WhatsApp Image 2024 06 07 At 11.49.36 1f95bae2

Olhares sobre a infância a partir de uma linguagem poética: a fotografia

1710006280675

Márcia Maria Amâncio Cabral

Graduada em Psicologia pelas Faculdades Integradas Newton Paiva (1996). Tenho especialização em Educação Infantil e Inclusão; em Gestão; em Neurociências; em Artes; em Educação Musical; e em Psicopedagogia. Visitação in loco, formação e imersão no cotidiano de escolas em Reggio Emilia, na Itália; formadora de professoras/es em redes públicas e privadas de BH e municípios de MG; professora bolsista (2013/2016) na pesquisa Participação e Aprendizagem de crianças da Educação Infantil em processos educativos escolares (FaE/UFMG). Cursei fotografia com especial interesse no olhar sobre a infância. Professora para a Educação Infantil da RME de Belo Horizonte (MG) desde o ano de 2004, cargo no qual desenvolvi a função de coordenadora pedagógica (2005-2017) e de vice-diretora (2018-2021) na EMEI Silva Lobo. Em 2022, retornei ao cargo de professora para a Educação Infantil na mesma instituição, onde me mantenho até a presente data, em 2024.

Orcid: 0000-0003-3220-7199

E-mail: cabralmarcia@ymail.com

E então,[1] bastou um clique do meu pai para o encantamento acontecer por aquela antiga câmera fotográfica. Desde a primeira vez que a tive em minhas mãos, meus olhos brilharam por aquela máquina que eternizava pelo que meu olhar era sensibilizado naquele momento. E de lá para cá não parei mais com essa busca de captar momentos da vida, cotidianos, coisas, pessoas, lugares por onde meus caminhos foram se traçando e, principalmente, de fazer registros com os olhares sobre a infância, dentro de um contexto de trabalho ao qual eu ia me inserindo.

A ideia de memorizar com a luz me fascinava, escrevendo com a mesma as mais diversas narrativas individuais ou coletivas que pudessem ser revisitadas em qualquer tempo. E apesar do acesso desde menina a um instrumento fotográfico em casa, a ausência de registros se deu no cotidiano da minha infância, podendo dizer que os mesmos se resumiram a um álbum aos 6 anos, uma fotografia específica de um ano de idade para um cartãozinho da época, daqueles que eram dados de lembrança para os familiares mais próximos e se me recordo, dentre as poucas fotos memorizadas, duas fotos que ocorreram na fazenda do meu avô, uma em cima do carro de boi, acompanhada de meu pai e outra abraçada com meu avô, que sempre depois do almoço, descansava suas pernas nos balaústres da varanda de sua fazenda. Sei que este fato me fez sensibilizar e atentar no decorrer da minha vida para a realização de registros não só do cotidiano, mas de diversos contextos vividos, entre eles, as fases das minhas filhas, desde seus nascimentos.

E assim, a fotografia foi se tornando algo muito significativo para mim, desde o clique do meu pai, passando pelas memórias de infância, depois com os registros das filhas até chegar na minha busca pessoal, na qual além de professora, me tornei também fotógrafa. E por uma educação das sensibilidades, mergulhei nos conhecimentos sobre a potência desta linguagem em documentações e nas muitas vivências culturais a Museus, parques e eventos de exposições fotográficas a fim de ampliar o meu repertório visual e artístico.

No campo profissional da educação, tive como inspirações a pedagogia italiana[2] e as reflexões e estudos desenvolvidos pela professora Gilvana Menslin Oliveira Maia,[3] as quais me incentivam a capturar a poética da vida das crianças nas minhas fotos, compreendendo assim, como nossa prática de documentação na escola poderia ser mais potencializada com a linguagem fotográfica, deixando de ser um recurso tecnológico com finalidades rasas de apenas exibir fotos sem um contexto intencional naquilo que realmente interessa-nos, o processo de aprender das nossas crianças, pois ainda se sabe, que “essa abordagem realizada de forma sistemática e intencional ainda é pouco praticada no cotidiano escolar. Por muitas vezes, os professores e educadores realizam a observação espontaneísta que vagueia de uma criança a outra sem foco, sem clareza do que observar e do que fazer com o que se observou, deixando assim” de produzir traços/documentos capazes de testemunhar e de tornar visíveis as modalidades de aprendizagem individual e de grupo” (Rinaldi, 2014, p. 85).

