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A influência da violência escolar sobre os estilos de aprendizagem de adolescentes

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Eliana Curvelo

Atualmente sou Assessora Pedagógica do Curso de Graduação de Medicina Veterinária na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – FMVZ – UNESP. Sou Professora Mestre e Doutora em Educação Escolar, tendo atuado como assessora pedagógica em outros cursos de graduação, professora substituta em História da Educação – FCLAr – UNESP e professora substituta no Curso de Artes Visuais do IFPR – Palmas. Também sou professora de Arte e História da Arte. Formada em Artes Cênicas e Pedagogia com especialização na área de Metodologia de Ensino.

Contato: curvelo.eliana@gmail.com

Introdução

É notório que a escola pública e os seus partícipes estão fragilizados pelas suas condições socioeconômicas, culturais e políticas em nosso país.  O ensino e a aprendizagem que se realizam no ambiente escolar têm sido vilipendiados por críticas de diversos setores. Essas opiniões, por vezes, sem conhecimento das circunstâncias e contextos históricos sugerem propostas pedagógicas desconexas das realidades vivenciadas, principalmente, pelos estudantes de escolas públicas.

A pré-adolescência, a adolescência e a juventude são fases do desenvolvimento do ser humano marcadas por mudanças biológicas e psicológicas que, dependendo dos contextos sociais e culturais, podem resultar em comportamentos não compreendidos pelos adultos.

Esses são comportamentos repletos de rebeldias, conflitos e tensões que fazem parte da construção de sua identidade, fase de suma importância antes de se tornar adulto, pois

A busca de identidade própria e de autonomia por parte dos adolescentes é uma das principais tarefas que marcam essa fase do desenvolvimento humano. Neste processo, a adolescência se transforma num período de oportunidades e também de riscos, pois envolve tomadas de decisão sobre escolhas profissionais, compromissos com metas, valores e relacionamentos. (NIQUICE, 2014, p.42).

A escola é, ainda, o meio no qual o estudante tem oportunidades para melhorar sua vida social, cultural e econômica; crianças e jovens frequentam a escola como uma preparação para a vida adulta e para o mundo do trabalho. Entretanto, em suas vivências, os estudantes percebem o distanciamento entre o que lhe é ensinado e o que lhe é exigido em seu esteio social e cultural.

Além disso, em muitas escolas, sobretudo os partícipes convivem diuturnamente com violências dentro e fora do ambiente escolar. Acreditamos que essas situações influenciam as aprendizagens e alguns indivíduos demonstram comportamentos de incivilidades, de transgressão e de violência no ambiente educacional.

Isso desencadeia o fracasso escolar em muitos estudantes que não compreendem o sentido da escola em sua vida e, portanto, o significado do que se aprende na escola, criando um ciclo no qual concordamos com os estudos de Charlot:

Há aqueles que estudam não para aprender, mas para passar para a série seguinte, em seguida, novamente para a série seguinte; para ter um diploma, um bom emprego, uma vida normal ou mesmo um belo caminho. Estudar para passar, e não para aprender, é o processo dominante na maioria dos alunos no meio popular, mas não de todos. Há aqueles que não entendem por que estão na escola, alunos que, de fato, nunca entraram na escola; estão matriculados, presentes fisicamente, mas jamais entraram nas lógicas específicas da escola. (CHARLOT, 2005, p.51).

A partir dessa acepção, consideramos ser importante refletir sobre as violências que ocorrem nos ambientes escolares e os contextos socioculturais que se apresentam repletos de adversidades. Ademais, o cenário educacional em nosso país, de forma geral, tenta se equilibrar entre a resiliência e a resistência,  fragilizadas por políticas públicas que desconhecem os cotidianos escolares.

Nesse sentido, as políticas públicas brasileiras emitidas até o presente momento estão, ainda, distantes das realidades brasileiras das escolas públicas. O processo que vinha sendo instituído se notabilizou por garantir escola para todos. Entretanto, os rankings de desempenho educacional em relação a outros países é baixo e demonstram que, ao final do Ensino Médio, na categoria ler ou escrever um texto simples, ainda são insuficientes (OCDE, 2019a).

