Transtorno do espectro autista e alfabetização
Aline Fernandes Costa
Pedagoga e Especialista em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Atua como professora na rede regular de ensino das escolas públicas municipais de Boa Vista-RR. Em sua trajetória profissional tem atuado como professora da Educação Infantil e do Ensino Fundamental em escolas públicas e privadas.
Contato: aline_al17@hotmail.com
Leuda Evangelista de Oliveira
Pedagoga, possui Mestrado em Educação (UFAM) e Doutorado em Educação (UFJF). É professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Roraima. Desenvolve pesquisa na área de Alfabetização, Mediação de Leitura Literária e Literatura Infantil dialogando com Formação de Professores e Formação de Leitores. Atuou como Docente na Educação Infantil, Ensino Fundamental, Formação de Professores, foi Coordenadora Pedagógica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima – IFRR e Gerente de Educação do SESC-RR.
Contato: leudaevangelista04@gmail.com; leuda.evangelista@ufrr.br
Maria Edith Romano Siems
Pedagoga, com Mestrado em Educação e Doutorado em Educação Especial. Atua como professora no Centro de Educação da Universidade Federal de Roraima e desenvolve estudos e pesquisas em Educação Especial aí incluídas suas interfaces com a Educação Indígena e Educação do Campo, Formação de Professores e História da Educação Especial. Em sua trajetória profissional atuou como docente na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Formação de Professores em Nível Médio além de ter sido gestora de escolas do terceiro setor.
Contato: edith.romano@ufrr.br
Este artigo apresenta um relato de experiência de escolarização e alfabetização de um estudantes com Transtorno do Espectro Autista -TEA. Esta experiência foi realizada por uma professora auxiliar, graduanda em Pedagogia, e nosso objetivo é relatar a experiência do ponto de vista do professor auxiliar, em virtude de sua colaboração com o ensino dos alunos público-alvo da educação especial, atuando não apenas como cuidador, mas como profissional essencial no processo de inclusão desses estudantes.
O trabalho se desenvolveu ao longo de 16 meses entre os anos de 2015 e 2016 e destaca a importância da interlocução da escola com outros profissionais e com a família das crianças na construção de práticas educativas adequadas à efetivação da inclusão escolar.
Na definição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais em sua 5ª versão – o DSM-V, o Transtorno do Espectro Autista – TEA – caracteriza-se por:
déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, incluindo déficits na reciprocidade social, em comportamentos não verbais de comunicação usados para interação social e em habilidades para desenvolver, manter e compreender relacionamentos. Além dos déficits na comunicação social, o diagnóstico do transtorno do espectro autista requer a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (APA, 2014, p. 72).
Considerado o caráter social que envolve o processo de aquisição da língua em sua modalidade escrita, alfabetizar crianças com TEA pode ser um desafio ao professor e ao aluno, visto que a comunicação e a interação são menos presentes.
Entendemos que a alfabetização, para além de ser o ato de reconhecer símbolos e letras, é ler o mundo e interpretar o que está a sua volta, como diz Freire (2003). Cada pessoa – aí incluídas também as pessoas com deficiência – tem uma maneira diferente para aprender, desde que identificadas as estratégias e técnicas adequadas. No caso do autismo é preciso encontrar meios de estabelecer a comunicação e interação, lembrando que não são prevalentes limitações cognitivas nessas pessoas.
Adotamos aqui a concepção de alfabetização de Soares (2004, p.97), que difere-a de letramento, entretanto acredita que ambos devem caminhar juntos. Assim:
É necessário reconhecer que alfabetização – entendida como a aquisição do sistema convencional de escrita – distingue-se de letramento – entendido como o desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais: distinguem-se tanto em relação aos objetos de conhecimento quanto em relação aos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem e, portanto, também de ensino desses diferentes objetos. Tal fato explica por que é conveniente a distinção entre os dois processos. Por outro lado, também é necessário reconhecer que, embora distintos, alfabetização e letramento são interdependentes e indissociáveis: a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento; este, por sua vez, só pode desenvolver-se na dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita.
