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Educação ambiental humanística em uma Escola do Campo

Luiz Moreira Oliveira Filho

Especialista em Informática na Educação, Planejamento Educacional e Gestão Escolar. Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (1988) e Administração pela Universidade Federal do Ceará (2012) e Ciências Biológicas pela UECE (2018).

E-mail: luis.moreira@aluno.uece.br

Jones Baroni Ferreira de Menezes

Doutorando em Educação pela Universidade Estadual do Ceará. Mestre em Ciências Fisiológicas pela Universidade Estadual do Ceará (2011). Especialista em Educação a Distância pela Universidade Estadual do Ceará, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (2015). Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas na Universidade Estadual do Ceará (2007 – 2008). Atualmente é Professor assistente do curso de Ciências Biológicas da Faculdade de Educação de Crateús (FAEC/UECE). Também atua como tutor à distância e professor formador no Curso de Ciências Biológicas à distância (UECE/UAB).

E-mail: jones.baroni@uece.br

O sentimento de degradação ambiental e os processos erosivos, não só ambientais, mas culturais, sociais e econômicos, são fundamentais como reflexão para o despertar coletivo da humanidade para as grandes questões de nosso tempo, alavancando reflexões acerca da emergência de uma educação que prepare educandos para a vida e não, apenas, como uma preocupação da sociedade com o futuro da vida. Isso é condição sine qua non para novas formas sensíveis na relação homem-natureza e respeito a todas as formas de vida.

Importante considerar que um dos graves problemas da humanidade relaciona-se à não conservação da natureza, a qual, segundo Figueiredo (2010), envolve a cegueira humana em não compreender que o estilo de vida, padrões de consumo, de crescimento e percepções de valores são fatores agravantes desse processo. 

Essa situação ocorre também no semiárido nordestino, através da destruição da biodiversidade do domínio morfoclimático da Caatinga, propiciando um processo de desertificação e escassez de água. Por isso, a urgência da abordagem de uma educação ambiental (EA) em uma perspectiva mais crítica que restabeleça o diálogo amoroso com o elo essencial de relações apropriadas entre natureza e ser humano, dentro e fora de nós.

Ademais, quando esta abordagem está atrelada à educação de campo, torna-se essencial que os educadores consigam entender fatos e situações do meio ambiente de forma crítica, assumindo posturas de respeito e cuidado quanto aos diferentes aspectos e formas do patrimônio humano, seja ele natural, ético e cultural. Por isso, a educação deve se constituir em espaços de criações, descobertas, invenções, dos novos gestos e das novas ações de perceber, apreciar e a valorizar a diversidade na natureza ou na sociedade (MELLO FILHO, 1999, p. 10).

Por estas reflexões, este trabalho objetiva compreender as concepções e práticas de educação ambiental integradas à proposta pedagógica em uma escola do campo de ensino médio do estado do Ceará.

PERCURSO METODOLÓGICO

Para a investigação do objeto da pesquisa deste trabalho, pretendeu-se utilizar um estudo de caso exploratório, de abordagem qualitativa. Segundo Gil (2010), o estudo de caso objetiva proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou construir hipóteses naquele local em que é realizada a investigação.

O lócus da pesquisa foi uma escola estadual de ensino médio, no município de Madalena/CE, que está situada no Assentamento 25 de Maio – Comunidade do Quieto, cujo número de matrícula é de 156 alunos, divididos em 05 turmas, e com lotação de 13 professores e dois membros do núcleo gestor – diretora e coordenador escolar.

O Assentamento 25 de Maio é o maior do estado do Ceará em área, sendo resultado das primeiras lutas do Movimento dos Sem Terra (MST) no Ceará, em 1989. Ele conta com aproximadamente 450 famílias, oriundas dos municípios Madalena, Quixadá, Quixeramobim, Canindé, Choró e Itapiúna, na Fazenda Reunidas São Joaquim, município de Madalena, sendo o maior latifúndio ocupado no Brasil neste período.