Este estudo busca, dessa forma, refletir e rever as percepções que temos, professores, acerca das formas como os alunos da Educação Básica têm aprendido e, que nesta prefiguração de transformações, possamos compreender o que se vive e buscar alternativas para “sucessos escolares” (CHARLOT, 2005, p. 52)

A escola e seus partícipes

A escola é o lugar onde pessoas se encontram, profissionais da educação e estudantes, cujos objetivos deveriam confluir para uma educação significativa, por meio do ensino e da aprendizagem. Entretanto, a partir de Charlot (2005), o espaço escolar não é o local onde os alunos aprendem a refletir; segundo esse autor, em sua pesquisa, os estudantes de forma geral dizem que “o trabalho do aluno é vir à escola e escutar o professor” (CHARLOT, 2005, p.52).

Segundo esse autor, vão se enraizando práticas nas quais os alunos devem escutar, obedecer e cumprir; mas, ao mesmo tempo, há aqueles estudantes que percebem e compreendem que podem superar esses condicionantes, buscando sucesso escolar. Concordamos com o referido autor ao afirmar que “a posição social produz seus efeitos pelo desejo, pela atividade, pela história do sujeito; ela não determina direta e automaticamente o sucesso ou fracasso escolar” (CHARLOT, 2005, p. 53).

Diante dessa percepção, buscamos nos aproximar e observar que, por vezes, o estudante não consegue seu sucesso escolar. Para realizar este estudo, optamos por uma escola pública, do interior do Estado de São Paulo, municipal, que se justifica, principalmente, pelo número elevado de estudantes. A escola de Educação Fundamental II possui 4 gestores (diretor, vice-diretor e 2 coordenadores); corpo docente de 53 professores e 23 técnicos administrativos para atender um contingente de, aproximadamente, 1200 alunos, tendo um limite físico para 950 alunos. O bairro, como outros, tem vulnerabilidades sociais que desencadeiam violências na comunidade, entre esses,  o tráfico de drogas, que por vezes alicia jovens e crianças.

Apesar do trabalho de gestão democrática da direção e coordenação da escola, percebe-se que os esforços para a escolarização dos estudantes têm se mostrado frágeis,  demonstrando que a escola vem diminuindo o seu papel como transmissor de valores sociais e culturais. Os professores que trabalham na escola, pelas regras de atribuição de aulas, não mantêm vínculos. Esse é um fator pelo qual o trabalho educativo se torna, muitas vezes,  impessoal e, portanto, distante de uma pró-atividade para mobilizar-se ou engajar-se na proposta pedagógica da escola. Além do mais, esses professores atuam em salas de aula com estudantes de diferentes níveis de aprendizagem, dificultando o envolvimento e a aprendizagem nas diversas disciplinas do currículo básico.

Entre os estudantes, os comportamentos variam muito, as salas de aula são bem mescladas, algumas com números elevado de estudantes, outras com menores quantidades, mas em ambas as situações, independentemente do número de alunos, há turmas que respondem bem e outras com dificuldades, apresentando fragmentações do processo de ensino e da aprendizagem.

Temos, dessa forma, estudantes numa mesma sala com tempos e diferentes momentos de aprendizagem; entre esses, uma porcentagem significativa que varia em níveis de alfabetismo e analfabetismo (RIBEIRO, 2009). Há, ainda, alunos que voltam às aulas, depois do processo de busca ativa escolar, no qual o abandono oriundo de inúmeros fatores, influencia o acompanhamento dos conteúdos que são ensinados, apresentando dificuldades na aprendizagem. Ademais,  atualmente, respeitando e reconhecendo a inclusão da pessoa com deficiência como uma política de desenvolvimento para uma educação cidadã (PAULON, 2005), há estudantes dentro da sala de aula muitas vezes sem o devido acompanhamento.