A escola em que atuamos é confessional e conta com uma estrutura ampla e adequada às atividades, com uma organização de turmas entre 20 a 32 crianças. A professora titular de sala tem graduação em Pedagogia e contava com o apoio da professora auxiliar e de uma estagiária, ambas estudantes do curso de Pedagogia.
O trabalho começou a ser desenvolvido na Educação Infantil quando a criança com TEA, que aqui denominaremos João, tinha cinco anos de idade e apresentava muitos comportamentos estereotipados, restrição a atividades e dificuldade em interagir com os colegas. Necessitava de acompanhamento para ir ao banheiro e, quando sentia sede, pegava qualquer garrafinha ou copo de água, não diferenciando a sua entre outras. Não permanecia sentado e recusava as atividades propostas a ele. Seu caderno era rabiscado, amassado e tinha muitas folhas arrancadas e rasgadas. Passava a maior parte do tempo deitado no chão da sala, brincando com as mãos ou com a sombra do ventilador. Gostava de derrubar as crianças por cima dele e os lápis do pote sobre a mesa. Enfileirava as cadeiras vazias na parede da sala para utilizá-las como escada e retirar a decoração do ambiente que era bem viva e colorida, em um cenário de floresta, com animais.
Sua oralidade era quase inexistente, limitada à emissão de alguns sons não identificados e ao cantarolar de músicas infantis (sem palavras). Queria brincar a tarde toda com blocos de madeira e não deixava que nenhuma criança participasse da brincadeira com ele. Na hora do lanche comia a sua alimentação e a dos colegas e chorava quando impedido de fazer isso. No recreio, brincava a maior parte do tempo sozinho no espaço do parquinho e chorava muito no retorno à sala de aula.
No que se refere à rotina de sala, raramente João permanecia na rodinha com as crianças ou participava das brincadeiras e atividades. Se irritava com o momento de musicalização, não gostava de ficar em fila ou de assistir às cerimônias religiosas da escola. Quando participava, ficava deitado no chão e de costas para todos os outros.
Diante desse quadro, muitos desafios à nossa prática se desenhavam.
Do direito à educação e à participação social
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, em seu art. 27, fala sobre o ambiente escolar inclusivo, ao indicar que a escola deve oportunizar o máximo de desenvolvimento possível dos talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, de acordo com as características, interesses e necessidades de aprendizagem das crianças com deficiência. No caso de crianças com TEA, e analisando a situação real com a qual lidávamos, identificamos que uma das primeiras adaptações a serem feitas referia-se ao ambiente, visto que:
[…] o comportamento de permanecer sentado de um aprendiz com autismo refere-se aos aspectos do ambiente: é difícil permanecer sentado e focado em uma atividade realizada em um ambiente cheio de estímulos que possam distrair. (…) sempre que planejar o ensino de habilidades que exijam a atenção do aprendiz, organize o ambiente evitando que outros estímulos concorram com suas atividades (GOMES, 2015, p. 25).
Atendendo a este princípio, uma de nossas primeiras atitudes foi retirar todo o acúmulo de imagens coloridas das paredes da sala. Mantivemos apenas o alfabeto, os números e a chamada móvel dos alunos. Desligamos os ventiladores, já que a sala era climatizada e pactuamos com a administração que fechasse a área de parque de recreação, abrindo-a apenas quando fôssemos todos juntos. Alteramos também outros aspectos da organização da sala, para reduzir estímulos visuais.
