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O desafio de promover a integração do conhecimento com o protagonismo dos educandos

alessandra Soto

Alessandra Soto

Graduada e licenciada em História pela Universidade de São Paulo. Bacharel em direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Atualmente atua como professora efetiva da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, lecionando a disciplina de História na Escola Estadual Professora Nadir Lessa Tognini.

E-mail: alessandra.hist@gmail.com

INTRODUÇÃO

O tema central deste artigo foi inspirado nos projetos atrelados à democracia e à cidadania os quais venho aplicando nos últimos 4 anos na Escola Estadual Professora Nadir Lessa Tognini, localizada em Santo André, região metropolitana de São Paulo, especialmente na aplicação do projeto “Construindo a democracia e multiplicando a cidadania” desenvolvido no programa Missão Pedagógica no Parlamento que culminou em um artigo do livro intitulado “Educação para a Democracia:  projetos inspiradores das professoras e professores do Brasil”, escrito coletivamente com relatos de aplicação dos professores participantes no programa em 2017. A seguir apresentarei alguns relatos de experiência e sugestões de propostas que visam trabalhar temas tão importantes para o desenvolvimento de noções de cidadania junto aos alunos de maneira interdisciplinar, relacionando com demandas presentes no cotidiano da comunidade escolar e fazendo uso de ferramentas pedagógicas acessíveis.

Nos próximos parágrafos discorrerei sobre as práticas pedagógicas em educação para a democracia. Elas devem buscar a integração entre o conceito com a sua aplicação prática, atrelando ainda a reflexão sobre demandas sociais com sua vivência e estar sempre sensíveis aos contextos sociais, políticos, econômicos e culturais que permeiam a comunidade escolar. Este entrelaçamento de significados é primordial para o sucesso na aplicação dos projetos. O conhecimento sobre a democracia é desenvolvido através do engajamento e a associação entre os participantes da comunidade para discutirem os problemas, debatendo-os e analisando criticamente visando possíveis soluções.

POR QUE FALAR DE DEMOCRACIA NA SALA DE AULA?

Nosso cenário político atual tem demonstrado o quanto a nossa democracia é incipiente. Acredito que os professores devem assumir o papel de conduzir os alunos na direção de uma aprendizagem mais engajada, abordando temas como política, cidadania, democracia e ética durante as aulas para que a educação cumpra para com seu dever de formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres. Através do desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo, a juventude protagonizará, naturalmente, o amadurecimento da nossa democracia.

Partindo da premissa de que a democracia pode ser definida como uma forma de poder onde os cidadãos podem exercer sua soberania através da tomada de decisões que afetam a vida da coletividade, mesmo que indiretamente, acredito que é primordial que haja a articulação entre o sistema representativo e a participação efetiva da sociedade, cabendo ao professor a responsabilidade de fazer semear junto aos alunos, desde a mais tenra idade, conhecimentos e informações acerca de valores democráticos.

Tenho percebido a duras penas que a qualidade de um regime democrático não está assegurada pela simples participação eleitoral do cidadão, quando ele vai às urnas para exercer seu direito de escolha, mas faz-se necessário o fomento de uma cultura política que vise o contato contínuo entre representantes e representados. As mudanças serão viabilizadas quando o cidadão deixar de ser considerado apenas como o indivíduo que vota e perceber sua importância enquanto sujeito da democracia. Faz-se necessário desenvolver o senso de valores democráticos e de coletividade através de conversas e debates que versem sobre o bem comum, ressaltando a importância de estimular junto aos alunos o habito de acompanhar a atividade política dos nossos representantes, como mostra o texto “Valores democráticos e de coletividade” elaborado para o curso Missão Pedagógica no Parlamento.

A educação para democracia tem o poder transformador de formar cidadãos conscientes de suas futuras responsabilidades, que vão além do voto. Cabe ao professor apresentar aos alunos os instrumentos de participação e acompanhamento político, incentivando que eles lutem pelos seus direitos ao passo que cumpram seus deveres para com a sociedade. Tais iniciativas contribuirão para o fomento de uma cultura participativa fazendo com que a democracia seja vista como a forma pela qual a cidadania será plenamente desenvolvida.