Especialmente, neste último caso, com o número excessivo de alunos por sala, com os problemas supracitados, os professores, não raras vezes, são confundidos como não tolerantes em relação aos estudantes com deficiências. É preciso e necessário compreender que a assimilação de estudantes com deficiências nas salas de aula deveria respeitar a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146 (BRASIL, 2015), mas as políticas da educação pública não atendem em sua plenitude o Artigo 28, principalmente nos incisos II, III, IV, X e XI. Destacamos o Inciso X, onde  a “adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores […]” (BRASIL, 2015, p. 13) ainda não é plenamente instituída em todas as escolas. 

A escola objeto deste estudo, sob tutela municipal, não atende a Lei nº15.830/2015, especificamente no Artigo 1º, no qual “fica o Poder Executivo autorizado a limitar, em até 20 (vinte alunos), o número de matrículas das salas de aula do ensino público fundamental e médio que têm matriculado 1 (um) aluno com necessidades especiais” (ALESP, 2015). Desse modo, a formação ou a conformação das salas de aula não são definidas pelos professores, mas sim por gestores que, muitas vezes, seguem as regras políticas que passam ao largo das questões pedagógicas, o que poderíamos considerar também uma forma de violência escolar.

Além disso, os estudantes são acomodados em lugares que são definidos por meio de um mapa da sala, no qual os alunos são distribuídos entre os “bagunceiros” e os que “prestam atenção”; esse é um formato tradicional de controle que ainda persiste dentro do ambiente escolar, pois

Imobiliza ou regulamenta os movimentos; resolve as confusões, as aglomerações compactas sobre as circulações incertas, as repartições calculadas. (FOUCAULT, 2009, p.207).

De acordo com Foucault (2009), as formas de controle têm como objetivo tornar os corpos dóceis. Essa tática garante, dessa forma, a acomodação de todos os corpos que frequentam a escola para adquirir saberes. São saberes do currículo escolar que, apesar da diversidade escolar, seguem padronizações e esquecem que as aprendizagens não são regulares:

Considerando que a aprendizagem envolve mudanças físicas em cada cérebro individual e que o conhecimento consiste não em uma progressão linear, mas numa compreensão que se aprofunda de forma gradual em uma vasta rede de conceitos e ideias, chega-se a uma conclusão surpreendente: não existem duas educações iguais. (KHAN, 2013, p. 57)

Diante desse contexto pedagógico, com o qual concordamos, os partícipes do processo de escolarização, ainda que percebam as múltiplas formas que os estudantes percorrem para adquirir sua aprendizagem, ficam restritos em sua ação pedagógica, pois devem seguir as regras escolares, cujo objetivo é cumprir os currículos. Se torna importante refletir sobre os professores e suas práticas:

Quando o aluno não entende nada, e a professora continua ensinando, ela está construindo o fracasso. O terrível é que é quase impossível levar em consideração cada aluno em sua singularidade. Deve-se então entender que o fracasso escolar se constrói também no dia-a-dia da sala de aula. […] quando se diz que a responsabilidade está na desigualdade social, na globalização, mas não é por essa razão que tenho o direito de deixar meu aluno sem entender nada do que estou ensinando. […]. A resposta é pedagógica, é profissional, mas é também política porque esse aluno que não entendeu nada vai mergulhar ainda mais no fracasso escolar. (CHARLOT, 2005, p.64). 

Ainda, de acordo com o autor, as dificuldades de aprendizagem de muitos estudantes podem ser respostas aos modelos instituídos, como o da educação bancária (FREIRE, 2011), prática pedagógica que, ainda, se realiza dentro do espaço escolar:

Enquanto, na concepção “bancária”, o educador vai enchendo os educandos de falso saber, que são os conteúdos impostos, na prática problematizadora, vão os educando desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo.(FREIRE, 2011, p.100)

Não se trata de descaracterizar a importância do ensino tradicional, mas das formas enrijecidas como se desenvolve na sala de aula. Os professores, principalmente os que atuam nos espaços escolares públicos, devem estar preparados para atuar, acreditamos, por meio de uma Educação Problematizadora (FREIRE, 2011). Dessa forma, talvez reconheceríamos que