Com essas primeiras mudanças, iniciamos avanços: João se distraía com menor frequência e passou a ficar sentado por mais tempo. Mas, ainda recusava a realização de atividades e mantinha-se focado nos blocos de madeira. Essa recusa e insistência em seguir e executar a mesma rotina e atividade encontra-se descrita no DSM- V como característica das pessoas com TEA:
[…]o transtorno do espectro autista também é definido por padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, que mostram uma gama de manifestações de acordo com a idade e a capacidade, intervenções e apoios atuais. Comportamentos estereotipados ou repetitivos incluem estereotipias motoras simples (p. ex., abanar as mãos, estalar os dedos), uso repetitivo de objetos (p. ex., girar moedas, enfileirar objetos). (APA, 2014, p. 95).
Nessa perspectiva de manutenção de padrões repetitivos, era muito difícil conseguir realizar alguma atividade e, sem essa condição, não sabíamos ao certo o que ele sabia, o que não sabia e o que necessitaria aprender. Ainda tínhamos pouco conhecimento a respeito do TEA e dúvidas sobre como alcançar a criança em suas particularidades. Além disso, sua turma tinha muitas crianças, mas João se isolava, sem interagir ou prestar atenção nas atividades propostas pela professora titular. Não se comunicava com os colegas e nas brincadeiras, quase sempre ficava de fora ou se desinteressava com facilidade e voltava a isolar-se. O manual diagnóstico de transtornos diz:
[…] em crianças pequenas com transtorno do espectro autista, a ausência de capacidades sociais e comunicacionais pode ser um impedimento à aprendizagem, especialmente à aprendizagem por meio da interação social ou em contextos com seus colegas (APA, 2014, p. 98).
No intuito de diminuir essas dificuldades passamos a considerar maior proximidade física, priorizando a busca por contatos afetuosos. Ele permitia a aproximação em alguns momentos, mas em outros recusava. Com bastante insistência, estímulos, elogios e brinquedos do seu agrado passou a estabelecer contatos não só com os professores, mas também com as crianças nas suas brincadeiras.
Durante esse processo, percebemos que a irritação e choro de João relacionavam-se à dificuldade de comunicar sua vontade e entender o que lhe era solicitado. Rivière (2004, p. 253), em seu estudo, explica que:
[…] as crianças com autismo, independentemente de sua opção escolar, requerem atenção específica e individualizada a seus problemas de comunicação e de linguagem e a suas dificuldades de relação. Quase sempre é necessária a atenção de professores de apoio e de especialistas em audição e linguagem, com uma capacitação específica em procedimentos de tratamento para crianças autistas e com TGD.
Até esse momento, enfrentávamos limites de conhecimento em relação aos aspectos necessários para apoiá-lo. Ciente disso, a família da criança apresentou-nos um recurso de comunicação alternativa indicado pela fonoaudiólogae adequado ao uso cotidiano. Aprofundando estudos sobre o tema, compreendeu-se que Togashi e Walter, apoiados em Nunes (2003) e Glennen (1997), indicam que a Comunicação Alternativa e Ampliada (DAA):
é uma subárea da Tecnologia Assistiva e envolve o uso de sistemas e recursos alternativos que oferecem aos indivíduos sem fala funcional possibilidades para se comunicar. Tais mecanismos são elaborados através de sinais ou símbolos pictográficos, ideográficos e arbitrários, a fim de substituir ou suplementar a fala humana, com outras formas de comunicação (TOGASHI; WALTER, 2016, p. 352-353).
Dessa forma iniciamos a utilização das imagens que indicavam a ida ao banheiro ou o beber água, e observamos que João, ao querer usar o banheiro ou beber água, pegava a ficha, nos entregava e saia. Ampliamos a utilização das fichas para as demais rotinas do dia a dia escolar, e então João passou a participar de atividades que não participava anteriormente.
Para Donati (2016), as imagens são indispensáveis no processo de ensino de qualquer habilidade, pois as crianças com TEA tendem a responder de maneira positiva a comandos que utilizam imagens em seu processo. Além disso, essas imagens ajudam tanto no entendimento da criança quanto na sua comunicação com a professora e os demais envolvidos em sua rotina.