Para a consecução da pesquisa de campo, foram colhidas falas de dez educadores, sendo sete do sexo feminino e três do sexo masculino, com idade variando entre 23 e 42 anos, conforme descrito no quadro 1 a seguir. A partir dessas falas, foram analisadas suas práticas através de uma entrevista, cujo áudio foi gravado para posterior transcrição e análise. 

Sobre a formação dos professores, nove entrevistados têm licenciaturas e um tem bacharel em agronomia. Desses educadores, quatro têm especialização, três estão cursando especialização, um educador é mestrando em matemática e dois não têm especialização.

Tabela 1 – Quadro da caracterização dos educadores do local da investigação.
Educador
Formação Inicial
Pós-graduação
Tempo de magistério
Disciplina que leciona*
Educador I
Educação Física
Educação Física e Motricidade,   cursando especialização em  Educação Especial
5 anos
Educação Física
Educador II
Matemática
Mestrando no PROFMAT
9 anos
Matemática
Educador III
Pedagogia,
Pedagogia da Terra e Movimento,
Teologia
Português.
Especialista em Psicopedagogia
11 anos
LEI
Educador IV
Letras
Está cursando especialização em AEE
8 anos
AEE, PEP e PDT na 3ª série.
Educador V
Ciências Biológicas
Cursando especialização no ensino de biologia
3 anos
Biologia e Química
Educador VI
Língua Portuguesa
Teologia
Pedagogia
Está fazendo Psicopedagogia e tem especialização em Língua Portuguesa
10 anos
Artes e Filosofia,
PEP
Educador VII
Engenheiro Agrônomo
Especialização em Sistemas Agroflorestais e outra especialização em Convivência com o Semiárido, Agroecologia e Extensão Rural
9 anos
Física e OTTP
Educador VIII
Letras  – Língua Portuguesa
Não tem.
6 anos
Língua Portuguesa e LEI
Educador IX
Licenciada em Pedagogia. E está fazendo a segunda graduação em História
Especialização em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica. E também em História e Geografia
14 anos
Geografia e Sociologia
Educador X
Licenciatura em Matemática. 
Não tem especialização
7 anos
Matemática e Física

___

*Laboratório Educacional de Informática (LEI); Atendimento Educacional Especializado (AEE); Organização do Trabalho e Técnicas Produtivas (OTTP); Projeto, Estudos e Pesquisas (PEP); Práticas Sociais Comunitárias (PSC); e Programa Diretor de Turma (PDT).

Fonte: Elaborado pelos autores

A maioria dos professores está lecionando na área de conhecimento de suas formações, mas há três casos de professores lecionando sem habilitação específica, podendo ser justificados pela carência de professores, carga horária pequena, escola distante da cidade com estradas de difícil acesso. 

Um ponto também a ser ressaltado está na inexistência da temática de educação para o/no campo nos cursos de formação inicial, tendo a formação continuada como importante ponto para a qualidade do ensino, principalmente quanto à especificidade da realidade do campo, algo realizado, também, durante as formações pedagógicas ofertadas em parceria entre o Setor de Educação do MST-CE e a Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC) (RAMOS, 2011).

A pesquisa foi realizada de acordo com a resolução 510/2016, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos na área das Ciências Humanas e Sociais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente, foi questionado aos docentes sobre a definição e a importância da abordagem da educação ambiental na escola do campo. Conforme transcrições das falas a seguir, percebe-se a concepção naturalista do meio ambiente, visando ao estudo da natureza e preservação dos recursos naturais:

A educação ambiental é um olhar especial para a natureza aonde ela nos diz o que está ocorrendo sobre a ação do homem. E ela propõe uma sensibilização e conscientização para que o ser humano consiga viver harmonicamente com a natureza. (Educador VII)

A educação ambiental é uma educação voltada para preservação dos recursos naturais bem como a sua exploração de forma agroecológica. A educação ambiental é forma de conhecimento que melhora a relação entre o ser humano e a natureza. Que possa tirar a riqueza, mas sem destruir. (Educador II)