A educação problematizadora, enquanto um que fazer humanista e libertador[…]. Por isto é que esta educação, em que educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo, superando o intelectualismo alienante, superando o autoritarismo do educador “bancário”, supera também a falsa consciência do mundo. (FREIRE, 2011, p.105, grifos do autor)

Infelizmente, práticas pedagógicas problematizadoras ainda são limitadas e, em muitas escolas, enfrentam vários níveis de violência que influenciam as aprendizagens dos estudantes. É preciso mobilizar o pensamento dos partícipes da escola, pois

A escola não atenta para questões como dificuldades de aprendizagem ou fracasso escolar, seguidas de evasão do aluno, violência e drogadição, pode estar contribuindo para que se desenvolvam fatores de risco. Um adolescente com dificuldades de aprendizagem, por exemplo, pode apresentar baixa autoestima, tornando-se vulnerável ao desajustamento social e comportamento antissocial. (LISBOA et al, 2014, p.137).

Portanto, o espaço escolar é o local onde os indivíduos devem saber e compreender que

A escola é uma experiência, e enfrentar a questão do saber é muito importante, inclusive para entender a violência. O fenômeno da violência não se encontra, ou pouco se encontra, em uma escola em que as crianças têm o prazer de estudar, o prazer de aprender. (CHARLOT, 2005, p. 65)

A escola e seus partícipes teriam que cumprir essa tarefa, oferecer o prazer de estudar e o prazer de aprender. A garantia do acesso escolar é uma garantia advinda da Constituição Federal de 1988, entretanto, o grande desafio é que “há quem esteja na escola sem aprender” (UNICEF, s.d.). A educação brasileira “não tem sido capaz de garantir oportunidades de aprendizagem a todos” (UNICEF, s.d.), os responsáveis pela educação não podem ter lentes de ingenuidade sobre a realidade educacional do país. Há muitas escolas, sob inúmeras formas de violências, em que devemos refletir e enfrentar essas realidades e pensar sobre o afastamento dos estudantes desse ambiente, ou seja,

Que nunca entraram nela, no sentido simbólico do termo. Estiveram fisicamente presentes, se matricularam, mas, na verdade, nunca entraram nas lógicas simbólicas da escola. Pesquisadores, chefes de administração, entre outros, estão falando de abandono. Mas esses alunos não estão se desligando porque nunca estiveram ligados, não estão abandonando porque nunca entraram de fato na escola. […] Não são crianças que estão abandonando a escola, são crianças que estão desistindo de entrar nela. (CHARLOT, 2005, p. 66).

Nesse contexto, os estudantes frequentam a escola, consideram sua importância, mas, ao mesmo tempo, não participam e por isso se distanciam dessa escola que não os convida a aprender com prazer numa “aventura intelectual” (CHARLOT, 2005), mas que impõe, pelos modelos metodológicos, a passividade dos estudantes. Essa incompreensão sobre a passividade e/ou a atividade do aluno se funda na ideia de que a lógica da aprendizagem é gravar o que o professor fala (CHARLOT, 2005). Há, então, inúmeras formas de comportamento que vão surgindo e que variam entre a incivilidade, a transgressão e a violência (CHARLOT, 2005).

Violência na escola

Segundo Charlot (2005), é preciso fazer as distinções conceituais necessárias sobre as violências que ocorrem no ambiente educacional para entender os mecanismos que desencadeiam os comportamentos inadequados. Para o autor, existe a violência na escola, que é a que se produz dentro da instituição, alguém de fora (grupos, gangues, pais, entre outros) entra e comete uma violência a uma pessoa e/ou a um grupo (professores, estudantes, gestores). Existe ainda a violência à escola, quando os alunos agridem os representantes da escola e/ou depredam a instituição escolar. E, por fim, aparece a violência da escola, que pode se apresentar de formas subjetivas  (notas, distribuição das classes, diminuição dos alunos, atos injustos, racistas e preconceituosos) (CHARLOT, 2005, p 127).

