Projeto Moedas da Croácia
Ana Paula Vaz Tostes de Lacerda
Graduada pela UNA em Pedagogia (2010). Atuou como professora do Curso Infantil do Colégio Logosófico de Belo Horizonte\ Unidade Funcionários de 2003 a 2010. Desde 2011, atua como professora do Curso Fundamental I, nessa mesma instituição.
E-mail: anapvtlacerda@gmail.com
INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade na qual a educação ultrapassa os limites da simples aquisição de conhecimentos. Além do desenvolvimento intelectual e moral, outras habilidades e competências precisam ser estimuladas. Barbosa e Horn (2008) nos mostram que é importante considerar que a dinâmica da vida das sociedades contemporâneas pressupõe outro modo de educar as novas gerações. A prática docente vinculada à pedagogia de projetos possibilita a transformação do espaço escolar em um ambiente de investigação e troca de informações entre alunos, pais, professores e comunidade escolar. Segundo Santomé (1998), John Dewey criticava as instituições de ensino que obrigam os alunos a trabalharem com uma excessiva compartimentalização da cultura em matérias, temas e lições. Assim, os educandos passam a acumular em suas mentes uma sobrecarga de informações sem conexão umas com as outras. A escola, então, deixa de cumprir sua principal função, que é preparar seus alunos para compreender, julgar e intervir na comunidade de forma justa, solidária e democrática.
O professor, ao atuar como mediador na prática da pedagogia de projetos, processo em que o aluno é sujeito de seu aprendizado, promove a curiosidade de seus alunos por meio de comentários, perguntas e problematização de fatos ocorridos no cotidiano.
Em 2014, um dos projetos institucionais do Colégio Logosófico González Pecotche tinha como tema a Copa do Mundo. O objetivo inicial era trabalhar os valores que um atleta precisa cultivar para alcançar o sucesso, como a vontade, o respeito, a disciplina e o trabalho em equipe. Além disso, pretendia-se que as crianças aprendessem acerca de alguns aspectos dos países que compuseram o Grupo A do Mundial: Brasil, México, Camarões e Croácia. Assim, foi definido que seriam estudados a culinária, os pontos turísticos e algumas curiosidades dos referidos países.
Em uma das apresentações sobre a Croácia, um aluno trouxe algumas informações sobre a moeda daquele país. Entre essas, a de que o pelo de certo animal típico da região era utilizado no comércio medieval como moeda de troca. Movida pela curiosidade, uma criança fez a seguinte pergunta: “Por que os croatas matavam bichos para fazer moedas?”.
Estávamos finalizando o primeiro semestre e não havia tempo hábil para pesquisarmos sobre o assunto. Anotei a pergunta com o propósito de retomar o assunto no próximo semestre. Coincidentemente, soube que uma das amigas de minha filha iria passar as férias na Croácia. Em minha mente, já vislumbrei a realização de um novo estudo, com base no questionamento feito por aquela criança. Solicitei à amiga de minha filha que trouxesse algumas moedas de sua viagem.
No retorno às aulas e com as moedas em mãos, planejei levá-las para a sala. Inicialmente, perguntei às crianças se elas se lembravam da pergunta que a colega havia feito e o assunto logo veio à tona. Anotei a pergunta no quadro e disse-lhes que tinha uma surpresa: contei-lhes que havia conseguido algumas moedas e formei pequenos grupos de crianças para que pudessem observá-las. Diante do encantamento promovido pelos pequenos objetos, novas perguntas começaram a surgir:
– Qual é a origem da palavra “Kuna”?
– Por que há bichos no meio dos números das moedas?
– Qual é o significado da palavra “Slavuj”?
– Onde os brasileiros conseguem essas moedas?
– Por que as moedas prateadas se chamam “Kuna”, e as douradas, “Lipa”?
