repetição, sendo este o caminho que acabei traçando para o meu trabalho. O trabalho não teve êxito, porque, como o aluno não estava aprendendo, apenas repetia o que eu ensinava e logo esquecia.
Cheguei a pensar que o aluno não era capaz de aprender, mas, sentia-me orgulhosa em afirmar que na minha sala eu promovia a inclusão, pois ali o meu aluno estava socializando com os demais colegas e isso bastava, pois, afinal, ele frequentava uma instituição especializada em Educação Especial no turno inverso. Pensava que a professora dessa instituição é que deveria ensiná-lo os conteúdos. E assim, o ano letivo chegou ao fim sem que a escola comum oferecesse conhecimentos produzidos historicamente a esse aluno.
Uma forma de completar as possíveis lacunas oriundas da formação inicial dos professores seria oferecer uma formação continuada, que contemplasse as problemáticas e as necessidades atuais das escolas brasileiras, mas percebemos que, embora existam formações para gestores, as mesmas não têm contemplado as suas atuais necessidades para a atuação no cenário escolar. No questionário da Prova Brasil 2017, que foi aplicado em todo o Brasil com professores de escolas públicas, das 252.778 respostas válidas, 166.640 professores, ou seja 66%, responderam que apresentam um alto nível de necessidade de aperfeiçoamento para trabalhar com alunos com deficiência. (QEDU, 2017).
A tão sonhada formação, muitas vezes, acontece graças ao empenho e à responsabilidade com o processo educativo do professor. Foi o caminho que trilhei em minha trajetória. Tomando como fundamento a teoria Histórico-Cultural apresentada por Vigotski, pude traçar ações e atender que os meus alunos público-alvo da Educação Especial estão na escola para aprender, assim como os demais alunos, e isso depende do meu trabalho e mediação.
Considerações Finais
Para Vigotski, a deficiência é muito mais cultural e social do que propriamente biológica, pois, através do processo de mediação realizada pelo professor, bem como a interação e o acesso aos recursos culturais, o aluno com deficiência pode desenvolver-se da mesma forma que os outros alunos, sendo a tese central do autor que os caminhos alternativos podem ser possibilitados, criados pela cultura, quando o caminho direto está impossibilitado. “O desenvolvimento cultural seria, assim, a principal esfera em que é possível compensar a deficiência” (VIGOTSKI, 2011, p. 863).
É necessário criarmos condições para que os alunos com deficiência tenham acesso aos conteúdos construídos historicamente, deslocando a discussão de um caráter limitador para o emancipatório. Para é isso, precisamos de políticas de formação de professores, que garantam uma formação inicial que realmente os prepare para o universo que é a escola e de uma formação continuada que dê conta das constantes demandas que surgem na sala de aula, principalmente no que diz respeito à escolarização dos alunos com deficiência.
Tomando como base a teoria vigotskiana, acreditamos na educação, em políticas públicas que, ao se efetivarem realmente, promovam mudanças que nos levem a romper a ideia de que a função da escola é apenas de acolhimento, no conviver juntos, mas que possibilitem à educação condições para desempenhar a sua função, que é a emancipação humana.
Cabe à escola, por meio do professor, realizar mediações pedagógicas que oportunizem o desenvolvimento das funções complexas do pensamento dos alunos com deficiência. Nesse processo, a instituição especialista é apenas um apoio e o processo de ensino-aprendizagem desse indivíduo é de responsabilidade de todos os profissionais da unidade escolar.
Referências
CAETANO, Andressa Mafezoni et. al. A formação inicial do professor no curso de Pedagogia e a perspectiva de Inclusão Escolar de alunos com deficiência. In: ALMEIDA, Mariangela Lima de et.al. Formação e Gestão em Educação Especial: a pesquisa-ação em foco. São Carlos: Pedro e João Editores, 2018, 270 p.
QEDU. Fundação Lemann E Meritt. Pessoas da Comunidade Escolar: Brasil. Disponível em: https://www.qedu.org.br/brasil/pessoas/professor. Acesso: 10 de nov. 2019
VIGOTSKI, L. S. A Defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 861-870, dez. 2011. Disponível em: http://www.scielo.brscielo.phppid=S1517-97- 97022011000400012 &script= sci_arttext. Acesso em: 01 de out. 2019.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Referência: MELO,Douglas Christian Ferrari de; LIEVORE, Patrícia Teixeira Moschen. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 4, Número Especial Educação Especial Escolar, março, 2021, ISSN 2526-1126. Disponível em: . Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).
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