Daí meu interesse de escrever este artigo com o objetivo de ressaltar a importância da fotografia na comunicação da prática pedagógica com as crianças na Educação Infantil, legitimando e visibilizando as produções das crianças a partir de imagens pensadas com intencionalidade por meio de fotografias que contam histórias e registram memórias. A intenção é provocar e sensibilizar professoras/es da Educação Infantil a pensarem na contribuição da documentação pedagógica com fotografias capturadas por olhares encantados, que nos convidam a ir do ordinário ao extraordinário na hora do clique. Assim, focar, enquadrar, compor, captar, revelar e expressar, compõe as tantas ações que envolvem um ato de fotografar. É nesse sentido que:

A máquina fotográfica oferece uma nova competência e habilidade profissional aos educadores. É uma forma de testemunhar e de contar acontecimentos extraordinários – a outros colegas e às famílias – que a memória poderia apagar. A documentação fotográfica torna públicos os processos observados e registrados, por isso possibilita o confronto e o intercâmbio (Hoyuelos apud Ostetto, 2006, p. 199).

E como diz um ditado popular: Uma imagem pode valer mais que mil palavras! Torna-se necessário, portanto, caminharmos para a educação desse olhar, num exercício de observação para que se possa ter um panorama mais abrangente, saber-se mais sobre as crianças, suas atitudes, curiosidades e interações dentro dos seus processos de aprendizagem. Trata-se de uma compreensão dos sentidos do olhar, no qual buscamos uma observação capaz de sair do senso comum, de um “olhar viseira da infância” para um olhar capaz de transver o mundo dela, o que não se chega através de observações tendenciosas e superficiais.

Olhar, portanto, a partir de uma linguagem fotográfica, trata-se de uma ação que busca captar a essência e ao encontrar, pode transportar por anos e gerações muitas histórias para contar. Como uma manifestação sensível e poética, ela nos convida à interação com o outro, provocando a troca de olhares, interpretações, gerando narrativas e mensagens diante de uma imagem que tem a sua linguagem diretamente relacionada a um contexto vivido, uma memória de um tempo, conforme demonstrado a seguir.

Imagem 1: “Olha, professora, esse besouro tomou um banho de arco-íris!”

Fonte: Arquivo da autora, 2022.

Pensando nisso, em olhares sobre a infância que captassem imagens fotográficas que revelassem o cotidiano de vida das crianças, especialmente o brincar, mergulhei na ideia de um projeto autoral que documentasse não só corporalmente, mas culturalmente o brincar das crianças no contexto onde viviam. No caso dessa experiência, foi registrado na comunidade do Morro das Pedras, local o qual eu já conhecia visualmente falando, por trabalhar numa instituição de Educação Infantil inserida neste território.

E assim se fez o projeto, diante da minha formação em Educação Infantil, Psicologia, Artes e Fotografia e do meu contexto profissional, me senti alimentada pela ideia de subir o Morro e percorrer seus becos, a fim de sentir com todos os meus sentidos, os cheiros, os sons, as cores, as texturas e, com certeza, as crianças daquele lugar. Para fluir esse projeto e nutrir toda minha sede, veio então, a fotografia em sua linguagem poética como algo visceral em mim, me fazendo entender que uma boa imagem é inspirada, quando liberta de convenções, como a liberdade de uma criança em suas primeiras descobertas no mundo.   

Imagem 2: “Profa., vem pra brincadeira de quem pula mais alto!”

Fonte: Arquivo da autora, 2016.

Então, lá fui eu, retratando “O brincar das crianças no Morro das Pedras”, como mostra a imagem 2, na qual ao subir e descer as ladeiras, ao entrar e sair dos seus becos e ruelas, tal experiência me possibilitou perceber, com quê, de quê e onde brincavam as crianças do Morro. Desta maneira, pensando na realidade deste lugar e numa garantia dos direitos das crianças, sendo um deles o direito de brincar, como um direito universal das mesmas, o objetivo desta experiência através da poética de fotografar, foi captar deste lugar o brincar das crianças na comunidade onde moram, considerando a rotina de tempos e espaços vivenciados.

