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O PIBID na educação infantil: relatos de projetos

O presente artigo descreve e analisa as experiências vividas por oito estudantes do curso de Pedagogia participantes do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), Núcleo de Educação Infantil, em uma escola situada em Belo Horizonte. O PIBID é um programa federal vinculado ao MEC (Ministério da Educação) dedicado a fomentar a iniciação à docência de estudantes dos cursos de licenciatura, preparando-os para atuarem na educação básica. 

Entre os nossos objetivos de formação, buscou-se refletir sobre os fundamentos da prática pedagógica e dos sentidos da docência na educação infantil. A instituição responsável por receber nossas estudantes foi a Escola Municipal de Educação Infantil – EMEI Santa Amélia, localizada no Bairro Jardim Atlântico. Ela atende cerca de 380 crianças da região, com idades entre 1 e 6 anos, e funciona em dois turnos, de 7h30 às 17h. 

Entre os meses de agosto de 2018 e janeiro de 2020, nossas estudantes realizaram imersões junto à escola parceira, acompanhando o trabalho de professores e registrando o cotidiano de suas turmas, planejando e desenvolvendo ações para grupos de diferentes faixas etárias. Faziam parte da equipe pedagógica de acompanhamento das estudantes, além do coordenador da própria UFMG, uma professora supervisora bolsista e cinco professores da escola. Vamos relatar, neste artigo, três projetos pedagógicos desenvolvidos na EMEI:

  • Projeto “Pista de Carrinhos”;
  • Produção de um ateliê sensorial;
  • Projeto “Como nascem as plantas?”: atividades voltadas para o ensino das Ciências da Natureza.

Como abordagem teórica, utilizamos a contribuição de autores como Dewey e Vygotsky, sobretudo naquilo que elaboraram sobre o brincar da criança e sobre a construção de uma pedagogia mais pragmática e democrática. Estes autores nos levaram a pensar que o brincar na educação infantil representa, para a criança, a possibilidade de aprendizagem. Para Dewey, o brincar significa a ação de expressar e de compreender as relações sociais decorrentes dessas interações. Para Vygotsky, a brincadeira surge de necessidades e impulsos específicos da criança e é essencial no aprendizado pois, quando envolvida na brincadeira, a criança pode planejar, criar situações, resolver problemas, além de desenvolver a memória, a percepção, atenção e as relações lógicas, já que o brincar é desafiante para ela. 

Também destacamos a importância em tratar dos processos imaginativos presentes nas situações de brincadeiras vividas pelas crianças. Define-se como imaginação ou fantasia a capacidade combinatória do cérebro humano de criar e atribuir novos sentidos às ações dos próprios sujeitos que vão além do literal, sendo a atividade criativa relacionada com suas experiências acumuladas. Daí decorre-se que quanto mais rico for o ambiente de aprendizagem e quanto mais significativas e desafiadoras forem as atividades propostas para as crianças, mais estaremos contribuindo para o seu desenvolvimento. 

Neste sentido, trazemos aqui a importante ideia de se pensar os espaços e ambientes da educação infantil utilizando-se da metáfora do ateliê. Segundo DOURADO et al. (2019), na ideia do ateliê, os espaços são modificados e pensados para proporcionar às crianças momentos de experimentação, exploração e investigação a partir da disponibilidade de diferentes tipos de materiais. Busca-se, com isso, associar a atitude investigativa e de autogestão das crianças ao uso de múltiplas linguagens, promovendo momentos para a expressão de suas inquietações, materialização de seus pensamentos e narração de suas experiências (GANDINI et al., 2012). O espaço organizado dessa maneira funciona como um segundo ou terceiro educador. Materiais de diferentes tipos de texturas, cores e aromas promovem uma verdadeira educação sensorial da criança.

Passamos, agora, a descrever pormenorizadamente cada um destes três projetos.

Projeto “pista de carrinhos”

Como o próprio nome já diz, o projeto tinha como produto final a produção de uma pista de carrinhos para as crianças da EMEI brincarem. A realização desse projeto teve como objetivos ampliar as possibilidades do brincar, proporcionando práticas e vivências em torno da temática do trânsito; potencializar os usos dos espaços externos presentes na instituição; construir, juntamente com as crianças e professores, um ambiente onde seja possível representar o circuito de trânsito e seu entorno. 