Essas distinções dos tipos de violências são pertinentes para compreender os ambientes e as pessoas que, muitas vezes, desconhecem como são influenciados e, ao mesmo tempo, influenciam em suas relações interpessoais e na organização dos espaços escolares.

Ademais, segundo Charlot (2005), alguns pesquisadores franceses ampliaram as pesquisas ao apresentar as diferenças entre a violência, a transgressão e a incivilidade. Essas sutis diferenças precisam ser conhecidas e entendidas, visto que

O termo violência, […] deve ser reservado ao que ataca a lei com o uso da força ou que ameaça usá-la: lesões, extorsão, tráfico de drogas na escola, insultos graves. A transgressão é o comportamkento contrário ao regulamento interno do estabelecimento (mas não ilegal do ponto de vista da lei): absenteísmo, não-realização de trabalhos escolares, falta de respeito, etc. […] a incivilidade não contradiz nem a lei e nem o regimento interno do estabelecimento, mas as regras da boa convivência: desordens, empurrões, grosserias, palavras ofensivas, geralmente ataque cotidiano ao direito de cada um (professor, aluno, funcionário) ser respeitado. (CHARLOT, 2005, p.128).

São comportamentos que se encontram nos ambientes escolares e nos partícipes do processo educativo de inúmeras formas. Ao escolher uma determinada escola, pretendemos refletir sobre a influência da “violência escolar”. O ambiente escolar, no qual os partícipes ensinam e/ou aprendem, nem sempre é o espaço de prazer, seja no prazer da atenção (do aluno para o ensino do professor) ou no prazer de estar junto (das relações interpessoais). Não sendo esse espaço de prazer, em muitos momentos as relações ocorrem entre oprimidos e opressores, internalizando e aceitando como certo o que existe dentro do ambiente escolar. Na visão de Paulo Freire, para romper e superar a “situação opressora”, é preciso e necessário “o reconhecimento crítico, a ‘razão’ desta situação, para que, através de uma ação transformadora que incida sobre ela, se instaure uma outra, que possibilite aquela busca do ser mais” (FREIRE, 2011, p. 46).

Diante desses contextos, buscamos alternativas para compreender como os estudantes, vivenciando cenários iguais ou próximos aos aludidos em seus ambientes escolares, aprendem.  O inventário de aprendizagem foi projetado para avaliar a aprendizagem, buscando descrever como se aprende e “não avaliar sua habilidade de aprendizagem” (KOLB et al, 1978, p.35).

Esse instrumento se torna significativo, pois pode orientar os estudantes sobre as formas como aprendem e, por meio de seu estilo de aprendizagem, passarem a reconhecer quais modelos e metodologias seriam ideais em seu processo de conhecimento. Acreditamos que, com essa informação, os estudantes percebam que há inúmeras formas de aprender e, portanto, a aquisição dessa capacidade se torna uma habilidade importante para o seu futuro, não só escolar, mas de atuação nos meios profissionais que exigem cada vez mais competências.

Inventário dos estilos de aprendizagem

Diante do exposto, o Inventário dos Estilos de Aprendizagem, advindo das teorias da psicologia social e aprimorado com os estudos de Kolb, Rubin e McIntyre (1990), foi escolhido para avaliar o estilo de aprendizagem de cada indivíduo (KOLB & KOLB 1978).

Para cada estilo há uma definição (KOLB & KOLB, 1978), e de forma sucinta apresentamos os estilos: o Estilo Divergente é aquele de pessoas que têm ideias e amplos interesses além de serem imaginativas e emocionais; em relação à sua aprendizagem, preferem trabalhar em grupo, aceitam diversos pontos de vista. O Estilo Assimilador coloca em ordem lógica e concisa ideias e conceitos abstratos, a teoria tem maior valor que a prática, preferem aulas teóricas e precisam de tempo para analisar os assuntos e/ou problemas. Os de Estilo Convergente gostam de descobrir como usar as ideias e as teorias de forma prática, têm habilidade para resolver problemas e tomar decisões, são ótimos para atuar em tecnologia e áreas técnicas, por exemplo, laboratórios e aplicações práticas. E os de Estilo Articulador têm habilidade de aprender de forma desafiadora, aplicando saberes novos, se envolvem emocionalmente, preferem trabalhar com outras pessoas; estabelecem metas que permitam fazer diferentes experiências.