Eu não conheço muito sobre educação ambiental, mas acredito que é trabalhar coisas da natureza, é proteger, tecnologias sociais para o campo. (Educadora III)

Educação ambiental envolve todo o complexo de agroecologia e todo o sentido daquilo que envolve a natureza, ou seja, a valorização da natureza. (Educadora VIII)

Não tenho ainda uma compreensão sobre a educação ambiental e não fiz estudos sobre essa temática quando estudante. De maneira leiga acredito que educação ambiental é a maneira da gente construir um futuro. Sem meio ambiente nós não temos futuro. (Educadora I)

Loureiro (2004), contudo, discorre que a questão ambiental é complexa, trans e interdisciplinar. Assim, a complexidade ambiental busca pensar o enredamento do ambiente e propõe teorizar e agir em processos conexos e integrados, vinculando matéria e pensamento, teoria e prática, corpo e mente, subjetividade e objetividade. Inclusive, conforme preconiza Castro (1999), de modo a analisar o meio ambiente como um sistema integrado, não só nos naturais, como na totalidade dos aspectos humanos e sociais, de modo crítico e reflexivo.

Nesse ponto, surge a Educação Ambiental Crítica, proposta por Figueiredo (2010), pautado na pedagogia dialógica de Paulo Freire. Para o autor, para que haja efetividade das ações nesse ínterim, deve-se observar uma abordagem reflexiva, implicando as problemáticas socioambientais numa perspectiva holística, considerando os aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, científicos, tecnológicos, ecológicos, jurídicos, éticos, espirituais etc.

Para Guimarães (2000), a Educação Ambiental Crítica é definida como aquela que aponta para as transformações da sociedade em direção a novos paradigmas de justiça social e qualidade ambiental, e essa definição é antes de tudo uma proposta político pedagógica. Nesse sentido, educandos e educadores são sujeitos de transformações sociais em que o ensino é teoria/prática, é práxis porque se abre para a comunidade com os seus problemas sociais e ambientais, sendo estes conteúdos do trabalho do professor (GUIMARÃES, 2009).

Também foi questionado se os professores sabem do papel e da especificidade desse tipo de escola em que estão inseridos, sendo observado que:

Trata-se de uma educação que leva em consideração os sujeitos do campo em suas mais diversas dimensões humanas, propondo uma educação voltada para a formação de sujeitos críticos e capazes de intervir na sua realidade. (Educador X)

É uma educação voltada para o ser humano em todas suas competências. A Educação do Campo propõe tornar o ser humano um ser sujeito de sua própria história, fazendo com que o mesmo possa fazer uma leitura da sua realidade, entendendo o micro e o macro. (Educadora IX)

A Educação do Campo consiste na contextualização da realidade do campo, interagindo a teoria e a prática, visando uma melhor qualidade de vida aos camponeses, através da vivência e das práticas sociais comunitárias. Propõe uma interdisciplinaridade da base regular com a base diversificada, sendo necessários a interação da comunidade com suas vivências e sabedorias populares, bem como a ciência para dar uma resposta às realidades locais. (Educador VII)

Nos relatos descritos, vemos as ideias de educação do campo como direito dos trabalhadores do campo e como instrumento de formação humana, ou seja, formar sujeitos críticos para a transformação da realidade do campo. Nesse sentido, os entrevistados entendem que a educação do campo propõe uma educação crítica e contextualizada, considerando os saberes populares das comunidades nas seguintes reflexões e questões colocadas por Melo (2016, p. 90), quando afirma que essa educação deve fortalecer a identidade e a autonomia das populações do campo.

Diante do exposto referido à educação ambiental e à educação do campo, como elas estão inter-relacionadas no currículo escolar? Para o Educador II e Educadora V, por exemplo, a educação ambiental é realizada através dos projetos desenvolvidos pela escola e das práticas de trabalhos de preservação dos recursos naturais realizadas nas unidades produtivas e no campo experimental, bem como na sala de aula, trabalhando conteúdo contextualizado com a realidade dos alunos, mesmo não estando explícita na proposta da educação do campo. Contraditoriamente, a Educadora V afirma que há dificuldade nessa abordagem, haja vista a necessidade e a dificuldade de o educador ter uma visão ampla para trabalhar a EA na realidade da educação do campo. 

