O Uso De Jornais RBEB N 7 Redimensionada

O uso de jornais do século XIX na sala de aula: uma fonte histórica para entender o Brasil Império

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Priscilla Verona

Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), graduada em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Bolsista de Doutorado pelo CNPq e integrante do Centro de Pesquisa em História da Educação da UFMG (GEPHE).

E-mail: pri.verona@yahoo.com.br

O papel das fontes históricas no ensino de História

Atualmente, recorrer ao uso de documentos históricos em sala de aula não é tarefa fácil. Sabemos que os desafios se encontram por toda parte e vão desde a busca por documentos que tenham potencial para enriquecer as aulas de História até a questão, muitas vezes conflitante, que repousa em como utilizá-los de forma proveitosa. No entanto, é interessante considerar que as fontes constituem um instrumento pedagógico insubstituível, pois possibilitam o contato mais concreto com um passado que, geralmente, nos parece abstrato.

Os documentos históricos, em sua maioria, apresentam-se como algo atrativo para os alunos e possibilitam uma certa iniciação, não somente no que se refere aos modos de operacionalizar a crítica no conhecimento da História, mas, principalmente, no que tange ao desenvolvimento de uma autonomia intelectual que propicie ao aluno fazer análises críticas da sociedade em uma perspectiva temporal (BITTENCOURT, 2004, p. 327-328). Ao utilizar a fonte para ensinar História, o professor traça objetivos que não visam uma produção historiográfica, pois seu uso serve como instrumento de reforço ou ilustração do tema abordado em aula. Esse instrumento é também uma fonte de informação diferenciada que pode reforçar ou não a ação de determinados sujeitos históricos, fomentando debates e assumindo a função de trazer em alguns casos o tema, em caráter inicial, na forma de uma situação-problema.

Imprensa como fonte histórica para o ensino de História: a importância dos jornais para compreender o século XIX

A imprensa permite ao historiador compreender muito do percurso realizado pelos homens no passado, podendo ser concebida como um espaço em que se representa a realidade vivida. Ela se constitui como resultado de uma série de práticas sociais de determinada época, e aqueles que a produzem engendram imagens da sociedade que serão certamente reproduzidas em outras épocas históricas (CAPELATO, 1994, p. 24).

Não podemos negar que o ensino de História assume maior criticidade quando há uma interação dos conteúdos estudados com as fontes históricas produzidas no período em questão. Nesse sentido, a imprensa assume lugar de destaque como fonte para o ensino de História, uma vez que favorece a compreensão dos acontecimentos e fatos de maneira interpretativa, fomentando comparações, conexões e relações múltiplas que são próprias ao tempo histórico analisado.

O movimento interpretativo que se realiza com a fonte contribui para que os olhares em sala de aula se voltem à atmosfera de um passado longínquo, que se apresenta por meio de uma concretude dada pela expressão da fonte. Essa concretude é o que nos transporta para a experiência do passado, fazendo com que aquele tempo histórico espesso e distante se deixe penetrar pelas linhas da imaginação.

O século XIX no Brasil, em especial as suas primeiras décadas, representou o momento em que se lançaram as bases da nação que se pretendia construir. Após a independência teve início um longo processo que intencionava formular e consolidar o Estado nacional brasileiro. Esse processo desenvolveu-se inicialmente por meio de uma série de medidas como, por exemplo, a formulação das leis, a busca pela civilização e ordem da sociedade e o processo de organização do ensino. Para tanto, era essencial estabelecer alguns ideais e contribuir na veiculação de um discurso em prol da construção da ideia de Nação, que por sua vez lançava luzes a temas como: patriotismo, ordem, cidadania, constituição, entre outros. Essas ideias passaram a circular com maior efetividade na sociedade do século XIX especialmente em razão do surgimento e desenvolvimento da imprensa no período imperial; pois ela expressava em seu conteúdo as principais tensões vividas naquele contexto histórico.

A imprensa teve início no Brasil, oficialmente, em 1808. E com a criação da Imprensa Régia foram inaugurados os jornais Gazeta do Rio de Janeiro e Correio Braziliense. Em fins da década de 1820, uma série de publicações, entre pasquins, folhetos e jornais, propagavam-se pelos principais centros urbanos do Império. E os jornais eram, sobretudo, o principal veículo de expressão e debate das temáticas que assumiam centralidade nos discursos da sociedade imperial. A imprensa periódica se estabeleceu como elemento essencial para a cultura política que se constituiu no século XIX brasileiro, uma vez que a produção e a circulação dos jornais eram, em boa parte, alimentadas pelas atividades políticas daquele momento histórico (JINZENJI, 2008, p. 18).

Assim como na Europa, os jornais que eram produzidos no Brasil durante o século XIX tinham como princípio o projeto iluminista de veicular valores e ideias para educar e civilizar o leitor. A imprensa passou a ser constantemente percebida como “o meio mais eficiente e poderoso de influenciar os costumes e a moral pública, discutindo questões sociais e políticas” (PALLARES-BURKE, 1998, p. 147). Os jornais representaram no contexto imperial não somente um espaço de discussões políticas, mas também de formação da opinião pública.