Foi nesse contexto que surgiu o projeto Moedas da Croácia. Além das perguntas anteriores, surgiram outras, que foram listadas e distribuídas entre a turma para que cada aluno pesquisasse sobre o assunto de seu interesse. Helm et al. (2005, p. 34) afirmam que “a pergunta é feita de forma a estimular as crianças a desenvolver a aptidão para a reflexão com base em suas próprias ideias, estabelecendo assim o fundamento para um hábito metacognitivo que pode durar a vida inteira”.
Figura 1 – Conhecendo as moedas da Croácia
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 12 agosto de 2014.
Como dito anteriormente, a mediação do professor é imprescindível para dar sentido e significado aos temas apresentados pelas crianças. Ao analisar a lista daquilo que gostariam de saber, elaborei um planejamento no qual seria possível contemplar diversas áreas do conhecimento. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997a), é importante observar a interface entre as disciplinas, de modo a proporcionar estudos mais completos sobre temas cuja compreensão por parte dos alunos a Geografia, como a História, as Ciências, a Arte e a Matemática podem ampliar por meio de suas abordagens e explicações.
O passo inicial foi trabalhar os contextos histórico e geográfico da Croácia. Nas aulas de Ciências, um grupo de crianças ficou responsável por pesquisar algumas características, tais como: alimentação, hábitat e curiosidades do animal mencionado durante uma das apresentações do Projeto Copa do Mundo.
Durante essas apresentações, obtivemos a resposta para a situação desencadeadora do projeto Moedas da Croácia: constatou-se que o pelo desses animais (cujo nome é marta), era utilizado como unidade de valor no comércio medieval. Nesse contexto, foi trabalhado o conceito de escambo para que as crianças compreendessem que os croatas não matavam os animais para fazer moedas, mas apenas utilizavam seu pelo como objeto de troca.
Na área da Matemática, foi realizado um estudo comparativo entre os sistemas monetários brasileiro e croata. Além disso, foi possível trabalhar os conceitos de medida de comprimento e de massa, tendo como exemplo o mencionado animal típico da Croácia, a marta. A professora de artes plásticas ensinou às crianças que os trabalhos realizados com pincéis feitos com o pelo de marta resultavam em um traço mais elaborado.
No decorrer das demais apresentações, a coordenadora da escola tomou conhecimento de que a tia de um aluno de outra turma havia feito uma reportagem sobre a Croácia por ocasião da Copa do Mundo, o que poderia contribuir para ampliar e enriquecer nosso estudo. Ao entrar em contato com essa repórter, Luciana Katahira, fomos atendidos prontamente e obtivemos acesso ao vídeo que ela havia gravado para o programa Cidade da Gente[1]. Durante a projeção do vídeo, foi possível conhecer várias curiosidades dos croatas e os pontos mais procurados pelos turistas no país. É impossível descrever o encantamento das crianças ao assistirem ao vídeo e estabelecerem conexões com aquilo que já sabiam!
Como o interesse da turma permanecia e o envolvimento dos pais também era evidente, tomei a iniciativa de escrever uma carta à Embaixada da Croácia, localizada em Brasília, relatando o que estávamos vivendo em sala de aula e solicitando algum material que pudesse agregar valor ao nosso projeto. Após alguns dias, fomos presenteados com revistas, folders e mapas. Propus às crianças a escrita de uma carta em agradecimento ao que havíamos recebido. Para Lerner (2002, p. 28), um dos desafios da escola é promover a descoberta e a utilização da escrita como instrumento de reflexão sobre o próprio pensamento. No trabalho com a língua escrita destacou-se a adequação dos textos aos registros formais e informais, de acordo com as diferentes situações de uso.
Carta elaborada pelos alunos:
Belo Horizonte, 28 de outubro de 2014.
Excelentíssimo Senhor Embaixador Drago Stambuk,
Somos alunos do 2º ano do Colégio Logosófico e estamos realizando um projeto sobre a Croácia.
Aprendemos que 100 lipas perfazem 1 kuna, e kuna significa marta. Um de nossos colegas nos contou que as folhas da tília têm poderes medicinais. Sabemos também que a marta é um animal da fauna croata e que o seu pelo era usado como moeda de troca em seu país.
