Castelo De Barro Destaque Objetos Tridimensionais N 5

Objetos tridimensionais no ensino de história: concretude desnecessária?

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Fabiana de Oliveira Bernardo

Doutoranda e mestre em Educação pela UFMG, graduada em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Professora de História na educação básica. Integra a equipe da Diretoria de Inovação e Metodologias de Ensino (GIZ) e o Centro de Pesquisa em História da Educação (GEPHE).

E-mail: fabianaoliveira@msn.com

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Talítha Maria Brandão Gorgulho

Doutoranda e mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG , graduada em História pela Universidade Federal de São João Del Rey. Integra o grupo de Cultura e Educação na América Portuguesa (GCEAP) e o Centro de Pesquisa em História da Educação (GEPHE).

E-mail: talithagorgulho@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

Somos professoras de história da Educação Básica na cidade de Belo Horizonte e Betim, em Minas Gerais, e é desse “lugar” que trazemos as reflexões para este artigo. Talítha atuou na rede municipal por quatro anos e Fabiana atua na rede privada há oito anos. Nesse processo, aprendemos efetivamente que as condições estruturais dos ambientes nos quais operamos incidem sobre nossa prática, moldando-a e constrangendo-a e temos como desafio diário buscar inovações para promover um ensino mais interessante e significativo para nossos alunos.

Em conversa recente, passamos a nos questionar sobre a praticamente nula oferta de materiais tridimensionais para o ensino de história nas escolas. Da mesma maneira, artigos sobre metodologias acerca do uso de materiais concretos no ensino de história não foram encontrados em buscas nas revistas acadêmicas especializadas. Essa realidade se mostra muito diferente para outras áreas, como aquelas ligadas às ciências ditas duras, como Física e seus subtemas ‒ Astronomia, Eletricidade, entre outros ‒, Química e Biologia ‒ que em casos específicos e privilegiados possuem laboratórios de práticas. Não podemos nos esquecer de citar aqui a matemática que, frequentemente, possui uma gama extensa de objetos para serem trabalhados em sala de aula, principalmente acerca do conteúdo de geometria.

De outra maneira, a história, conhecida como a “ciência sobre os homens no tempo”, que tem como principal amparo de ensino o uso de textos, desvincula-se da escrita, no máximo, no uso de imagens e vídeos ‒ tecnologias relativamente recentes, porém, bidimensionais. Assim, o objetivo deste artigo é incentivar a reflexão sobre o fato de que a história, apesar de tratar da vida dos sujeitos, não faz com regularidade, na escola, uso de objetos que deem concretude ao que os estudantes aprendem por meio de aulas expositivas, textos e vídeos, esperando que, a partir dessa reflexão, sejam compartilhadas ideias e ações entre professores que elaboram e executam, geralmente de forma individual, situações para materializar o ensino de história.

PEQUENA TRAJETÓRIA DO USO DE OBJETOS TRIDIMENSIONAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA

A escolha pelo não uso de objetos tridimensionais no ensino de história não é uma realidade de longuíssima duração. Katya Braghini, pesquisadora de acervos escolares no século XIX, ao lado de Pinãs e Pedro, apresentam e analisam uma expressiva coleção do Colégio Marista de São Paulo, na qual podem ser encontrados mármores e outras pedras, conchas, aves, quadrúpedes, anfíbios, peixes e cobras taxidermizados (BRAGHINI; PIÑAS; PEDRO, 2014). Esses elementos, a priori, ligados a disciplinas do estudo da vida em seu sentido biológico, eram utilizados como recursos no ensino de história natural. Nesse contexto, o ensino estava intrinsecamente ligado ao estudo da antropologia, assim como da zoologia e botânica, sendo esses temas analisados em uma perspectiva histórica, procurando demonstrar os processos e a relação entre o homem e a natureza.

Sabe-se que até o final da década de 1960 as imagens dos livros didáticos eram pequenas e em preto e branco, sendo provável que, por esse motivo, fosse mais comum que alguns professores sentissem a necessidade de incrementar suas aulas com objetos tridimensionais, como nos mostram Braghini, Piñas e Pedro (2014). De lá para cá, com o desenvolvimento contínuo de tecnologias e mídias, as imagens foram ganhando mais qualidade nas cores e na nitidez, passando a ocupar cada vez mais espaço nas obras didáticas. Concorrendo com os textos, hoje são frequentemente utilizadas em sala de aula, muitas vezes como substitutas da “coisa” estudada.

Tomados os devidos cuidados com relação à sua polissemia, a ideia de ser uma representação do real e, não descuidando da contextualização e desnaturalização ‒ cuidados, aliás, que devem ser tomados com qualquer fonte usada na apreensão da história ‒, essa prática pedagógica do uso da imagem se mostra muito interessante para “educar o olhar”, como demonstra Bittencourt (1998). No entanto, não precisa encerrar em si uma exclusiva opção de prática pedagógica a ser utilizada.

USO DE OBJETOS TRIDIMENSIONAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA ATUAL

Atualmente, de outra forma, o ensino nas aulas de história tem priorizado geralmente o uso do livro didático, de imagens e vídeos. Por mais inovador que o educador pareça em utilizar esses recursos, observamos que a linguagem em duas dimensões, especialmente a linguagem abstrata, impera soberana nos processos de ensino e aprendizagem.

Passamos, portanto, a nos questionar quais processos históricos teriam levado o ensino de história a se diferenciar tanto do ensino das disciplinas de matemática, química, biologia e física, as quais ainda prezam pelo uso de objetos que permitam que o estudante dê materialidade ao conhecimento que recebe de maneira abstrata.