Os pressupostos e bases para a construção do Estado Nação idealizados pelas elites política e intelectual ganhavam projeção e propagavam-se através das páginas dos principais jornais das províncias do Império brasileiro. Nesse sentido, vale mencionar que a imprensa se apresenta como resultado de uma série de tensões e dinâmicas que sucedem entre os atores sociais e seu contexto histórico. Em suma, todo o movimento vivido pela imprensa periódica no século XIX fez com que ela alcançasse uma “legitimidade enquanto um discurso autorizado”, que visava, além de propagar o ideário educacional, inculcar valores e bons hábitos (FARIA FILHO; CHAMON; ROSA, 2006, p. 14-15).

 A crítica documental na sala de aula

Na escolha dos documentos é necessário atentar, no primeiro momento, para o fato de que “eles devem ser motivadores e não se podem constituir em texto de leitura que produza mais dificuldades do que interesse e curiosidade” (BITTENCOURT, 2004, p. 330).

É preciso cuidado para que os documentos possam fornecer informações claras e sintonizadas com o tema a ser trabalhado em sala de aula, permitindo ao aluno explorar a fonte de maneira interessada. Muitos dos jornais provenientes do século XIX podem ser visitados na íntegra por meio da web, como, por exemplo, no site do Arquivo Público Mineiro ou na Hemeroteca Digital, que contêm digitalizados um considerável acervo dos periódicos que constituíam a imprensa do período. Os arquivos podem ser adquiridos a partir da impressão de páginas do documento ou cópias digitalizadas. É interessante, no caso dos documentos digitalizados destinados ao uso em sala de aula, que eles sejam apresentados à leitura dos alunos por meio de slides em data show. Caso sejam disponibilizadas fotocópias, uma sugestão é que cada grupo de alunos possa ter uma ou mais cópias à sua disposição para análise.

É importante considerar, ainda, que os jornais do século XIX, por pertencerem a outro tempo histórico, possuem outra cronologia e também diferentes formas gramaticais, textuais, além de sentidos de organização distintos que revelam caraterísticas do período que muitas vezes não são encontradas em outras tipologias documentais. Os jornais apresentam, por exemplo, textos de opinião dos leitores, legislação, anúncios, anedotas e alguns relatos de insatisfação da população, indícios que podem ser valiosos para uma crítica documental em sala de aula. Portanto, é interessante que antes de abordar uma fonte histórica dessa natureza o professor reflita e trabalhe com os alunos noções e particularidades do tempo histórico que se pretende estudar, uma vez que pode haver (e é importante que haja) um certo estranhamento para com aquele passado que se apresenta por meio de um impresso criado em outro tempo. Começar, por exemplo, com um trabalho acerca de informações sobre a materialidade de um periódico, como preço e quantidade de páginas, e em seguida ir identificando alguns assuntos que assumiam maior centralidade em suas matérias pode ser uma boa ideia para estimular um debate a respeito dos temas que se veiculavam pela imprensa em determinado contexto. Por exemplo, o periódico O Novo Argos (1829-1834) tinha o custo de 800 réis a subscrição trimestral ou 80 réis a folha avulsa e era composto de  quatro páginas que se dividiam em um prospecto de capa, o qual abordava temas políticos, uma seção que geralmente não continha título e abordava algum tema referente à política local, uma coluna sobre notícias nacionais e outra coluna se referindo a notícias estrangeiras. É interessante, se possível, adentrar alguns dos temas no sentido de entender como cada um deles era debatido e veiculado pela sociedade mineira do século XIX.

Figura 1– O Novo Argos

Fonte: Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. Disponível em: <https://goo.gl/dD7Diz>. Acesso em: 20 abr. 2017.

O uso da imprensa como fonte para o ensino de História aliado a uma boa crítica documental contribui para que o entendimento seja construído de maneira crítica, sem a pretensão de uma concepção de História enquanto expressão da verdade. Dessa maneira, entendemos que a ação de se projetar, através de uma fonte impressa, para um tempo passado representa uma condição para que se construa não somente o entendimento acerca de determinado contexto, mas também a sensação de pertencimento em relação ao tempo presente.

 

 

 

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

CAPELATO, M. H. R. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto: Edusp, 1994.

FARIA FILHO, L. M.; CHAMON, C. S.; ROSA, W. M. Educação elementar: Minas Gerais na primeira metade do século XIX. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

JINZENJI, M. Y. Cultura impressa e educação da mulher: lições de política e moral no periódico mineiro O Mentor das Brasileiras (1829-1832). 2008. 249 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.

PALLARES-BURKE, M. L. G. A imprensa periódica como uma empresa educativa no século XIX. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 104, p. 144-161, jul. 1998.

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