PIBID/EJA/UFMG: reflexões sobre formação inicial
A demanda da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em números
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2018, o Brasil possui 11,3 milhões de pessoas não alfabetizadas com 15 anos ou mais de idade, 52 milhões de pessoas com 15 anos ou mais sem ensino fundamental e 22 milhões de pessoas com 18 anos ou mais sem ensino médio, totalizando 43% da população brasileira¹.
Quanto à realidade mineira, segundo DA SILVA (2017), temos não alfabetizados(as), 1.247.010; sem instrução e fundamental incompleto, 7.287.140; com fundamental completo e médio incompleto, 2.829.240 cidadãos e cidadãs, totalizando 11.363.390 pessoas jovens, adultas e idosas, ou seja, 54% da população mineira.
A mesma pesquisa revela que a Capital das Alterosas tem 54.810 pessoas não alfabetizadas com 15 anos ou mais de idade; 579.740 pessoas com 15 anos ou mais sem ensino fundamental; e 343.360 pessoas com 18 anos ou mais sem ensino médio, totalizando 39% da população de Belo Horizonte.
A metodologia utilizada nessa pesquisa foi a triangulação dos dados do Censo 2010 do IBGE com os dados da PNAD 2018 com o Banco Multidimensional de Estatísticas do IBGE².
Atuação no PIBID EJA no Centro de Apoio Comunitário no ano de 2019
A EJA CAC Serrano, turma externa da E. M. Maria de Magalhães Pinto, teve início em março de 2009 a partir de uma chamada pública na comunidade, dada a observação da demanda existente pela moradora e educadora da escola Jeanne Mary (Supervisora PIBID-EJA). Naquela época, a política educacional do município incentivava, através do projeto EJA-BH, a abertura de turmas externas que atendessem a população de jovens, adultos e idosos não escolarizados ou que não tivessem concluído o ensino fundamental e que, por diversos motivos, tivessem dificuldade de acessar as escolas, em geral, devido à questão de incompatibilidade de horário, de acesso ou localidade, até mesmo de falta de identidade com a proposta pedagógica.
Visando atender esses sujeitos, foi feita uma busca na comunidade, pela educadora – que era vinculada ao projeto EJA-BH – por espaços que pudessem atender com qualidade a um grupo de educandos, sendo levados em conta alguns critérios, como acessibilidade, localização central na comunidade, banheiros e bebedouros, interesse da parte parceira em ser um local onde os educandos se sentissem à vontade. O Centro de Apoio Comunitário (CAC) Serrano mostrou-se o espaço ideal.
Após uma chamada em igrejas, no posto de saúde, no próprio Centro de Apoio Comunitário (CAC) e na escola, foi feita uma lista de interessados e aprovada a turma. A professora convidada a atuar esteve com o grupo até 2018, ano em que se aposentou. Outra professora assumiu a turma em 2019, tendo atuado anteriormente como regência compartilhada.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma das modalidades da educação básica brasileira que visa garantir o acesso à educação de qualidade e a permanência no processo de formação educacional a sujeitos que tiveram suas trajetórias marcadas pela exclusão, principalmente no ambiente escolar, e não concluíram as etapas da educação básica em idade regular. As aulas do ensino fundamental são abertas para alunos a partir de 15 anos, enquanto, no ensino médio, os alunos precisam ter, no mínimo, 18 anos.
Durante o período de 18 meses, o graduando e as graduandas de Pedagogia, bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEJA), estiveram em contato com a EJA com o objetivo de aprimorarem seus respectivos processos de formação ao aliar a prática com a teoria curricular, traço muito forte também da modalidade em questão, a partir da observação docente e de intervenções supervisionadas. O PIBID busca acabar com um problema existente no contexto de formação docente no Brasil, aproximando as instituições formadoras das escolas de educação básica (AMBROSSETTI et. al, 2013). A turma de EJA que integra esse programa, juntamente aos bolsistas, como dito, funciona em parceria com a Escola Municipal Maria de Magalhães Pinto em um Centro de Apoio Comunitário (CAC) no Bairro Serrano, em Belo Horizonte/MG, e é composta majoritariamente por mulheres idosas moradoras da comunidade em processo de alfabetização, além de sujeitos mais jovens que estão em busca da certificação do ensino fundamental.
A experiência contribuiu para a compreensão da importância do conhecimento de mundo de todos os sujeitos integrados no processo para a formação humana, tanto de educadores quanto de educandos, ambos enquanto sujeitos de sua própria educação na perspectiva de horizontalidade proposta por Paulo Freire, quando este considera o processo de conscientização proporcionado por uma pedagogia libertadora.
A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade, se apresenta como pedagogia do Homem. Somente ela, que se anima de generosidade autêntica, humanista e não ‘humanitarista’, pode alcançar este objetivo. Pelo contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão. É instrumento de desumanização. Esta é a razão pela qual, como já afirmamos, esta pedagogia não pode ser elaborada nem praticada pelos opressores. (FREIRE, 1998, p. 22)
Essa educação horizontalizada que garante a emancipação dos sujeitos só é possível quando os educandos se entendem como participantes do seu processo de educação, quando eles têm voz ativa e conseguem compreender isso, e para além disso, começam a entender sua sociedade e cultura, e dentro delas entendem seu papel.