A partir desse referencial, foi apresentado este estudo à direção escolar,  para que pudéssemos apreender como os estudantes vivenciam suas aprendizagens. Com o aval dos gestores, o segundo passo foi enviar aos pais o termo de consentimento para que os alunos, menores de idade, pudessem responder e para que pudéssemos usar os dados.

Dos 80 (oitenta) estudantes, subdivididos em três salas de aula, só 31% tiveram a autorização dos pais para responder ao Inventário de Estilos de Aprendizagem (KOLB&KOLB, 1978). Foram, dessa forma, vinte e cinco alunos do oitavo ano do Ensino Fundamental II preparados para responder ao questionário. Buscamos identificar as faixas etárias dos alunos: 18 (dezoito) com treze anos, 5 (cinco) com quatorze anos, 1 (um) com doze anos e mais 1(um) com quinze anos.

O inventário foi realizado em duas aulas seguidas, com tempo suficiente para responder ao questionário, computar os dados, ler os resultados e refletir sobre o estilo de aprendizagem dos alunos.

Os estudantes responderam ao questionário com perguntas sobre as formas, como, quando e o que faziam para aprender melhor. Para cada pergunta, havia quatro alternativas e, em cada uma delas, um espaço no qual deveria valorar, classificando

o “4” como a alternativa que descreve como você aprende melhor; com “3” a alternativa que descreve a segunda melhor maneira como você aprende; com “2” a terceira melhor maneira como você aprende; com “1” a maneira menos provável como você aprende (KOLB et al, 1990, 1978).

Os estudantes foram respondendo e, ao mesmo tempo, questionavam sobre as formas de suas aprendizagens, tornando o momento, assim, um processo reflexivo.

Obtivemos os seguintes resultados sobre os Estilos de Aprendizagem dos estudantes dos últimos anos de escola pública: quatorze alunos têm o Estilo Assimilador (CA+OR), dez alunos têm Estilo Convergente (CA+EA) e um tem o Estilo Articulador (EC+EA).

Resultados e Possibilidades Futuras

A amostra, apesar de ser reduzida, pôde nos informar como as classes estão organizadas e, a partir dos dados, de forma individual, o estudante pode refletir como aprende melhor; e com essas informações, pudemos refletir como as aprendizagens desses estudantes vão sendo construídas durante sua vida escolar.

O número prevalente de estudantes com Estilo Assimilador (14 estudantes), com a combinação da Conceitualização Abstrata – CA e Observação Reflexiva – OR, chamou a atenção. Esses alunos têm habilidades dominantes voltadas para ideias e conceitos abstratos; nesse estilo, os jovens têm uma predisposição para carreiras nas áreas científicas, porque buscam exatidão e lógica em sua aprendizagem. No ambiente de aprendizagem escolar, nesse perfil, os partícipes preferem aulas expositivas, leituras e precisam de tempo para refletir sobre os assuntos abordados. As escolas, de forma geral, estão moldadas com o ensino expositivo. Entretanto, não há tempo para refletir sobre os conteúdos e, portanto, garantir suas aprendizagens; o ensino é voltado às exigências da tradição disciplinar-curricular e da organização pedagógica de cada escola (ACOSTA, 2013).

O segundo estilo de aprendizagem mais evidente é o Estilo Convergente (10 estudantes), com a combinação da Conceitualização Abstrata – CA e a Experiência Concreta – EC. Esses são alunos que buscam saber aplicar de forma prática o que aprendem de forma teórica, evidenciando o desejo de usar o que aprendem na escola. São alunos com habilidades para resolver problemas e buscar soluções para questões que os desafiem. As habilidades nesse estilo de aprendizagem se voltam para tarefas técnicas e tecnológicas. Em situações de aprendizagem escolar, gostam de aprender novas ideias e aplicar de forma prática, além disso, apreciam atividades em laboratórios. É preciso que a comunicação entre o intercâmbio de conhecimentos e os saberes educacionais tenha formas práticas para a assimilação dos alunos sob esse estilo de aprendizagem.