Assistimos a um programa sobre a Croácia e conhecemos um pouco de Zagreb e Dubrovnik. Aprendemos que essas cidades atraem muitos turistas por causa de sua beleza. Algo que nos chamou a atenção foi o bondinho de Zagreb – que serve para quem quer “economizar a sola do sapato”. Além disso nos interessamos pelo Museu Broken Relationships.
Vimos que em Dubrovnik é proibida a circulação de veículos na parte antiga da cidade. Ficamos encantados com as praias da Croácia e aprendemos que lá existem mais de mil ilhas!
Agora sabemos que Dubrovnik é considerada a joia do Mediterrâneo, e que a menor cidade do mundo fica na Croácia e se chama Hum.
Nossa professora nos mostrou um vídeo em que o senhor aparece sendo entrevistado pelo Jô Soares. Gostamos de saber que a Croácia é do tamanho da Paraíba. Também gostamos de vê-lo declamar o poema “Onda Negra”.
Agradecemos os materiais que o senhor nos enviou. Eles enriqueceram muito o nosso projeto Moedas da Croácia.
Abraços carinhosos dos alunos e professoras do 2º ano.
RESULTADOS
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997b, p. 51), “[a] preparação e a realização de atividades e projetos que incluam a exposição oral permitem a articulação de conteúdos de língua oral e escrita”. Além disso, possibilita-se a junção de diferentes áreas do conhecimento em uma perspectiva interdisciplinar. Em novembro daquele ano, o projeto Moedas da Croácia foi apresentado na Mostra de Conhecimentos da escola.
Nas aulas de Artes, as crianças realizaram a pintura da bandeira da Croácia para ficar em frente à nossa exposição. Nos estandes foram expostos: as moedas que deram início ao projeto; um castelo feito com toquinhos de madeira que representava Dubrovnik – um dos pontos turísticos da Croácia; pinturas das martas com riqueza de detalhes; cartazes elaborados com o material recebido da embaixada; e produções textuais nas quais foram relatados os aspectos mais significativos do projeto. Durante as pesquisas, descobriu-se que um dos costumes dos croatas é comer pizza a qualquer hora do dia e, por esse motivo, as crianças tiveram a ideia de servir pizza aos convidados. Os meninos trajavam gravatas em alusão a uma das invenções do povo croata, criada no século XVII. No estande que representava Zagreb, a capital da Croácia, havia biscoitos que, segundo a tradição local, simbolizavam amor, atenção e respeito, sendo um dos patrimônios culturais daquela região. Em um telão foi projetado o vídeo elaborado pela repórter Luciana Katahira, no qual todos puderam contemplar as belezas da Croácia.
Figura 2 – Bandeira da Croácia confeccionada na aula de Artes
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 6 de novembro de 2014.
Figura 3 – Castelo feito com toquinhos de madeira representando Dubrovnik
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 8 de novembro de 2014.
Figura 4 – Estande com as moedas da Croácia
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 8 de novembro de 2014.
Figura 5 – Apresentação de pesquisa sobre as moedas da Croácia
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 5 de junho de 2014.
Figura 6 – Cartazes elaborados para a exposição
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 8 de novembro de 2014.
Figura 7 – Detalhes da exposição
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 8 de novembro de 2014.
Figura 8 – Entrada da exposição
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 8 de novembro de 2014.
Figura 9 – Pinturas feitas pelos alunos do animal marta
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 8 de novembro de 2014.
Para Santomé (1998, p. 253), “formar pessoas reflexivas e críticas implica, logicamente, em comprometer os estudantes com tarefas que os obriguem a levar à prática capacidades superiores à mera lembrança e memorização”. Na fisionomia dos alunos era possível observar o gosto, a alegria e a disposição para ensinar aos demais tudo o que haviam aprendido. A duas semanas do término do ano letivo, tivemos a imensa satisfação em receber a resposta da carta enviada ao embaixador.