Após a inserção da comunicação alternativa, conseguimos organizar visualmente a rotina da criança, com os horários de entrada, as atividades e todos os outros momentos da aula até a hora da saída, e assim João começou a aceitar melhor as atividades propostas e a manifestar menor irritação e ansiedade, provavelmente por, enfim, conseguir compreender o que aconteceria ao longo da aula.
Da transição para o ensino fundamental
Na transição para o primeiro ano do Ensino Fundamental novos desafios se apresentam, sendo o principal o de desenvolver com João as atividades comuns a todos os alunos.
Mesmo com avanços perceptíveis, sentíamos a necessidade de formação específica sobre como lidar com a ausência da fala e a capacitação específica, o que foi reduzido pela interlocução realizada pela família de João, que estabeleceu contato entre os profissionais da escola e a equipe multiprofissional, composta por fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e psicóloga, que faziam seu atendimento de maneira privada.
Esses profissionais ofereceram informações específicas da área clínica, que subsidiaram reflexões que oportunizaram a construção de estratégias pedagógicas específicas, por parte dos profissionais da escola, e favoreceram o aprendizado do aluno. Além disso, ofereceram capacitação em técnicas como Análise do Comportamento aplicado ao Autismo; aprofundamento no uso da Comunicação Alternativa para o desenvolvimento da linguagem e orientações no uso de técnicas relacionadas à perspectiva comportamental com o investimento em práticas de reforço aos comportamentos adequados. Nesse sentido, também o posicionamento do estudante em sala foi revisto. Estabeleceu-se que o melhor lugar para João sentar-se seria na primeira fileira e na ponta mais longe da porta, de frente ao professor, próximo ao quadro e perto do colega que ele mais tivesse afinidade, assim teria mais interesse em permanecer sentado e menos elementos de distração à sua frente.
A permanente reflexão sobre a prática em sala de aula, articulando saberes específicos sobre o TEA com nossos saberes pedagógicos, oportunizou a construção de meios de ensinarmos os conteúdos escolares à criança e torná-los significativos para ela. Para isso novas observações foram feitas, com o olhar mais criterioso e pautada no enfoque mais educacional do que terapêutico.
Alfabetização e letramento
João ainda não tinha desenvolvido a escrita, tinha dificuldades em pegar o lápis e seu traçado era muito leve, quase não sendo visualizado no papel. Inserimos atividades de maior conteúdo lúdico, que foram aos poucos auxiliando no processo de escrita de João e melhorando sua coordenação motora.
Algumas das adaptações foram aumentar o espaço em que ele teria que escrever o nome, reforçar o traçado da linha e substituir o lápis preto, que fazia um ruído que o incomodava, por outro de ponta macia. Outra vez a aquisição de uma habilidade estava sendo prejudicada por uma dificuldade relacionada ao TEA. O DSM-V aponta essa característica como:
Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento). (APA, 2014, p. 50).
Nas atividades de pintura em desenhos previamente impressos, João utilizava apenas a cor preta, preenchendo todos os espaços com rapidez. Indagações sobre o porquê de João não colorir como as demais crianças surgiram. Seria por falta de estímulo? Por falta de interesse? Por pressa? Por não ter desenvolvido sua coordenação motora fina para preencher pequenos espaços? Esses questionamentos nos conduziram a reformular práticas.
Em uma das atividades trouxemos uma paisagem impressa da internet, que tinha várias pessoas, uma árvore e um sol. Solicitamos que João colorisse o desenho e, mais uma vez, ele o fez com lápis preto. Então explicamos com auxílio das fichas da comunicação alternativa que poderíamos pintar de várias outras cores.
Posteriormente, em uma folha em branco, fizemos desenhos cujas delimitações utilizavam diferentes cores. Na execução da pintura, João coloriu acompanhando as cores que indicamos nas delimitações do desenho, com traços firmes e cuidadosos. Isso nos fez perceber que o problema era que a atividade fotocopiada utilizava apenas o preto, não dando indicativos de outras possibilidades de execução. Trabalhamos então os conceitos de colorido e caprichado, por exemplo, e passamos a contornar os desenhos das atividades dele, estratégia que foi sendo suprimida na medida em que João começou a, por si próprio, buscar outros coloridos em seus trabalhos.