A BUSCA DA EQUIDADE ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO CIDADÃ

A equidade deve ser compreendida como um direito universal que será garantido através do respeito à diversidade, ou seja, deve-se respeitar a vontade da maioria sem perder de vista o direito das minorias. Este pensamento está expresso na afirmação de Boaventura “…temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.”. (SANTOS, 2003, p. 56). Estudos recentes apontam para o fato de que o processo democrático carece do desenvolvimento de competências cívicas coletivas e não apenas individuais. Tendo em vista que a democracia é um ideal e um instrumento que visa a organização do estado e da sociedade, é extremamente necessário desenvolver na população mais jovem as noções de valores democráticos e a indicação de práticas coletivas que garantirão um gradativo amadurecimento democrático, visto que há um longo caminho para que a democracia cidadã seja efetivamente materializada.

Nossa juventude carece de engajamento e poder de argumentação diante das insatisfações e injustiças arraigadas na sociedade brasileira, especialmente no que tange aos direitos das minorias. O desenvolvimento da equidade minimizará os limites do nosso regime político, consubstanciados no expressivo déficit democrático atual, especialmente no seu aspecto participativo, onde a população civil está praticamente apartada dos debates sobre integração e globalização. Acredito que educação para a democracia exercerá um importante papel para que os jovens cidadãos compreendam que sua participação é essencial para solucionar o problema da inclusão democrática. Engajados e atuantes, os cidadãos pleitearão a incorporação das vozes das minorias sociais ao processo representativo.

Um dos maiores entraves enfrentados pelo professor é o preconceito contra a política que, nas palavras de Hanna Arendt, “…o verdadeiro ponto principal do preconceito corrente contra a política é a fuga à impotência, o desesperado desejo de ser livre na capacidade de agir…” (ARENDT, 2003, p. 28). Esse aspecto se encontra no senso comum entre a maioria da população que pensa que o exercício da política deve ser delegado aos profissionais capazes de atuar politicamente. Nós professores precisamos desconstruir a ideia de que a política é estritamente profissional.

As práticas em educação democrática visam incutir nos alunos a consciência de que não basta que eles se limitem em constatar os problemas que impedem o estabelecimento da equidade na nossa sociedade, mas que eles podem e devem intervir para que as mudanças sejam alcançadas e, que as diversas formas de intervenção estão presentes nas suas escolhas cotidianas. Desta forma o professor conduzirá os alunos nos caminhos da cidadania que é extremamente necessária para o fortalecimento da democracia. O amadurecimento acontecerá quando eles entenderem que se, de um lado, são livres para escolher qual caminho seguir, de outro são responsáveis pelas consequências dos seus erros e acertos, inclusive das suas omissões.

PROTAGONISMO DO PROFESSOR NA EDUCAÇÃO PARA A DEMOCRACIA

A experiência que obtive decorrente de anos aplicando projetos voltados para o desenvolvimento de uma educação democrática e cidadã, aponta para o fato de que as práticas do professor devem proporcionar uma constante vivência democrática em sala de aula, não podendo se dar por mera imposição. Desta forma a cultura democrática vai se sedimentando de uma forma quase natural na sala de aula. A construção de uma educação democrática deve estar pautada no desenvolvimento das seguintes dimensões: conhecimentos, habilidades e valores. Cabe ressaltar que o professor deve atentar para o contexto da comunidade para a qual desenvolverá tais ações educativas, adaptando-as de acordo com as suas demandas.

Naquilo que concerne ao direito cidadão de representatividade, cabe ao professor o dever de pontuar os direitos e deveres relacionados à organização política, bem como as regras que organizam a vida coletiva, especialmente as contempladas na nossa Constituição Federal. Uma leitura auxiliar para a análise do nosso texto constitucional é o livro “Constituição em miúdos”, editado pelo Senado Federal, que explica de forma didática e ilustrativa os princípios e fundamentos da nossa Carta Magna. Desta forma, os alunos perceberão que enquanto cidadãos, devem estar integrados ao todo social ao qual fazem parte e devem contribuir com opiniões e participações para que os interesses individuais e coletivos sejam considerados.

Outra metodologia utilizada para que os alunos desenvolvam a habilidade exercer um pensamento crítico diante de assuntos controversos ou de demandas coletivas é a proposição de debates, onde eles devem se posicionar criticamente sobre o tema apresentado e expressar sua decisão. O livro “Cidadão de papel” escrito por Gilberto Dimenstein traz uma série de temas e histórias que abordam assuntos que afetam os direitos dos jovens, encorajando os mesmos a se engajar na procura de soluções.