Portanto, ao pensar na composição de imagens daquele contexto esteticamente tão desfavorecido, foi a princípio, um dos meus maiores desafios. Mas, aos poucos, sob o meu olhar fotográfico e sensível para a infância, descobri que a beleza pode ser vista em todas as coisas, pois ver e compor são o que se separa a simples imagem de uma boa fotografia. Captar da Comunidade do Morro das Pedras o retrato da sua gente pequena brincando, revelou o quanto as crianças mostram, que independente das nossas diferenças, da nossa rica diversidade, brincar não tem hora, nem lugar; é só começar, pois onde tem brincadeira tem criança e onde tem criança tem alegria no ar.

Esse projeto, portanto, foi um divisor de águas para mim, repercutindo em vários aspectos pelas experiências que eu vivenciava e ainda vivencio na minha vida, incluindo ser professora de crianças pequenas, onde a partir desta linguagem me levei a um exercício do olhar na forma como fazia meus registros e planejamento das documentações de todo processo pedagógico.

Imagem 3: “Profa., se o goleiro não pegar, a gente grita gol!”

Fonte: Arquivo da autora, 2016.

Ao escolher registrar, documentar, memorizar e eternizar através da linguagem fotográfica, uma chave virou em mim, na busca de um olhar que “botava reparo” naquilo que era mais potente, de observações e escutas sensíveis da criança em suas maneiras de aprender com o mundo que a cerca, bem expressado na imagem 3.

Como forma de registro e documentação, fui percebendo como são muitas as possibilidades desta experiência dentro de uma escola. Ao inserirmos essa cultura fotográfica num contexto escolar, podemos observar os modos de ser, ver, fazer e pensar esta linguagem de forma subjetiva e poética de como cada adulto ou criança, percebe, registra e narra uma imagem.

Imagem 4: “Profa., agora estou parecendo você!”

Fonte: Arquivo da autora, 2022.

A interpretação das narrativas, o decifrar das mensagens contidas numa imagem vai depender intrinsecamente das escolhas e perspectivas de quem vê, ou seja, do espectador, levando em conta, seus valores, suas raízes, as músicas que ouve, os livros que lê, os lugares que vai conhecendo, a cultura do mundo que vai agregando em si.

A experiência da fotografia na escola traz além da riqueza dessa vivência para adultos e crianças, o aprendizado da construção de conhecimentos baseados na linguagem digital, entre eles, o contato e a exploração da câmera fotográfica ou câmera do celular, as descobertas sobre os seus diversos recursos, o exercício do olhar, a capacidade imaginativa, a criatividade e o desenvolvimento da sensibilidade na busca de uma poética para vida, dentro e fora da escola, como nos revela a imagem anterior (Imagem 4).

A oportunidade do ato de criar é vital para qualquer sujeito e uma câmera fotográfica ou de celular nas mãos de uma professora passa a ser uma forma sensível de alimentar o seu olhar, desenvolver sua maneira de observar, registrar, ver além, num estímulo ao seu lado pesquisadora. E assim, “uma boa fotografia, que efetivamente informe sobre a experiência pedagógica realizada é aquela que busca registrar a criança em ação. Ser capaz de realizar boas fotografias é uma habilidade que se desenvolve e portanto, necessita de muitos exercícios.” (Belo Horizonte, 2016, p. 40).

Imagem 5: “Profa., encontrei um coração de pedra. Mas, o meu não é de pedra não!”

Fonte: Arquivo da autora, 2023.

Quanto às crianças, elas revelam cotidianamente a maneira como compreendem o mundo, como o apreende através dos seus cinco sentidos baseados na sua vivência, na sua experiência, dentro daquilo que vem sendo mais significativo na vida delas, como podemos perceber na imagem 5. Captar fotograficamente ou permitir a criança ver a partir do ângulo de sua câmera, é dar valor à sua escuta, ao seu jeito de fazer, de construir, de deixar suas marcas, o que faz toda diferença na forma de documentar pedagogicamente o processo de desenvolvimento e aprendizagem da mesma. É bem como nos afirma Rubem Alves (1994, p. 67), pois “para isso existem as escolas, não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas.”. Desse modo, devemos nos atentar pela escuta das mesmas, não só com os ouvidos no sentido físico, mas também como numa metáfora de escuta para a vida.