Tal fala transparece as dificuldades da educadora na implementação da proposta pedagógica da escola do campo, a qual busca integrar as matrizes curriculares a partir das porções da realidade, que são propostas pedagógicas interdisciplinares que consideram o inventário da realidade dos estudantes e da escola do campo, tendo as principais atividades realizadas através do desenvolvimento de alguns projetos nascidos das porções da realidade, conforme tabela 2.

Tabela 2 – Quadro dos projetos de Educação Ambiental

Porção da Realidade

Projetos

Alimentação Saudável

Agrotóxicos

Alimentação Saudável

Alimentação Saudável

Alimentação Saudável

Bancos de Sementes

Tecnologias Sociais

Viveiro de Mudas

Tecnologias Sociais

Mandalas

Fonte: Elaborado pelo autor

Diante do exposto, percebe-se que, apesar de não haver uma clara proposta no currículo escolar, a educação ambiental está inserida, informalmente, nas práticas pedagógicas. De todo modo, o projeto das escolas tem como missão a promoção da formação humana dos educandos visando ao conhecimento histórico, social, econômico, político, ambiental e cultural para uma atuação crítica e participativa, como preconizado por Loureiro (2003; 2004; 2007), Carvalho (2004; 2007), Guimarães (2004; 2007), Figueiredo, (2003; 2004; 2010) e Caldart (2002, 2012).

Esses pesquisadores orientam que as práticas de educação ambiental devem contemplar essas dimensões filosóficas da complexidade ambiental, articulando conhecimento popular e científico numa perspectiva de produzir novos conhecimentos que contribuam na transformação da realidade, do trabalho e da vida, seja no campo ou na cidade. Para mais, Bragança e Zientarski (2016) orientam esses procedimentos nos currículos, na concepção de aprendizagem e métodos específicos para que se tenham uma prática numa perspectiva transformadora, contextualizada e significativa. 

Macedo (2008) tece excelentes reflexões e orientações quando se analisa a importância da pedagogia de projetos na escola, ou o currículo por projetos que tem uma perspectiva interdisciplinar-integradora e vem sendo praticado, segundo esse pesquisador, como um paradigma curricular inovador e superador das práticas tradicionais disciplinares e fragmentadas de ensino.

De todo modo, as atividades propostas nos projetos de EA desenvolvidos nas atividades de porções da realidade podem promover a reflexão e a integração entre as práticas de educação ambiental com a proposta pedagógica transformadora da escola do campo, e que poderá ou deverá oportunizar aos seus educandos mudanças de valores, atitudes, pertencimentos à vida camponesa, na luta por uma sociedade mais justa e ecologicamente mais equilibrada a partir da agroecologia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho revelou que, através da sua organização curricular do campo, a educação ambiental, na escola pesquisada, está entrelaçada nas práticas de agroecologia desenvolvidas no campo experimental (atividades práticas da escola) através do tempo de trabalho produtivo nas unidades produtivas (realidade dos estudantes). 

Tudo isso parece uma tentativa de colaborar para a integração da educação ambiental no currículo da educação do campo, consubstanciado com ambientes de aprendizagem muito organizados e estruturados, o que facilita o trabalho dos professores. Além disso, a escola tem caminhado para desenvolver o enfoque interdisciplinar, inserindo o conteúdo específico a partir das porções da realidade.

Esse trabalho de pesquisa merece ter continuidade e aprofundamento na temática e nas reflexões acerca desta, de modo a possibilitar mudanças significativas no currículo e na prática pedagógica, tendo em vista uma educação crítica e dialógica na escola do campo, permeada de aprendizado e vivência do cotidiano.

REFERÊNCIAS

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Imagem de destaque: Brasília, DF, Brasil 8/4/2016 Foto: Andre Borges/Agência Brasília

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