A mudança se observa em uma educação pautada em valores que visam formar cidadãos aptos ao exercício de sua soberania, conscientes dos seus direitos, deveres e dignidade, bem como a dos seus semelhantes. Dentre os valores democráticos essenciais que podem ser desenvolvidos cotidianamente em sala de aula independentemente da idade dos educandos, destacarei os seguintes: igualdade, tolerância, equidade, respeito aos direitos humanos, respeito aos direitos das minorias e acatamento da vontade da maioria legítima.

AÇÕES EDUCATIVAS VOLTADAS PARA A CIDADANIA

Partindo do pressuposto de que a educação para a democracia é uma construção cotidiana, portanto contínua, devemos encará-la como sendo um processo dinâmico que pode e deve ser frequentemente reinventado pelo professor diante das contingências às quais se depara. Destacarei a seguir algumas práticas pedagógicas para o ensino voltado para a democracia me baseando no conteúdo do curso à distância do programa Missão Pedagógica no Parlamento, módulo “Educar para a Democracia”, que traduz os pensamentos dos autores Kahne e Westheimer(2003), que afirmam que ela deve se estabelecer em conformidade com 3 elementos (3 C’s): compromissos, capacidades e conexões democráticas.

É primordial que o aluno se identifique com as ações propostas pelo professor para que se estabeleça o compromisso e engajamento em relação ao projeto. Desta forma, torna-se essencial que o professor aborde assuntos que fazem conexão com a realidade à qual os alunos pertençam.

O processo educativo visa o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e conhecimentos acerca de temas atrelados a democracia e a cidadania, para que se estabeleça a capacidade, elemento essencial neste processo de construção da identidade de um cidadão democrático. Para tanto, deve-se envolver os alunos em projetos reais, onde a execução possibilitará uma aprendizagem prática. A escolha do grêmio estudantil é, por excelência, o melhor exercício a ser praticado junto à comunidade escolar.

A compreensão do funcionamento do nosso sistema democrático é fundamental para desenvolver no aluno um sentimento de pertencimento junto ao mesmo. Para tanto, ele deverá ter conhecimento sobre como o poder é distribuído nas esferas executivas, legislativas e judiciárias, bem como suas atribuições, funcionamento e limitações desses poderes. O uso do jogo da política também é uma estratégia que tem surtido excelentes resultados no desenvolvimento dessas capacidades, pois ele traz uma série de simulações acerca das atividades exercidas pelos poderes executivo, legislativo e judiciário que exigem que os alunos elaborem propostas de intervenção para resolver os problemas.

Para que se estabeleçam as conexões democráticas, primordiais para o desenvolvimento da noção de cidadania democrática, os alunos devem perceber que suas ações não são individuais, elas são sociais. Devemos envolvê-los em ações que valorizem a interação entre os indivíduos da comunidade escolar, desenvolvendo a identidade e a empatia entre os envolvidos. Tenho observado que o aprendizado será significativo na medida em que está conectado com a realidade dos indivíduos que vivenciam e experimentam na prática o conteúdo ao qual ele visa desenvolver. Promovo essas conexões através debates que abordam problemas e demandas que afetam a escola, onde incentivo os alunos a pesquisarem e lerem sobre os temas que serão debatidos, formando suas opiniões para que se posicionem diante da demanda junto aos demais. Dentre os assuntos mais debatidos estão as causas e consequências: do bullying, do racismo, da discriminação, além da atuação e prioridades do grêmio estudantil, dentre outros. Através dessas práticas consigo valorizar as liberdades de pensamento e as pluralidades dos pontos de vista.

DEMOCRACIA E REGRAS ESCOLARES

As noções de democracia e cidadania podem ser desenvolvidas na escola através da compreensão do papel atribuído às regras que regem o ambiente escolar. Os alunos somente compreenderão a necessidade de seguir as regras quando entenderem que sua função é regular a convivência e as relações interpessoais ao passo que evitam ou resolvem conflitos de forma pacífica, priorizando o diálogo.

Em todo início do ano letivo todas as turmas elaboram o contrato coletivo que vai reger as relações de todos nós durante as aulas. As demandas são problematizadas e debatidas coletivamente e, após chegarmos em um consenso, as regras são redigidas e afixadas em um local visível. Evitamos estabelecer punições para não destacarmos comportamentos negativos, apesar de que eles adoram conjecturar penalidades, especialmente as que fazem conexão com os Princípios de Talião (“olho por olho, dente por dente”). Desta forma eles aprendem sobre o quanto a tarefa legislativa é importante e complexa.

