Construção de instrumentos de avaliação na educação infantil
Daniela Lacerda Vitório Araújo
Graduada em Pedagogia pela Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC (2009) e Pós-graduada em Docência na Educação Infantil pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (2015). Professora efetiva da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, MG, desde 1992, atualmente é Referência Técnica da Regional Pedagógica de Educação Infantil da Rede Pública. Tem experiência em coordenação pedagógica e direção pedagógica na Educação Infantil.
E-mail: dany.lacerda@hotmail.com
Cecília Vieira do Nascimento
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001), Mestre em Educação pela Faculdade de Educação de Minas Gerais FaE/UFMG (2004) e Doutora em Educação pela FaE/UFMG (2011). É professora efetiva do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG desde 2011. Tem experiência nos anos iniciais do Ensino Fundamental e, como pesquisadora, vem se dedicando aos estudos sobre escolas de aplicação, gênero, infância e leitura.
E-mail: ceciliavinas@gmail.com
“Estudar a avaliação é entrar na análise de toda a pedagogia que se pratica.” Sacristán (1998, p 295).
As discussões em torno da avaliação na Educação Infantil vivem um momento importante. Como apontam Catarina Moro e Lívia Vieira (2014), há tensões sobre o entendimento de como avaliar (procedimentos, métodos) e do que avaliar, sendo pauta para discussões na política nacional.
Fúlvia Rosemberg (2013) ressalta a avaliação como um problema social a ser discutido com cuidado e alerta para o perigo da transposição de modelos já existentes em outras etapas de ensino para a Educação Infantil. A incorporação de práticas avaliativas de outros segmentos da educação poderia, em certo sentido, facilitar práticas de classificação, rotulação e estigmatização das crianças.
As políticas públicas voltadas para a Educação Infantil têm reforçado a necessidade de orientações e regulamentações em nível nacional sobre a avaliação, questionamentos sobre quais os instrumentos mais adequados e apontamentos sobre os caminhos a serem seguidos para a promoção de um trabalho de formação integral na Educação Infantil.
No que se refere à avaliação, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, enquanto orientadoras das práticas pedagógicas, indicam que as instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento pedagógico e avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação (MEC, 2009, p. 29). Devem criar também instrumentos que procurem garantir no trabalho desenvolvido pelo educador observação crítica, diversidade de registros, possibilidade de intervenções (conforme as necessidades das crianças) e permita à família conhecer e compreender o desenvolvimento das mesmas. Esses aspectos são reiterados nas atuais alterações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, na Lei n. 12.796, de 2013, indicando que a avaliação deverá ser um acompanhamento do desenvolvimento da criança, sem objetivo de promoção.
No cerne de discussões e tentativas de sistematização de métodos e instrumentos da avaliação na primeira infância, este texto pretende discutir o processo de construção de instrumentos de registro e de avaliação do desenvolvimento da criança vivenciado na Secretaria Municipal de Educação de Betim (SEMED). Importa destacar que há diferentes perspectivas quanto ao modo de avaliação na Educação Infantil, tendo grupos que questionam, inclusive, sua necessidade.
Pensar em avaliação, como indica Sacristán (1998), nos revela concepções e práticas educativas, leva ao embate e evidencia quanto a temática é complexa e desafiadora. Assim, discutir o processo de elaboração de instrumentos de avaliação pela Diretoria da qual uma de nós, autora deste artigo, faz parte, significa, de modo concomitante, um processo significativo de autoavaliação e autorreflexão. Problematizar avaliação desvela concepções sobre o papel da escola na contemporaneidade, currículo, significado da infância e avaliação.
Parte dessas questões foi trabalhada na monografia desenvolvida por Araújo (2015). Aqui optamos por apresentar alguns dos resultados do referido trabalho, especificamente sobre os instrumentos de avaliação, relatando o contexto de uma experiência coletiva de construção de instrumentos avaliativos pelas Diretorias Pedagógicas da rede pública e conveniada de Betim.
O CONTEXTO DA PESQUISA: OS DESAFIOS DA CRIAÇÃO E IMPLANTAÇÃO
A Diretoria Pedagógica da Educação Infantil – Rede Pública compõe o quadro das seis diretorias educacionais da SEMED, sendo duas de Educação Infantil. Nesse local foi realizado o estudo que originou este artigo, realizado por uma de nós, Diretora e participante do processo de construção dos instrumentos de avaliação. Uma das principais funções dessa Diretoria é contribuir para a construção de políticas de atendimento a crianças de zero a cinco anos, atendidas nas instituições públicas e conveniadas do município.
No ano de 2013, durante assessoria realizada pelos componentes da equipe da Diretoria e também nas formações para os coordenadores pedagógicos, percebeu-se a necessidade de sistematização de instrumentos de avaliação que pudessem contribuir para maior visibilidade da prática pedagógica, e que fornecessem subsídios para o planejamento, tanto das professoras, quanto das coordenadoras. Com o surgimento da necessidade de avaliar o desenvolvimento das crianças, declarado pelas coordenadoras e professoras da rede, os assessores começaram a pensar qual seria o instrumento mais adequado para avaliar o desenvolvimento das crianças, subsidiar o trabalho das professoras de Educação Infantil e melhorar o entendimento do desenvolvimento das crianças por parte das famílias. O documento que registrava esse desenvolvimento era até então o Registro de Desenvolvimento das Crianças (RDC), e sabia-se que tanto as professoras quanto as famílias apresentavam dificuldades no seu entendimento[1].
A equipe de assessores para a construção dos instrumentos foi composta por pedagogas e professoras com experiência em Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em 2013 foram realizados estudos com várias discussões sobre como avaliar e implantar os instrumentos na rede. Alguns dos documentos utilizados como referência para a construção dos instrumentos foram o Referencial Político Pedagógico de Betim (2008) e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998).
Conforme os relatos dos assessores durante conversa coletiva para o estudo dos instrumentos, uma das propostas foi a criação de um documento que apontasse subsídios norteadores para a professora, esse documento contemplaria questões como: Onde estou? Como estou? Aonde vou com as crianças na perspectiva da aprendizagem? Sendo necessário um documento em rede que pudesse contribuir para melhoria na qualidade da aprendizagem das crianças.
As dificuldades encontradas e relatadas pelos assessores foram desde a definição do instrumento e seus objetivos até sua implantação de forma efetiva e eficaz. Dentre as decisões tomadas acordou-se que seriam construídos dois instrumentos, sendo o primeiro o Diagnóstico, com objetivo de investigar, levantar hipóteses, identificar as dificuldades e avanços das crianças, verificar as habilidades a serem trabalhadas ou retomadas, assim subsidiando o trabalho da professora. O segundo, o Portfólio, com função de registrar o desenvolvimento por meio da produção das crianças, contendo o relatório individual (parecer descritivo) da professora relatando o processo de desenvolvimento da criança. O portfólio seria encaminhado à família para conhecimento e participação da mesma.
Na análise dos documentos que foram produzidos pela equipe e aplicados durante os anos de 2014 e 2015, é possível perceber que o Diagnóstico é composto por atividades que avaliam habilidades de registro da escrita do nome, concentração para ouvir histórias e interpretá-las, conhecimento das letras do alfabeto, relação do número com o numeral e escrita espontânea. A aplicação do Diagnóstico foi programada para ocorrer quatro vezes por ano, porém, nos anos de 2014 e 2015 foi aplicado três vezes em cada ano.
Já o Portfólio é utilizado mensalmente, composto pelas atividades da evolução da escrita do nome, da escrita espontânea a partir de desenhos por categoria, do desenho da figura humana (esquema corporal), incorporado por atividades significativas selecionadas pela professora e pelo grupo de crianças e o relatório individual (parecer descritivo). O Portfólio é apresentado à família durante etapas estabelecidas pela instituição, normalmente duas vezes ao ano, onde existe um espaço reservado para o responsável pela criança registrar seu comentário sobre o processo de aprendizagem. Fica a critério da instituição entregar o mesmo para a família ao final de cada ano frequentado pela criança na instituição, ou quando ela conclui o 2º período e parte para o Ensino Fundamental.
Para que a implantação fosse eficaz e tivesse boa aceitação, a equipe de assessores organizou encontros com os coordenadores, com objetivo de apresentar os documentos e sua finalidade. A percepção da equipe de assessores após a aplicação do primeiro diagnóstico foi positiva, porém as professoras e coordenadoras relataram dificuldades de entendimento e aplicação do diagnóstico, e a partir da segunda versão foram feitas adequações conforme as necessidades apresentadas.
Em relação ao Portfólio, percebeu-se dificuldade das professoras em escrever o relatório individual (parecer descritivo), sendo solicitados esclarecimentos através da assessoria presente.
O Relatório individual tem por objetivo descrever a trajetória da aprendizagem da criança. Assim, foram selecionados pela equipe da construção dos instrumentos de avaliação alguns aspectos para serem observados e descritos pelas professoras, como aspectos socioafetivos, cognitivos, físico-motores e formação de hábitos.
A equipe de assessores acredita serem fatores que dificultaram a elaboração do parecer descritivo a rotina intensa das professoras; falta de hábito de observar a criança individualmente e no coletivo e registro das observações. Foi possível vislumbrar também que essas dificuldades se dão em função da arraigada concepção quantitativa de avaliação. Também foi percebido pela equipe que no ano de 2015 essas dificuldades estavam sendo superadas por meio da troca de experiências entre as professoras e coordenadores, e o exercício da prática do registro pelos mesmos.
Em 2015, acordou-se pela manutenção da aplicação do Diagnóstico e organização do Portfólio com a incorporação de sugestões de coordenadoras e professoras. Estas últimas foram incorporadas às experiências de formação oferecidas pelos assessores municipais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação ao processo de construção dos instrumentos de avaliação na Diretoria Pedagógica de Educação Infantil no município de Betim, foi possível perceber que sua necessidade surgiu no interior das instituições, corroborando a importância de repensarmos essa temática de modo a atender as especificidades da Educação Infantil.
Percebemos divergências de concepções quanto ao papel da avaliação na Educação Infantil. É essencial que haja um trabalho mais representativo do coletivo de profissionais quando se pretende criar instrumentos avaliativos, que envolva coordenadoras e professoras, visto que esses instrumentos farão parte do cotidiano de trabalho dessas profissionais. Vale ressaltar que esses instrumentos estão sujeitos a revisões sempre que necessário, diante das avaliações do coletivo da Educação Infantil.
Considerando os estudos e as concepções aqui apresentadas, foi possível observar em relação aos instrumentos escolhidos pela equipe de assessores que o Diagnóstico abrange uma avaliação cognitiva da criança, partindo de uma concepção mais objetiva de avaliação. O Diagnóstico privilegia apenas um aspecto do que é possível ser avaliado. No formato aplicação e periodicidade ele não se diferencia do que é aplicado na etapa do Ensino Fundamental. Suas atividades e habilidades selecionadas representam a expectativa de aprendizagem correspondente à faixa etária aplicada. Por outro lado, possibilita à professora subsídios para o planejamento de atividades, observar o alcance das habilidades esperadas, conforme Referencial Político Pedagógico de Betim (2008) e planejar intervenções necessárias.
O Portfólio, por sua vez, por considerar os aspectos socioafetivos, físico-motores, cognitivos e formação de hábitos, possibilita outras informações sobre a criança em relação ao seu desenvolvimento. Assim, fundamenta-se em uma concepção de avaliação mais processual e subjetiva. Consequentemente, mais propostas de intervenção podem ser elaboradas pela professora, sendo instrumento de acompanhamento no qual as atividades ficam arquivadas e que permite maior entendimento por parte da família e da escola.
O processo avaliativo defendido por Jussara Hoffmann (2012, p. 15), em uma concepção mediadora, baseia-se em planejar atividades práticas pedagógicas, redefinir posturas, reorganizar o ambiente de aprendizagem e outras ações, com base no que se observa, citando como instrumentos que fazem parte desse processo os pareceres descritivos, fichas, relatórios, dossiês dos alunos e outras formas de registros ou anotações. Nesse sentido, entendemos que a busca por instrumentos de avaliação para o aprimoramento da prática é necessária, e o município de Betim está construindo um caminho.
Contudo, é possível concluir que este estudo reafirma a necessidade de se discutir o processo e práticas de avaliação na Educação Infantil, para que de fato, as ações e intervenções de professoras e gestoras possam contribuir para processos adequados à Educação Infantil.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, D. L. V. Avaliação na Educação Infantil – o processo de construção de instrumentos de avaliação desenvolvido pela Secretaria Municipal de Betim. Monografia (Especialização em Educação Infantil). Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais: Belo Horizonte, 2015.
BETIM. Secretaria Municipal de Educação. Referencial Político Pedagógico de Betim. Educação Infantil, 2008
BRASIL. Lei n. 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1996.
_____. Ministério da Educação. Resolução CEB/CNE n. 05/09, de 18 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 2009.
HOFFMANN, J. Avaliação e Educação Infantil: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 2012.
MORO, C.; VIEIRA, L. F. Qual o papel da avaliação na Educação Infantil? O Jornal do Alfabetizador, n. 40, p. 3, 2014.
MORO, C.; NEVES, V. F. Avaliação na Educação Infantil: um debate necessário. Estudos em Avaliação Educacional. São Paulo, v.24, n. 55, p. 272-302, 2013.
ROSENBERG, F. Políticas de Educação Infantil e avaliação. Cadernos de Pesquisa, v.43, n.148, p.44-75, 2013.
SACRISTÁN, J.; GIMENO, G.; PEREZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. Trad. Ernani Fonseca Rosa, Porto Alegre: Artmed, 1998.
ARAÚJO, Daniela Lacerda Vitório, NASCIMENTO, Cecília Vieira. Construção de instrumentos de avaliação na Educação Infantil. (Belo Horizonte, online) [online]. 2017, vol.2, n.3. ISSN 2526-1126. http://pensaraeducacao.com.br/rbeducacaobasica/wp-content/uploads/sites/5/2019/05/3-CONSTRUÇÃO-DE-INSTRUMENTOS-DE-AVALIAÇÃO-NA-EDUCAÇÃO-INFANTIL.pdf