Imagem 6: “Profa., fizemos barquinhos da natureza! Olha a gente dentro deles!”

Fonte: Arquivo da autora, 2022.

O processo de aprendizagem precisa ser um processo criativo, entendendo a criatividade como uma qualidade do pensamento, uma aptidão para construir novas conexões entre as imagens, palavras e objetos de forma inovadora diante dos mais diversos contextos, como demonstra a imagem 6.

Documentar, portanto, por meio da linguagem fotográfica, não se trata de uma série de belas fotografias das poses das crianças penduradas nas paredes, como um resultado do aprender ou um produto final, mas sim, de um processo de documentação com mais sentido, que dê visibilidade à natureza dos processos e estratégias de uma aprendizagem mais criativa, onde as crianças agregam na construção de seus conhecimentos. Ao documentar de forma intencional e temporal possibilita o compartilhamento de saberes adquiridos pelas crianças através de suas trilhas, possibilitando a leitura, a interpretação, a reflexão e avaliação de todo processo pedagógico.

Imagem 7: “Profa., pisar no barro é bom, mas tem que tomar cuidado, se não a gente escorrega!”

Fonte: Arquivo da autora, 2022.

As crianças precisam ser provocadas a investigar o mundo nas suas múltiplas linguagens, do jeito delas, contando aí, com a linguagem digital, onde fazendo juntos, crianças e professores(as) possam construir memórias com seus valores e suas mensagens, como as deixadas na imagem 7. Desse modo, a trajetória de uma pesquisa só faz sentido por meio de um aprendizado significativo que pode contar com recursos para valorizar as imagens, que por sua vez serão revisitadas, avaliadas e, se necessário, serem resignificadas ao longo da realidade histórica dos autores envolvidos. 

Produzir uma documentação significa tecer narrativas, documentando a história de uma criança, seu grupo ou do projeto da turma, considerando de onde partiram, seus desafios, seus caminhos trilhados, enfim, suas conquistas realizadas, desconsiderando a ideia de juntar atividades com um conjunto de imagens aleatórias captadas pelos adultos, como um instrumento de registro. Fotografar é falar de um tempo, um espaço, um lugar, da experiência de um sujeito ou destaque de um objeto, onde dentro de uma instituição escolar, pode ser potencializado na prática pedagógica, fazendo refletir sobre os contextos investigativos, os desejos e interesses que atravessam as crianças e professoras no cotidiano.

Quando os professores refletem e se confrontam sobre as escolhas e as ações que cumprem, a consciência das suas propostas com as crianças aumentam de maneira significativa. Tornam-se mais capazes de escutar as crianças, de estar em sintonia com as suas estratégias de aprendizagem e mais disponíveis para introduzir mudanças nas práticas (Rubizzi, 2014. p. 96).

Convidemos as crianças a fim de despertar muitas curiosidades e interesses, provocando nelas o encantamento de escrever com a luz, alinhando cabeça, olho e coração, numa inspiração no pai da fotografia moderna, Henri Cartier-Bresson (2015). Portanto, um clique tem muito mais que um som; ele pede sujeitos envolvidos, crianças ou adultos com suas cabeças recheadas de ideias, com seus olhares sensíveis e corações pulsantes.

Pesquisar com as crianças é convidá-las a nutrir dia a dia o seu aprender, ampliando assim, o seu repertório ao estar diante de uma câmera, entendendo esse momento como potente e cheio de intencionalidade, reverberando possibilidades que podem ser traçadas, da história da evolução das câmeras fotográficas ao captar da riqueza de uma imagem, num clique a partir de várias técnicas e recursos.