Entre os dados obtidos, houve um aluno de Estilo Articulador (1 estudante), cuja combinação entre a Experiência Concreta – EC e a Experiência Ativa – EA demonstra a habilidade de aprender de forma prática. Nesse estilo os indivíduos realizam suas aprendizagens por meio experiências novas e desafiadoras, são mais emocionais. Nesse estilo de aprendizagem, os indivíduos são mais eficientes nas áreas de comunicação; são também voltados a trabalhar de forma coletiva, além de testarem diferentes maneiras para realizar um projeto.

O Estilo Divergente não foi apresentado na amostra do estudo. Nesse estilo, as pessoas têm desempenho melhor em situações que requerem  diversos pontos de vista e são também indivíduos voltados para as Artes.

A partir dos resultados, os alunos com estilos de aprendizagem parecidos discutiram sobre as formas de sua aprendizagem e como ela poderia ser melhorada. É preciso ressaltar que as realidades desses partícipes, muitas vezes, não são levadas em conta e muito menos compreendidas dentro do ambiente educacional o qual vivenciam durante muito tempo. Os estudantes se reconheceram nos seus estilos de aprendizagem, entretanto, é importante ressaltar que esses estilos podem mudar de acordo com suas experiências e os ambientes os quais vivenciam.

Nenhum estilo de aprendizagem é melhor ou pior, cada um de nós tem diversas formas para aprender. Em determinados momentos, surgem habilidades como pontos fortes, e em outros a mesma habilidade pode se apresentar como frágil. Todo processo de aprendizagem contém um ciclo que se repete em nossa vida, e é por meio dessas experiências que mudamos, pois “toda aprendizagem é reaprendizagem e toda educação é reeducação” (KOLB et al, 1978, p. 39). É essencial perceber que

A direção que a aprendizagem toma é governada pelas necessidades sentidas e pelos objetivos da pessoa. Procuramos experiências que se relacionam com nossos objetivos, interpretamo-las à luz desses objetivos e formamos conceitos e testamos as implicações dos mesmos que são relevantes tanto para as nossas necessidades sentidas como para nossos objetivos. (KOLB et al., 1978, p. 39)

Ao refletir sobre os estilos de aprendizagem que prevaleceram, sobre o espaço escolar e  sobre as relações interpessoais que são vivenciados cotidianamente na escola onde aplicamos o inventário, percebemos que esses estudantes, apesar das violências subjetivas, aprendem.

Aproximações conclusivas

O Estilo Assimilador e o Estilo Convergente foram determinantes na pequena amostra. Em ambos os estilos, pudemos perceber que, talvez, tenha sido a alternativa que os estudantes puderam aprender e se moldar, diante de um ensino pautado em controle. Apesar de ocorrências de episódios de violência escolar, incivilidades e de transgressões, esses estilos de aprendizagem funcionam principalmente para estudantes que gostam de estudar de forma individual. Dessa forma, a amostra se torna significativa mediante a compreensão dos contextos sociais e dos comportamentos advindos que podem e devem ser perscrutados nas propostas pedagógicas.

Em relação aos estudantes, a apropriação dos estilos de aprendizagem favorece e oferece novos sentidos à construção de sua identidade e de suas aprendizagens e, perante o mundo que se lhes abre, os leva a participar continuamente ao cultivar a curiosidade, o sabor e o saber em sua vida.

 

Referências

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CURVELO, Eliana. A influência da violência escolar sobre os estilos de aprendizagem de adolescentes. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 7, Número 28, dezembro, 2023, ISSN 2526-1126. Disponível em: link . Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).

Imagem de destaque: A imagem é de autoria de Eliana C. Curvelo e foi realizada numa atividade com estudantes de graduação, trabalhando com a técnica de kirigami e origami para desenvolver habilidades motoras em Setembro de 2023

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