Observa-se aqui o cuidado e a atenção que o professor deve ter ao propor atividades, com o material utilizado e com a maneira como é apresentado ao aluno, pois ele pode recusá-lo por questões específicas da condição autista e não por falta de interesse. Nos apoiamos em Andrade (2006, p. 78) quando afirma que o professor deve estar “a todo o momento, em seu trabalho, pensando em como desenvolvê-lo, tendo a oportunidade de realizar escolhas, sejam elas referentes ao material didático, às atividades, às orientações aos alunos, à dinâmica e ao encaminhamento da aula”.
Passamos então a ensinar as relações objeto/ figura, figura/palavra e por fim palavra/palavra. Para ensinarmos a relação de palavra – objeto, por exemplo, começamos pela nomeação de objetos simples, como sapato, copo, lápis, agenda e caderno, utilizando o objeto real e fazendo assimilação às imagens que o representam. Assim, ele foi aprendendo a nomear diversos objetos da sala de aula e de sua rotina. Para isso, utilizamos brinquedos, material escolar, e as atividades eram feitas com todas as crianças, por meio do “ditado de objetos”, em que tirávamos um determinado objeto da caixa, João nomeava-o e os demais alunos faziam o registro no caderno. Essa foi uma maneira que encontramos para inserir João nas atividades em grupo.
Nestes momentos, todos os colegas de sala ficavam em total silêncio, pois raramente João falava algo na sala. Assim, ouvir a verbalização dele atraia a atenção de todos que acompanhavam também cada avanço e conquista.
A cada verbalização feita por João todos comemoravam, o que funcionava como reforço positivo, e João foi gradativamente respondendo aos estímulos vindos dos colegas e não mais somente dos adultos. Camargo e Bosa (2009, p. 69) afirmam em seus estudos que um ambiente inclusivo favorece o desenvolvimento de todos, pois:
[…] crianças com desenvolvimento típico fornecem, entre outros aspectos, modelos de interação para as crianças com autismo, ainda que a compreensão social destas últimas seja difícil. A oportunidade de interação com pares é a base para o seu desenvolvimento, como para o de qualquer outra criança. Desse modo, acredita-se que a convivência compartilhada da criança com autismo na escola, a partir da sua inclusão no ensino comum, possa oportunizar os contatos sociais e favorecer não só o seu desenvolvimento, mas o das outras crianças, na medida em que estas últimas convivam e aprendam com as diferenças.
Com isso, a inclusão das crianças com TEA nas atividades torna o ambiente de aprendizado mais divertido e elas sentem-se motivadas a querer aprender, visto que tornam-se parte do processo. No momento do registro escrito dessas palavras utilizávamos cartões com as palavras escritas. O registro era feito no caderno e sempre acompanhado da imagem que o representa. João não tinha dificuldade em escrever a palavra, desde que o espaço para ela fosse identificado no papel por um retângulo.
Assim, a ficha de ditado dele era confeccionada com linhas numeradas de 1 a 6 e cada linha com um retângulo que determinava o espaço de escrita. Desta forma, de maneira autônoma, ele escrevia o nome dos objetos sorteados, precisando de ajuda somente na associação entre palavra e figura.
Vale ressaltar que tanto o professor titular de classe quanto o professor auxiliar, no momento da instrução, posicionavam-se de frente para João e procuravam apoiar as mãos dele, evitando que, colocando-se ao lado, pudessem deixá-lo com a sensação de estar preso entre o professor e a carteira do colega ao lado. O apoio da mão desocupada, durante o tempo que ele precisasse escrever, favorecia a concentração na atividade e evitava movimentos estereotipados.