No ano de 2014, Talítha realizou uma pesquisa na Escola Municipal “Hilda Rabello” com mais de 300 alunos[1]. Nessa ocasião, ela pretendia verificar quais disciplinas os alunos gostavam e quais eles entendiam como mais importantes para seu futuro. Observou-se que menos de 5 % dos alunos disseram gostar mais da disciplina de história contra mais de 30% com relação à disciplina de ciência. A percepção de que estudar história é importante para o futuro se encontrou em apenas 3% contra 23% quando se trata de ciências e 56% quando se trata de matemática. As problematizações possíveis a essas informações são inúmeras, mas com relação ao tema do artigo, podemos inferir que há um efetivo distanciamento dos alunos do ensino fundamental, ao menos na escola pesquisada ‒ mas certamente não só ‒ com a disciplina de história. Arruda (2011, p. 5), ao analisar o uso dos museus virtuais e das tecnologias de hipermídia pelos professores de história do ensino fundamental, afirma:

No caso da escola, alguns trabalhos demonstram que o perfil dos alunos tem mudado, sem que haja modificações significativas nas estratégias de ensino-aprendizagem do professor. Especificamente no caso do ensino da História, observamos que o desenvolvimento tecnológico contemporâneo apresenta uma série de artefatos culturais que modificam significativamente as relações que as pessoas possuem com o tempo e tempo histórico e, por conseguinte, com as formas como aprende a História.

O ensino de história implica o ensino da vida dos homens em sociedade. Pressupõe-se, em certa medida, que os discentes conheçam os elementos que são citados nos textos e apresentados nas imagens e nos vídeos. Porém, não é necessariamente isso que se observa. Quando tratamos, por exemplo, de temas como o estudo dos modos de produção ou a organização social, política e administrativa no feudo medieval, há uma enorme dificuldade por parte dos alunos de dar materialidade a processos que caracterizem grande ruptura com o presente. Isso se deve ao fato de que esses processos se distanciam das realidades discentes – sejam elas relacionadas ao tempo ou às práticas, o que faz com que eles não consigam visualizar o passado, tendo apenas como fonte as imagens das ferramentas que eram utilizadas e como eram utilizadas, ou um esquema de divisão do feudo. O professor pode explicar para que serviam, como eram feitas, mostrar vídeos, mas, ainda assim, a apreensão do processo fica muito prejudicada. Isso gera um enorme distanciamento entre o aluno e o tema estudado, prejudicando muito a compreensão do assunto e por consequência sua interpretação e capacidade de crítica sobre o tema.

Outra hipótese para o fato do pouco uso de objetos tridimensionais no ensino se refere ao fato do saber histórico chegar à escola privilegiadamente em livros, tanto para docentes quanto para discentes, o que reforça metodologias baseadas em textos e objetos bidimensionais, como imagens. Isso teria relação com a questão da legitimidade da escrita? Com a ideia de que o verdadeiro conhecimento é aquele que está nos livros? Se sim, por que motivo essa noção difere em disciplinas de outras áreas?

No decorrer da história, os museus escolares “saíram das escolas” e hoje elas são convidadas a visitar os espaços com objetos históricos que são, geralmente, inacessíveis, pouco interativos e intocáveis. Mobiliza-se esforço e recurso da escola e nem sempre esse processo é organizado como parte do programa de ensino, baseado na linearidade dos livros didáticos.

Por fim, cabe ressaltar a ausência de um nicho de mercado que abranja recursos educativos tridimensionais na área da história. Seria pelo fato das empresas especializadas ainda não haverem “descoberto” esse nicho de mercado? Esse mercado não teria lugar e recurso nas instituições de ensino?

Temos como hipótese que a profunda teorização e a ausência de estratégias mais dinâmicas de ensino e aprendizagem, que contemplem, para além dos filmes e imagens, objetos que permitam a concretude ao objeto de ensino, podem ser motivos da falta de interesse e reconhecimento de uma disciplina diante de outras que, por sua vez, utilizam da concretude como prática.

Vídeos, imagens e aulas expositivas são representações que restringem a possibilidade de dar concretude à realidade. Consideramos que o uso de objetos tridimensionais favorece o ensino, uma vez que permite o desenvolvimento do pensamento histórico em dimensões concretas, permitindo reais possibilidades de reconstrução e visualização do passado por parte dos alunos.

 

 

REFERÊNCIAS

ARRUDA, E. P. Museu virtual, prática docente e ensino de história: apropriações dos professores e potencialidades de elaboração de um museu virtual orientado ao visitante. In: ENCONTRO NACIONAL DOS PESQUISADORES DO ENSINO DE HISTÓRIA, 9., 2011, Florianópolis. Anais… São Paulo: Anpuh, 2011. p. 1-11. Disponível em: <http://bit.ly/2uF2BWC>. Acesso em: 28 jul. 2017.

BITTENCOURT, C. (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998.

BRAGHINI, K. Z.; PIÑAS, R. Q.; PEDRO, R. T. Museu escolar do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo: constituição, histórico e primeiros movimentos de salvaguarda da coleção. Revista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 31, p. 28-49, ago. 2014. Disponível em: <http://bit.ly/2vQzi1M>. Acesso em: 28 jul. 2017.

FUJIOKA, P. Y. Maquetes no ensino de história da arquitetura: experiências de estágio de ensino na FAUUSP. Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, São Paulo, n. 17, p. 46-61, jun. 2005. Disponível em: <http://bit.ly/2w77i9A>. Acesso em: 28 jul. 2017.

 

[1]Esta pesquisa foi feita com alunos de cinco turmas de 7º ano e outras cinco turmas de 8º ano, tendo como objetivo conhecer a visão dos alunos acerca da escola. A pesquisa coletou dados com questionário que contemplavam temas como: “Qual disciplina você mais gosta?”; “Qual disciplina você menos gosta?” etc.

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