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 Como voam os pássaros

Os pássaros é um livro cuja história é contada principalmente por meio de ilustrações. Seus autores, o escritor Germano Zullo e a artista plástica Alertine, demonstram grande sensibilidade ao tratarem de temas fundamentais, como a liberdade, a relação com o outro e com a natureza; ou, como eles mesmos definem no texto de abertura do livro: os pequenos detalhes que preenchem nosso dia a dia e que, ao serem descobertos, transformam-se em “verdadeiros tesouros”.

No livro, um motorista, ao final de uma longa estrada, abre as portas traseiras de sua caminhonete e deixa sair um monte de pássaros coloridos e vistosos. No fundo da caminhonete, contudo, ele avista uma pequena e tímida ave sem a coragem necessária para seguir adiante.

O motorista insiste para que o pássaro acompanhe os demais e, embora não seja uma ave, mostra-lhe como poderiam ser o bater de asas e o alçar voo. Nesse ínterim, o que vemos é alguém que olha para o interior de outro alguém, acolhe, escuta, envolve-se ao ponto de sua subjetividade tocar a subjetividade do outro. Nessa abertura, o pássaro encontra conforto, acolhida e sente-se encorajado para tentar… e consegue seguir adiante, alcançando seus irmãos pássaros. 

Tal história me tocou profundamente, pois retrata de forma bastante clara a natureza ou, ainda, aquilo que se espera da relação professor-aluno. A professora Terezinha Azerêdo Rios ajuda-nos a entender melhor essa relação professor-aluno e o que estou apontando aqui como sendo uma característica intrínseca dessa relação. No texto “Dimensão ética da aula ou o que nós fazemos com eles”, ela vai nos mostrando que 

uma aula não é algo que se dá, mas é algo que se faz, ou melhor, que professores e alunos fazem, juntos. Afirmar que fazem juntos não significa, absolutamente, dizer que fazem de maneira igual. É na diferença e na reciprocidade de papéis que vai se constituindo o evento que se chama aula. (RIOS, 2011, p. 75)

A professora traz, ainda, uma bela citação de Sany Rosa, para quem “o ensino não pode ser dado, mas antes deve ter a qualidade de algo que, sendo apresentado pelo educador, possa também ser encontrado a partir da subjetividade do educando” (ROSA, 2010¹ apud RIOS, 2011, p. 75). É partindo dessa compreensão que ambas as autoras nos falam que o ensino, que se concretiza no espaço e no tempo da aula, precisa ser uma “relação intersubjetiva”, com diálogo aberto, que acolhe a diferença de ideais, experiências e opiniões, permitindo que novas e inusitadas experiências surjam, como na história de Germano Zullo e Alertine, em que o pássaro não apenas consegue voar, mas busca os outros pássaros e os convence a ensinar o que aprenderam ao motorista que os libertou. 

Olhando para a relação professor-aluno desse ponto de vista, percebendo-a como uma relação intersubjetiva, o que vemos é uma ação recíproca em que quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender, como já disse há algumas décadas nosso patrono Paulo Freire. Se considerarmos o acontecimento da aula a partir dessa abertura para o novo e o inusitado, para a transmissão de conhecimentos, e, sobretudo, para sua criação, precisamos enfrentar o desafio da formação, ou seja, da qualificação da mediação a ser feita pelo professor. 

Marcados por uma história autoritária, racista e misógina, que impregna nossa linguagem e nossas formas de compreensão do mundo, nós, educadores, precisamos dar espaço à nossa “curiosidade epistemológica”. Esta, como nos ensinou Paulo Freire, é nossa maneira de indagar o mundo e de agir sobre ele, transformando a realidade e melhorando a qualidade de nossas perguntas sobre essa mesma realidade. 

Os cursos de formação de professores, sejam os iniciais, sejam os continuados, precisam estar imbuídos e responder, portanto, a essa grande expectativa que é permitir ao professor vivenciar sua capacidade ontológica de “ser mais”. Além disso, é preciso que tal formação possa levá-lo a contemplar e a nutrir em seus alunos essa mesma capacidade, instrumentalizando-o e preparando-o para trazer seus alunos até “a intimidade do movimento de seu pensamento” (FREIRE, 1996, p. 86) e para criar condições para que eles também possam voltar transformados dessa relação.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

RIOS, Terezinha Azerêdo. A dimensão ética da aula ou o que nós fazemos com eles. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Aula: gênese, dimensões, princípios e práticas. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2011, p. 73-94.

ZULLO, Germano; ALBERTINE. Os pássaros. São Paulo: Editora 34, 2013.

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  1.  ROSA, Sany. Brincar, conhecer, ensinar. São Paulo: Cortez, 2010.

Fabiana da Silva Viana

E-mail: fabianadasilvaviana@gmail.com

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