Com a utilização dessas estratégias, João gradativamente integrou-se a todas as atividades propostas em sala. A organização da sua rotina escolar passou a ser montada com o uso de fichas, posicionadas sobre sua mesa. A cada atividade cumprida, a professora de apoio retirava a ficha que a representava e substituía por uma ficha de “parabéns”, tendo João, alguns minutos para brincar com a borboleta de EVA, enquanto a professora organizava a próxima atividade do dia.
Alguns materiais foram sendo adaptados ou adequados de acordo com as necessidades observadas em João e a diversificação de jogos e materiais pedagógicos por ele requerida, contribuíram também, com os avanços dos demais estudantes da turma. Citamos: oferta de pautas mais largas para escrita; uso de letra bastão; melhoria da qualidade de impressão das atividades, entre outros. Essas mudanças fizeram toda a diferença no acesso de João ao conhecimento escolar, visto que tornaram as condições mais acessíveis e o ambiente mais adequado ao ensino. Ele foi aos poucos conquistando várias habilidades e ao fim do período de observação apresentou melhorias significativas no processo de interação e alfabetização, apresentando avanços positivos e gradativos no seu desempenho acadêmico.
Considerações finais
A experiência aqui relatada constitui-se em situação em que observamos o percurso de dificuldades e a possibilidade de sucesso em um processo de inclusão escolar de estudante com TEA. Ao longo de dois anos letivos de experiência articulada à interlocução com profissionais do campo clínico e pedagógico, associada ao efetivo envolvimento familiar e da gestão, construímos processos de ação e reflexão sobre a ação pedagógica que nos encaminharam a um quadro de sucesso pessoal, do ponto de vista das relações humanas e profissional, no sentido da contribuição que se efetivou no desenvolvimento profissional de todos os envolvidos e ampliação do padrão humano e formativo de toda a comunidade escolar, em especial dos estudantes típicos partícipes dessa bem sucedida escolarização de estudante público-alvo da educação especial.
REFERÊNCIAS
APA – AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM – 5. Porto Alegre: Artmed, 2014, 948p.
ANDRADE, M. da C. de O. A prática pedagógica de professores de alunos com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. 2006. 144 p. Dissertação (Mestrado em Educação). Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
BAPTISTA, C. R. & BOSA, C. (Orgs.). (2002). Autismo e educação: reflexões e propostas de intervenção. Porto Alegre: Artmed
CAMARGO, S. P. H. C; BOSA, C. A. Competência Social, Inclusão Escolar E Autismo: Revisão Crítica Da Literatura. Psicologia e Sociedade, p. 65-74, 2009.
DONATI, G. C. f. Programa de educação familiar a distância em linguagem e comunicação suplementar e alternativa / Grace Cristina Ferreira Donati. – Marília, 2016.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo. Cortez, 2003.
GLENNEN, S.L. Handbook of augmentative and alternative communication. San Diego: Singular, 1997.
GOMES, C. G. S. Ensino de Leitura para Pessoas com Autismo. 1 ed. Curitiba: Appris, 2015. 131 p.
NUNES, D.R.; AZEVEDO, M.Q.O.; SCHMIDT, C. Inclusão educacional de pessoas com autismo no Brasil: uma revisão da literatura. Revista Educação Especial, Santa Maria, v.26, n.47, p.557-572, 2013.
RIVIÈRE, Angel. O autismo e os transtornos globais do desenvolvimento. In: COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús (Org.). Desenvolvimento psicológico e educação. Porto Alegre: Artmed, 2004.
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TOGASHI, C. M. e WALTER, C. C. F. As contribuições do uso da comunicação alternativa no processo de Inclusão Escolar de um aluno com transtorno do espectro do autismo. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 22, n. 3, p. 351-366, Jul.-Set., 2016
COSTA, Aline Fernandes; OLIVEIRA, Leuda Evangelista de; SIEMS Maria Edith Romano.Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 4, Número Especial Educação Especial Escolar,março,2021, ISSN 2526-1126. Disponível em: . Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).
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