Durante o trabalho de investigação da criança, a professora deve seguir registrando os percursos delas nas suas fases construtivas, numa compreensão do fluir do projeto através de uma linguagem poética com destaque nos aspectos expressivos e estéticos ao documentar, o que difere de documentar uma sequência de fases do processo, tornando o registro desinteressante, como apenas uma linha evolutiva do projeto. Enfim, o ato de fotografar implica em realizar “escolhas e recortes, dando relevância ao ponto de vista de quem fotografa, onde a imagem nesse sentido, deixa de ser somente ilustração de descrições, mas possibilidade de construção a partir de outra forma de escritura” (Tittoni, 2009, p. 69).

Diante disso, não se trata de sair fotografando sem contexto, critérios ou sem intencionalidade, fazendo mais de mil fotos e não ser capaz de uma organização no momento de registrar, nem mesmo de realizar uma seleção de fotografias, sem pensar na qualidade, na nitidez, no foco, no enquadramento, num bom ângulo e composição das imagens. De fato, isso ocorre muitas vezes devido à nossa falta de pesquisa e planejamento, deixando assim de compor uma significativa e processual documentação de aprendizagens.

Imagem 8: “Profa., tem estrelas no céu, mas olha nossas estrelas no chão!”

Fonte: Arquivo da autora, 2022.

Trata-se de captar imagens do cotidiano ou a partir de um projeto, que venham dar visibilidade às narrativas cheias de sentido e significado, que realmente revelem a beleza dos processos das crianças, com suas ideias e curiosidades, com destaque à riqueza dos seus desenvolvimentos a partir das suas interações e brincadeiras.

Mas afinal, do clique à documentação, para quem fotografamos e documentamos?

Fotografamos para nós mesmos, crianças e adultos no cotidiano das escolas, para apreciarmos e darmos significados às nossas ações nos diversos contextos aos quais estamos imersos, para valorizarmos nossas imagens de aprendizes refletidas nos telões e documentações da escola, sejam nas paredes, como a 2ª. pele da escola, nos cadernos de registros, PowerPoint e outros, numa revelação das nossas narrativas diante da construção dos diversos conhecimentos e saberes.

Registramos para as famílias, para nossa comunidade e para quem chega em nossa escola para conhecê-la, dando visibilidade às mesmas das nossas documentações pedagógicas, num compartilhamento que destaca as fotografias como uma linguagem que escuta uma infância que é acolhida e observada em nossos contextos escolares e que por sua vez vem compor mais um instrumento rico, nutrido de narrativas das crianças e suas professoras, possibilitando às famílias que sempre apreciam muito as imagens, o retrato do caminhar evolutivo de suas crianças durante o processo de desenvolvimento das mesmas.

Quando consideramos que um processo de aprendizagem traz visibilidade, com certeza, podemos constar de uma documentação agregada de fotografias, a qual sua apresentação por imagens dão significado às vozes, opiniões e percepções das crianças. Diante dessa visibilidade, é perceptível o envolvimento entre família e escola como resultado de um trabalho com a abordagem da documentação, que quando compartilhada gera informações, mais confiança e respeito ao processo de desenvolvimento de seus filhos. Portanto, quanto mais as famílias tiverem informações e visibilidade de todo o processo, mais interação e diálogo elas desenvolverão, tornando-os mais ativos e revelando suas ideias, pensamentos e sentimentos.

Então, são as trocas, os diálogos, as bases que ampliam as percepções sobre as escolhas mais interessantes para somar com as aprendizagens das crianças. E quanto mais reconhecidas as competências e crenças das mesmas, em particular quanto às novas tecnologias, incluindo a fotografia, mais eficiente e criativa se tornam suas aprendizagens. Precisamos ser professoras que fazem a diferença. Nossas propostas ensinam a pensar? A formação estética adentra nosso ser professor, desde nosso nascimento, e ela vem da escuta dos sons, das visões que temos, das luzes, das cores, dos espaços, ela fala da vida e ao interagirmos com as crianças fazemos uso da nossa experiência estética, evocando o que vivemos.

Portanto, é grande a nossa responsabilidade como professores ao apresentar o mundo às crianças, onde esta interação precisa fluir, aprendendo com o que as crianças dizem, sentem e percebem. Muitas são as inquietações de um professor, mas é por meio da sua sede e pesquisa que ele vai se constituindo e construindo uma aprendizagem mais criativa a partir de uma reflexão compartilhada. De acordo com Vecchi (2017):

O ambiente digital, entendido como a relação sinérgica entre muitos instrumentos, como o computador, o scanner, a câmera fotográfica, o gravador, o projetor de vídeo, entre outros, entrou nas nossas instituições escolares cada vez mais como ambiente cotidiano de trabalho. No seu uso, houve bons avanços em nível teórico e, também, interessantes e inovadoras aplicações experimentais com as crianças. (p. 277).