Durante o tempo em que participamos desse processo de educação, algo apareceu como comum entre os educandos da turma externa de EJA do CAC Serrano, outra experiência do PIBID. Mesmo com as diferenças geracionais e de gênero, todos falavam sobre a importância dos familiares nos seus processos educativos e traziam relatos que aconteciam em suas casas devido ao seu retorno à educação.
Quando se trata da EJA, pressupõe-se que o papel da família é diferente do que é compreendido para as crianças, contudo, as análises nos revelaram algo diferente, aspecto que impulsionou o projeto Festa da Família, que traria para mais próximo da turma o convívio das famílias antes representadas apenas pelos educandos dentro de sala.
Projeto Festa da Família
A Festa da Família foi um dos projetos que realizamos no ano de 2019 com os educandos da EJA. A ideia desse projeto surgiu, primeiramente, pela relação de afetividade que os educandos possuem com determinadas pessoas de suas famílias. Os educandos manifestaram a vontade de ter um momento em que as famílias pudessem participar e conhecer como funciona a escola, por meio de falas como: “minha filha gosta de olhar meu caderno e ver o que estou aprendendo”, “minha esposa e meus filhos me dão muita força pra eu estudar. Meu filho me ajuda com a matemática”, “minha neta levou um folheto da Igreja pra eu ler e falou que estou lendo direitinho”, “meu cunhado também é professor e diz que estou desenvolvendo bastante”.
Refletimos, também, sobre como a realização dessa festa fortaleceria essa turma de EJA na comunidade, o que é muito importante para a manutenção de uma turma externa. É importante quebrar a barreira de comunicação muitas vezes existente entre a família e a escola (ANDRÉ, BARBOZA, 2018). Por conta disso, buscamos trazer a família dos educandos para dentro do ambiente escolar, utilizando a Festa da Família como estratégia de aproximação.
Discutimos essa proposta na reunião de Núcleo e decidimos desenvolver o projeto. Produzimos a capa do convite para o evento e, dentro desta, cada educando pôde escrever um texto convidando sua família para participar. No evento, cada educando poderia levar as pessoas que desejasse. Tivemos educandos que levaram grande parte da família, como mãe, esposa e filhos, assim como tivemos educandos que levaram somente um dos filhos e outros que não levaram ninguém, pois quem era importante para eles não teve disponibilidade no dia.
Na educação, a presença da família junto à escola é de extrema importância para o desenvolvimento e amparo dos alunos. Em turmas de EJA, esse contexto também é relevante para o desenvolvimento do aluno, visto que ele é um ser social, que se educa por meio da relação com o meio em que convive e pelas experiências que vivencia em seu cotidiano. Para isso, a escola tem a necessidade de estar atenta aos familiares dos alunos, para entender qual a cultura predominante no ambiente familiar do educando e quais os problemas que são enfrentados, para que, a partir dessa informação, o currículo escolar possa ser elaborado.
Figura 1 – Foto do Projeto Festa da Família
Fonte: Arquivo do Núcleo do PIBID EJA UFMG 2018-2020
Além disso, o apoio positivo da família para esses sujeitos que novamente estão em busca do seu direito pela educação, anteriormente negado e negligenciado, também auxilia no seu desenvolvimento escolar. É importante que eles e suas famílias consigam enxergar a relevância desse processo. Essas famílias precisam estar presentes em cada etapa desse desenvolvimento, para observarem o que significa a educação para cada educando ali presente.
Considerações Finais
Avaliamos que o PIBID trouxe outras perspectivas para nossa formação acadêmica. Conseguimos, durante esses 18 meses, relacionar a teoria transmitida nas aulas com as práticas na turma de EJA, com o planejamento semanal com a coordenadora e com os diversos seminários e conversas realizadas entre os núcleos. De forma positiva, conseguimos visualizar a prática docente com as orientações da coordenadora no PIBID-EJA.
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- Conforme apresentado no site https://www.bme.ibge.gov.br/index.jsp, Acesso em: 20 nov. 2021
- Os resultados para os 853 municípios mineiros são encontrados no endereço eletrônico https://www.fae.ufmg.br/neja/index.php/pesquisa/ , Acesso em: 20 nov. 2021.
Referências
AMBROSETTI, Neusa Banhara et al. Contribuições do Pibid para a formação inicial de professores. Educação em Perspectiva, v. 4, n. 1, 2013.
ANDRÉ, Elisandra; BARBOZA, Reginaldo. A importância da parceria entre a família e a escola para a formação e desenvolvimento do indivíduo. Revista científica eletrônica da pedagogia, ano XVII, n. 30, 2018. Disponível em < http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/lupTy4EkojpUN2D_2018-10-6-10-36-41.pdf >. Acesso em 21 nov. 2019.
DA SILVA, Analise de Jesus. BASE DE DADOS – MUNICÍPIOS MG. Resultado do Projeto de Pesquisa financiado pelo PROEXT 2015 com metodologia de triangulação dos dados da PNAD 2014, do IBGE / Censo 2010 e do Banco Multidimensional de Estatísticas. Disponível em https://neja.fae.ufmg.br/index.php/pesquisa/ Acesso em 10.11.2019
FREIRE, P. (1998). Pedagogia do Oprimido. 25 ª ed. (1ª edición: 1970). Rio de Janeiro: Paz e Terra.