Carta enviada pelo embaixador:
Queridas crianças,
(Eric, Beatriz, Igor, Suzana, Helena, Lucas Tormim, Luisa, Mateus, Lívia Lacerda, José, Júlia Mendes, Fernando, Giovanni, Dan, Sara, Maria Antônia, Thales, Maria Lage, Lucas Lacerda, Lívia Freire, Caio, Stella Horta, Theo, Maria Ratton, João, Stela Queiroz, Milo, Júlia Nagem, Eduarda, Miguel)
Ganhei o meu dia com essa carta tão bonita e comovente! Fiquei muito feliz em ver quanta boa energia e esforço vocês dispensaram em suas pesquisas e interesses sobre a Croácia!
Como Embaixador do Brasil baseado em Brasília aprecio profundamente esse tipo de interesse de pessoas tão jovens porque vocês irão construir um mundo melhor e de amizades amanhã.
Estou muito agradecido a vocês e aqui está uma amostra da minha amizade – o meu livro “Céu no Poço” que foi escrito no Brasil que tem me comovido e inspirado bastante.
Espero que um dia vocês possam realizar a experiência de visitar a Croácia e conhecer as suas belezas!
Vocês são a verdadeira representação de amizade entre o Brasil e a Croácia!
Muito obrigado novamente pelo gesto de carinho com o meu país e a Embaixada da República da Croácia está de portas abertas para vocês!
Atenciosamente,
Drago Štambuk
Embaixador da Croácia
Embaixada da República da Croácia em Brasília
Figura 11 – Imagem da carta enviada pelo embaixador
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 24 de novembro de 2014.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Naquele semestre de 2014, vivemos momentos únicos de aprendizado com real sentido para a vida de todos nós: alunos, professores, pais e toda a comunidade escolar. O projeto Moedas da Croácia atravessou fronteiras e foi noticiado no site do Ministério Oficial da Croácia[2].
Figura 3 – Viramos notícia na Croácia
Fonte: Arquivo pessoal da autora: 3 de dezembro de 2014
No âmbito da Neurociência, a Dra. Leonor Bezerra Guerra, médica e doutora em Ciências, ao tomar conhecimento do projeto Moedas da Croácia, considerou que houve mobilização e interesse da turma, decorrentes da motivação que todos apresentaram no decorrer de todo o estudo. Também foram oferecidas oportunidades de retomada de conteúdos, problematização, desenvolvimento de regulação emocional e habilidades sociais, elaboração de metas e estratégias para alcançá-las, autorregulação da aprendizagem, percepção da autoeficácia pelos alunos e exercício da pedagogia do incentivo. Portanto, sob a perspectiva da neurociência, observou-se que o projeto respeitou muitas regras de como o cérebro aprende.
Josette (1994, p. 20) entende que a pedagogia de projetos nos permite viver em uma escola alicerçada no real, aberta a múltiplas relações com o exterior: nela a criança trabalha “para valer” e dispõe de meios para se afirmar. No decorrer do projeto Moedas da Croácia, os conteúdos articularam-se em uma perspectiva interdisciplinar, despertando novos interesses e ampliando os conhecimentos da turma, o que contribuiu para a formação nos alunos de autonomia, percepção crítica e participação.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. G. S. Projetos pedagógicos na educação infantil. Rio Grande do Sul: Artmed, 2008.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: História, Geografia. Brasília: MEC; SEF, 1997a. 166 p.
______. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC; SEF, 1997b. 144 p.
HELM, J. H. et al. O poder dos projetos: novas estratégias e soluções para a educação infantil. Tradução Vinícius Figueira. Porto Alegre: Artmed, 2005.
JOSETTE, J. Formando crianças leitoras. Tradução Bruno C. Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Tradução Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002.
SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade. O currículo integrado. Tradução Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
[1] A reportagem completa encontra-se disponível no YouTube: <https://goo.gl/4etSqy>. Acesso em: 21 mar. 2018.
[2] O conteúdo da matéria está disponível em: <https://goo.gl/WcJtcx>. Acesso em: 21 mar. 2018.