O incentivo da participação dos alunos junto às assembleias escolares cria a oportunidade para que eles experimentem práticas democráticas, se posicionem criticamente para a resolução de conflitos e se desenvolvam como sujeitos autônomos. O conhecimento das regras que regem a escola contribui para a construção do senso crítico e moral de justiça, além de estabelecerem conexões entre os poderes legislativos e judiciários.

ESTRATÉGIAS DE APROXIMAÇÃO ENTRE REPRESENTANTES E REPRESENTADOS

A melhor forma de destacar a necessidade de participação cidadã é abordar o assunto em sala de aula apresentando as possibilidades de participação popular. O texto desenvolvido pelo programa Missão Pedagógica no Parlamento “O papel das leis para a convivência em sociedade” traz excelentes indicações de metodologias para atentarmos para a importância das leis para a preservação da ordem coletiva, além da compreensão do rito legislativo que deve ser observado pelos nossos representantes.

Pesquisamos proposições legislativas significativas para a comunidade que tramitam nos parlamentos, debatemos sobre elas e enviamos cartas que expressam a opinião do grupo, pedindo que o parlamento aprove ou rejeite a proposição com a devida fundamentação. Ao informá-los sobre a lei de acesso à informação, encorajo os alunos contatarem os parlamentares e cobrarem seus posicionamentos ideológicos acerca das proposições. Acredito que a melhor forma de compreensão da importância da representatividade política, garantida pelo regime democrático, é obtida através da aproximação entre cidadãos e representantes dos poderes executivo e judiciário, através dos canais de comunicação disponibilizados.

Tenho incentivado meus alunos a participar de concursos e projetos oferecidos pelas câmaras legislativas (Federais, Estaduais e Municipais), que fomentam o protagonismo dos alunos ao propor a elaboração de projetos de lei que visam solucionar as demandas mais prementes na nossa sociedade, como é o caso do Parlamento Jovem Paulista, promovido pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, do programa Jovem Senador, promovido pelo Senado Federal e do Câmara Mirim, promovido pela Câmara dos Deputados Federais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas sessões anteriores discorri sobre a importância de desenvolver uma educação pautada na democracia com vista no amadurecimento democrático, o qual nosso país tanto carece. Acredito que a educação para a democracia tem a função de aproximar a sociedade e a política, através do desenvolvimento de valores democráticos, empoderando os jovens cidadãos na busca da equidade.

Nós professores do Brasil, independente da realidade social e econômica da comunidade à qual estamos inseridos, temos o poder e a obrigação de contribuir para a edificação de uma pátria mais democrática, justa e que vise a diminuição de todas as formas de desigualdades que tanto afetam os cidadãos brasileiros. Em tempos onde a apatia e a alienação política caminham de mãos dadas e são elementos essenciais para a manutenção do status quo das elites que se mantém no poder há séculos perpetuando o abismo social que acomete a maior parte da população, o professor é agraciado com o privilégio de ter em suas mãos o poder de transformar essa triste realidade à qual parecemos estar fadados.

Devemos encarar a tarefa de disseminar conhecimentos e práticas potencializadoras de mudanças como uma missão capaz de reverter tais desigualdades arraigadas na nossa sociedade. Acredito que a tão sonhada revolução que visa a busca da diminuição das desigualdades sociais, está nas nossas mãos e o único caminho que eu acredito é o trilhado através da educação voltada para a democracia. Devemos nos apoiar e perseguir neste ideal, independente da valorização profissional, da falta de incentivos e da escassez de recursos. Espero ter contribuído com este artigo que relata algumas práticas e experiências que demonstram que é possível acreditar na transformação da realidade de uma comunidade engajando jovens que valorizarão a democracia e farão valer seus direitos enquanto cidadãos. Sempre haverá resistência de algumas partes e dificuldades em obter os recursos necessários, mas as mudanças acontecerão, mesmo que tímidas e os resultados, mesmo que pequenos, são extremamente recompensadores.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. O que é política? Fragmentos das obras póstumas compilados por Ursula Ludz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

KAHNE, Joseph e WESTHEIMER, Joel. Teaching Democracy: What Schools Need to Do. Traduzido por Renata Bressanelli Silva. Phi Delta Kappan, v.85, n.1, p. 34-66, set 2003.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

SOTO, Alessandra. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 2, Número Especial Educação e Democracia, outubro, 2018, ISSN 2526-1126. Disponível em: . Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).

Créditos da Imagem: XXXXXXXXXXXX

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