Assim, em busca de nos conectar com o mundo à nossa volta, precisamos nos aventurar e nos abrir para as experiências que aparecem pelo caminho. E que tal através da linguagem poética da fotografia? Fica aqui o meu convite, expressado através da poesia que traz a imagem 9, pois é nossa responsabilidade encantar as crianças para que trilhem suas descobertas, pois quando a encantamos, as chamamos para a vida e, assim, faremos a diferença na vida delas.

Imagem 9: “Profa., achei um ninho! Que vontade de deitar aqui e esperar o passarinho!”

Fonte: Arquivo da autora, ano 2023.

Considerações finais

Considerando o trabalho com a fotografia, podemos concluir o quanto a fotografia ainda precisa ser potencializada na comunicação da prática pedagógica, mas também o quanto nos auxilia no desenvolvimento de um olhar mais aguçado em relação às crianças, ampliando nosso jeito de ver o mundo e o que interessa a elas, como nos retrata a imagem a seguir.

Imagem 10: “Profa., tem uma joaninha pertinho da sua mão. Ajuda ela a chegar na flor!”

Fonte: Arquivo da autora, 2023.

São processos fundamentais no ato de fotografar, a escuta e o olhar no processo de documentar a comunicação através de imagens, que muitas vezes no momento do clique não tínhamos consciência do tanto que ela podia ser potente. Assim, o exercício do olhar na educação precisa ser encantado, apurado, aprendido, onde quanto mais observarmos com maravilhamento, mais nos será revelado.

Então, como levar a poética por meio da máquina, da câmera, da tecnologia? Compreendendo que uma documentação pedagógica precisa ser contextualizada. Não podemos considerar o recurso da fotografia como um enfeite na instituição, para ser meramente visualizado como um produto final ou como cumprimento de tarefas de uma instituição, mas como um convite à materialização do olhar, trazendo luz às experiências de aprendizagem das crianças, eternizando assim, os processos das mesmas.

Portanto, “observação, documentação e interpretação são entrelaçados naquilo que eu definiria como um movimento espiral em que nenhuma dessas ações pode ser separadas das outras. É impossível, de fato, documentar sem observação e interpretação. Por meio da documentação, o pensamento ou a interpretação do documentador torna-se tangível e passível de interpretação. As notas, as gravações, os slides e as fotografias representam os fragmentos de uma memória. Cada fragmento é imbuído com a subjetividade do documentador, mas também fica sujeito à interpretação dos outros, como parte de um processo coletivo de construção do conhecimento” (Rinaldi, 2016, p. 239).

Enfim, enquanto professores, fazemos memória! Ao captarmos cenas num tempo e espaço que não cabe fotografar aleatoriamente, sem observar com sentido e sensibilidade, nossas fotos não se limitarão aos nossos olhos, mas afetarão pela subjetividade quem tiver contato com elas, que por sua vez, possibilitará diferentes leituras, permitindo a quem aprecia, a construção de outras histórias.

Assim, é preciso ir além, transvendo o mundo, de forma a acompanhar os processos das crianças e professores, aprofundando não só nas possibilidades técnicas ao contar com a potência da fotografia, mas com um maravilhoso exercício do olhar, onde cada clique pode ser uma oportunidade de capturar de maneira única, um momento simples do cotidiano e transformá-lo numa expressão poética da vida de nossas crianças. E assim, como nos diz, Carla Rinaldi, “a documentação é esse processo: dialético, baseado em laços afetivos, e também poético; não apenas acompanha o processo de construção do conhecimento, como, em certo sentido, o fecunda” (2012, p. 134). E, por isso, eu fico com a pureza das respostas das crianças, tal como a imagem revelada abaixo, onde a cada dia elas nos mostram a que vieram a esse mundo. E então, seguimos juntos, pois sinto que temos muito a aprender.