O projeto foi desenvolvido em quatro turmas de 03, 04 e 05 anos de idade e teve duração de 04 meses (março a junho), com carga horária de 12 horas semanais. O local escolhido pela coordenação para a pista foi o pátio situado atrás do prédio da escola, próximo à mangueira e ao jardim. O espaço, além de bem amplo e com bastante sombra ao longo do dia, não apresentava muita circulação de pessoas, tornando-o propício para a pista. Durante o projeto, desenvolvemos algumas ações importantes listadas a seguir: 

Na fase “Conversando com as crianças sobre o que viam no caminho da casa até a escola”, perguntamos a elas que coisas havia no caminho que faziam de suas casas até a EMEI. Após a conversa, pedimos, também, que fizessem um desenho sobre o percurso. Dentre o que as crianças viam no trajeto, podemos citar: pessoas, elementos da natureza, como árvores e sol; animais, como gatos e cachorros; estabelecimentos comerciais, como padarias, shoppings, posto de gasolina; vários tipos de carros de passeio, vans, carros de bombeiro, carrinho de cachorro quente; e objetos presentes nas vias públicas, como lixeiras e caçambas. Além desses elementos, as crianças também identificaram muitos sinais de trânsito e o significado destes sinais.

Na próxima fase, “Projetando pistas de carrinhos em papel e no chão”, foi proposta para as turmas maiores a criação coletiva de uma grande pista em papel kraft. Para as turmas menores, foram criadas pequenas pistas de papelão em tamanho A4 no formato de figuras geométricas (quadrado, círculo, retângulo, triângulo), que foram disponibilizadas às crianças junto com carrinhos para brincarem e para que elas se habituassem com o traçado das formas. Após esses momentos, propusemos para as crianças que desenhássemos a pista de carrinhos diretamente no chão do pátio da escola, onde construiríamos a pista. Nossa intenção era ocupar o espaço de forma a introduzir esta prática na rotina das turmas sem perder de vista o principal objetivo, que era ampliar as possibilidades de brincadeiras para as crianças. Para isto, entregamos para elas carrinhos e um pedaço de giz. A pista foi sendo ampliada à medida que as crianças sentiam necessidade de novos circuitos, desenhando, elas mesmas, novas ruas. Várias ruas foram criadas, com faixas, semáforos e outras sinalizações. 

Figura 1- Crianças desenhando a pista no chão
Fonte: acervo das autoras

Sobre a fase “Produzindo a pista definitiva”, para desenhar o traçado da pista o mais próximo dos desenhos das crianças, utilizamos como referência os desenhos que elas haviam feito no chão. Para a paisagem do entorno da pista, escolhemos os desenhos mais significativos e que melhor representavam aquilo que observavam nas ruas. O professor Nelinho foi responsável por desenhar a pista definitiva no piso do pátio e contou com a colaboração das bolsistas do PIBID.

Figura 2: momento de brincadeira na pista de carrinhos
Fonte: acervo das autoras

O ateliê sensorial

O convite para participarmos da construção do ateliê na EMEI Santa Amélia ocorreu em fevereiro de 2019. Ele foi instalado na “sala de faz de conta”. Durante uma semana de cada mês, a sala era transformada no ateliê: o espaço era totalmente esvaziado e eram deixados, à disposição das crianças, materiais não estruturados, ou seja, objetos que, por suas qualidades materiais e sensório-estéticas, ofereciam uma enorme gama de respostas às explorações das crianças: caixas de papelão, tecidos, tocos de madeira, cones, garrafas, etc. O ateliê era frequentado por todas as turmas da escola e seus professores. Ao longo do ano, a escola organizou pelo menos três momentos diferentes no local, priorizando, em cada um deles, um tipo de material diferente: caixas, tecidos e plásticos. Optamos, aqui, por dar enfoque às observações realizadas com turmas de crianças entre a faixa etária de 2 a 3 anos e 4 a 5 anos durante a realização do ateliê de caixas.

No ateliê de caixas, foram dispostas, na sala, diversas caixas de papelão que possuíam tamanhos, cores e formas distintas. Ao longo da proposta, nota-se que surgiram diferentes brincadeiras com as caixas e que as crianças estavam em um constante processo imaginativo. Destacamos algumas das brincadeiras tematizadas pelas crianças: 

Figura 3: organização do ateliê com caixas. 
Fonte: acervo das autoras

Zoológico de caixas: realizada por meninas entre a faixa etária de 04 a 05 anos. Para representar o zoológico, as crianças organizaram as caixas umas ao lado das outras e reservaram um espaço para a venda de ingressos, que seriam necessários para que os visitantes pudessem entrar. A forma como as caixas eram dispostas se assemelhavam a objetos presentes em um zoológico, como jaulas e outros artefatos culturais presentes no cotidiano das crianças, tais quaiscomputadores, celular e um caderno. Estes eram importantes para que o “zoológico” funcionasse, já que era necessário o controle dos visitantes no local.  

Correios: dentro das caixas de sapato, outras caixas menores eram inseridas e entregues como produtos de compras (quase sempre itens de vestuário). Durante essa brincadeira, meninos e meninas transitavam pelo espaço com caixas nas mãos em busca dos “remetentes” das entregas. 

Figura 4: À direita crianças brincando de “`’correio de caixas”, no centro uma criança simulando estar em um carro, do lado esquerdo próximo à porta crianças organizando o “Zoológico de caixas”.
Fonte: acervo das autoras

Carros e trens: as crianças entravam dentro das caixas, enfileiravam-nas, simulavam dirigir e faziam com as mãos movimentos de um volante de carro; quanto às casas, as crianças organizavam as caixas grandes em determinado espaço da sala e limitavam como o espaço de circulação. 

“Minha casa”: as caixas se transformavam em tapete, sofá e cama, com as crianças se deitando e sentando sobre as caixas. 

Ações de puxar e empurrar, abrir e fechar: as crianças mais novas, entre 02 e 03 anos, brincavam de forma mais retraída ou acreditavam que, dentro das caixas, tinham algum presente. Também exploravam as caixas com as mãos, tentando abri-las para descobrir o que havia dentro delas. 

Projeto “De onde nascem as plantas?”

As crianças, desde cedo, se interessam por buscar explicações sobre os fenômenos da natureza (LIMA; SANTOS, 2018) e “são capazes de coisas que a gente não imaginava que fossem” (fala de uma de nossas estudantes). Foi com esse mote que iniciamos, em agosto de 2019, o projeto “De onde  nascem as plantas?”. A coordenação da EMEI apresentou-nos como demanda a intenção de expandir e desenvolver experiências com as crianças nas áreas verdes da escola. Constatamos que a EMEI já apresentava diversas áreas: uma horta, um jardim próximo a uma grande mangueira e um pomar atrás da cantina. Todavia, elas eram pouco exploradas pelas professoras e as crianças. As crianças eram proibidas de circular por esses espaços. Todas essas áreas verdes eram cuidadas por duas funcionárias da instituição (Fátima e Sandra) que, nas horas de folga, zelavam pelo espaço. 

A fim de responder à demanda da escola e de oferecer uma formação à equipe de estudantes bolsistas, convidamos duas professoras da UFMG, autoras do livro “Ciências da Natureza na Educação Infantil” (LIMA & SANTOS, 2018), para auxiliar-nos no desenvolvimento de uma proposta. 

Trabalhar com ensino de Ciências na Educação Infantil pressupõe oferecer às crianças oportunidades de observação dos fenômenos, bem como suas transformações, criar hipóteses e possíveis resultados a partir do que observam. Buscamos, com isso, promover estratégias de aprendizagem para que as crianças pudessem explorar o ambiente a fim de construírem conhecimentos diversificados sobre o meio social e natural, desenvolvendo assim sua autonomia e a autoestima (RCNEI, 1988, p. 166).

Figuras 5 e 6: meninas durante a visita à horta da EMEI
 Fonte: acervo das autoras

Ao longo do semestre, desenvolvemos várias atividades relacionadas ao tema:

  • Visita com as crianças pelas áreas verdes da escola, acompanhadas pelas duas funcionárias responsáveis pela manutenção dos espaços, desenvolvendo atividades de observação com o uso de lupas e lanternas;
  • Entrevista com as duas pessoas responsáveis pela manutenção das áreas verdes da escola;
  • Estudo de sementes diversas para responder à pergunta de referência do projeto, qual seja, “de onde nascem as plantas?”, questão elaborada pelas crianças durante a entrevista;
  • Construção de um boneco com sementes (Sr. cabeça de alpiste), para as crianças acompanharem o crescimento da planta;
  • Produção de terrários com plantas para simular o ambiente natural em que vivem as plantas.

Daremos destaque ao registro de um momento específico do projeto, a fim de avaliarmos a riqueza dessa experiência junto às crianças.

“Vocês estão doidas, estão fazendo isso pra matar as plantas?”: a produção do terrário na turma de 04 e 05 anos. 

Durante a construção do terrário com a turma de 04 e 05 anos, tudo caminhava bem, até que anunciamos que o terrário seria fechado. Neste momento, a comoção foi geral entre as crianças:

“- Não fechem o terrário, vocês vão matar as plantas!”

 “- Vocês estão doidas, estão fazendo isso pra matar as plantas?”

Diante da reação das crianças, indagamos sobre o que as fazia acreditarem que as plantas morreriam. “- Elas vão sufocar e morrer sem ar!” respondeu uma das crianças. Diante de tal preocupação, algumas crianças tentaram encontrar a solução do problema de “sufocamento da planta” e disseram:

“- Já sei! Vamos fazer buraquinhos na tampa. Assim, o ar pode passar.”

“- Melhor a gente abrir a tampa um pouquinho todo dia, para entrar o ar para a plantinha”.

Dissemos, então, que aquilo que estávamos fazendo era um experimento. Observaríamos o terrário fechado e as crianças teriam que nos contar o que aconteceu uma semana depois. Colocamos o terrário em local bem visível, na sala, para as crianças continuarem suas observações. Elas se mostraram animadas, embora estivessem preocupadas com a sobrevivência das plantas.

Na semana seguinte, retornamos à turma e conversamos sobre o andamento do terrário. Pegamos o terrário e perguntamos o que havia acontecido. Em todas as turmas, a conversa foi a mesma: as crianças relataram que as plantas continuavam vivas. Quando questionadas sobre o que elas haviam dito na semana anterior, elas não admitiram terem dito que as plantas morreriam. Várias crianças trouxeram a explicação do motivo do sucesso do terrário: solo adequado em virtude da terra, serragem, pedras e argila, presença de água e exposição ao sol. Algumas elaboraram o conceito do ciclo da água, dizendo que, como regamos uma única vez, a água evaporou/ “subiu” (duas palavras utilizadas por elas) e, depois, a água se transformou em gotinhas e novamente molhou as plantas. Fizemos uma retomada de todo o processo, como fizemos durante a construção do terrário, destacamos o que é necessário para uma planta nascer e sistematizamos o conceito que elas mesmas trouxeram sobre o ciclo da água. A experiência foi riquíssima e uma excelente escolha para finalizar o projeto e o ano, com o encerramento do programa.

Conclusões

As experiências acima narradas buscaram valorizar as vivências das crianças e promover aprendizados por meio do brincar e da apropriação dos diversos espaços da EMEI. Acreditamos que conseguimos, de certa forma, incluir as crianças em todas as fases da realização das propostas, valorizando suas ideias e sua participação. As bolsistas e professores exerceram a função de mediadores, no sentido de instigá-las a questionar, a refletir e a pensar sobre as estratégias que permeavam suas ações. 

O exercício de construir e explorar diferentes ambientes para além da sala (pista de carrinhos, ateliê, hortas e jardins, o terrário) para que neles oportunizássemos às crianças situações de observação, pesquisa, experimentação e vivência de diversas experiências deu-nos a clara consciência de serem estes espaços verdadeiros laboratórios para nossas observações como futuras professoras. Por meio da realização dessas atividades, passamos a nos preocupar a respeito de como poderíamos colaborar para o enriquecimento das experiências das crianças com a introdução de novos materiais e desafios. 

Avaliando o impacto que essas experiências trouxeram para o cotidiano da EMEI, podemos afirmar que elas contribuíram para a introdução não somente da temática da organização dos ambientes, mas também para a proposição de novos conteúdos curriculares, como os conhecimentos relacionados às ciências da natureza.

Para a formação inicial de docentes, a experiência foi enriquecedora. Proporcionou a construção de um olhar mais sensível à organização dos espaços, às produções infantis e ao desenvolvimento de projetos voltados para o ensino de ciências.

Referências 

COLEGIADO DE PEDAGOGIA. PIBID: sub projeto Pedagogia educação infantil, anos iniciais e educação de jovens e adultos. Belo Horizonte:Faculdade de Educação UFMG, Julho de 2018.

DEBORTOLI, José Alfredo. Educação infantil e conhecimento escolar: reflexões sobre a presença do brincar na educação de crianças pequenas. In: CARVALHO, Alysson et al. Brincar(es). Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. p. 83-90. 

DOURADO, M.; MONTEIRO, L.; BEZERRA, A.; FERNANDES, A.; MEYER, D. Fios da infância – Entrelaçamentos no início da vida: didática para professores em Creches. Editora Baobá. 2019.

GANDINI, L. et al. O papel do ateliê na educação infantil: a inspiração de Reggio Emilia. Porto Alegre: Penso, 2012.

LIMA, M. E. C; SANTOS M. B. L. Ciências da Natureza na Educação Infantil. Belo Horizonte: Fino Traço, 2018

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 6. ed., São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1998.

___. A imaginação e a criação na infância. São Paulo: Atica, 2009, p. 10-33.

Imagem de destaque: Imagem de jcomp no Freepik

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