Imagem 12: “Profa., pra você! Sei que você gosta de flor!”

Fonte: Arquivo da autora, 2023

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. A Alegria de ensinar. São Paulo: Ars Poética, 1994. 103 p.

CABRAL, Márcia Maria Amâncio. “Inspirações, à que nos destinam? Um mergulho e a vivência do ordinário ao extraordinário no cotidiano das escolas em Reggio Emília – Itália. In: LOMBA, Maria Lúcia de Resende (Org.). Relatos e vivências de profissionais na Educação Infantil: reflexões sobre a docência. Curitiba: Appris, 2021. p. 161-170.

BELO HORIZONTE. Avaliação na Educação Infantil. Ana Cláudia Figueiredo Brasil Silva Melo (Org). Belo Horizonte: SMED. 2016. 108 p. (Desafios da Prática 1).

CARTIER-BRESSON, Henri. Ver é um todo: entrevistas e conversas 1951-1998. São Paulo: Editora Gustavo Gili, 2015. 124 p.

OSTETTO, Luciana Esmeraldo (Org.). Registros na Educação Infantil: pesquisa e prática pedagógica. Campinas: Papirus, 2017.

RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender. Tradução:  Vania Cury. São Paulo: Paz e Terra, 2012. 397 p.

RINALDI, Carla. Documentação e avaliação: qual a relação? In: Tornando vísivel a aprendizagem: crianças que aprendem individualmente e em grupo. Project Zero. Reggio Children. São Paulo: Phorte, 2014.

RINALDI, Carla. A pedagogia da escuta: a perspectiva da escuta em Reggio Emilia. (Orgs) EDWARDS, Caroly; GANDINI, Lella; FORMAN, George. In: As cem linguagens da criança: a experiência de Reggio Emilia em transformação. Volume 2. Tradução de Marcelo de Abreu Almeida. Porto Alegre: Editora Penso, 2016.  V. 2. 399 p.

RUBIZZI, Laura. Documentar o documentador. In: Tornando visível a aprendizagem: crianças que aprendem individualmente e em grupo. Project Zero. Reggio Children. Tradução: Thaís Helena Bonini. São Paulo: Phorte, 2014. P. 96 -117.

TITTONI, Jaqueline. Psicologia e fotografia: experiências em intervenções fotográficas. Porto Alegre: Dom Quixote Editora, 2009.

VECCHI, Vea. Arte e criatividade em Reggio Emilia. Coleção Reggio Emilia. São Paulo: Phorte Editora, 2017.

[1] Como integrante do Grupo de Estudos e Escrita de Profissionais e Pesquisadores da Educação Básica – GEEPPEB, este artigo tem o seu início em julho de 2023. Foi por meio de ricas leituras e trocas que o desenrolar dessa escrita se deu com a intenção de dialogar com outros profissionais da área que se dedicam a uma educação com práticas inovadoras e criativas. Fazer parte deste movimento de escrita, coordenado pela Profa. Maria Lúcia de Resende Lomba, reverberou em mim o quão desafiador é me tornar uma professora pesquisadora, somado à beleza de me tornar também uma escritora.

[2] Sobre estas vivências escrevo no capítulo 12 “Inspirações, à que nos destinam? Um mergulho e a vivência do ordinário ao extraordinário no cotidiano das escolas em Reggio Emília – Itália” (Cabral, 2023), publicado no volume 2 do livro Relatos e vivências de profissionais na Educação Infantil: reflexões sobre a docência (Lomba, 2023).

[3] Gil Menslin é Professora na Educação Infantil da Rede Municipal de São Francisco do Sul – SC, Mestre em Educação e pesquisadora da infância. Pelo https://www.instagram.com/gilmenslin/ Instagram e também em seu canal no Youtube https://www.youtube.com/@GilMenslin/streams administra cursos e lives sobre A potência da fotografia na Educação Infantil, curso do qual já participei.

CABRAL, Márcia Maria Amâncio. Olhares sobre a infância a partir de uma linguagem poética: a fotografia. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 7, Número 29, junho, 2024, ISSN 2526-1126. Disponível em: (link). Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).

Imagem de destaque: Márcia Maria Amâncio Cabral

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *