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Experimentação na abordagem da Cinética Química e Catálise

ticiane da rosa osorio

Ticiane da Rosa Osório

Licenciada em Ciências da Natureza pela Universidade Federal do Pampa e atualmente mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ensino na Universidade Federal do Pampa.

E-mail: ticianidp@gmail.com

vitor garcia stoll

Vitor Garcia Stoll

Licenciado em Ciências da Natureza pela Universidade Federal do Pampa e atualmente mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ensino na Universidade Federal do Pampa.

E-mail: vitorgarciastoll@gmail.com

Marcio Martins

Marcio Marques Martins

Professor no Programa de Pós-Graduação Mestrado em Ensino da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA

E-mail: marsjomm@gmail.com

INTRODUÇÃO

Nos últimos 60 anos, diversos movimentos e acontecimentos, no Brasil, levaram a renovações e reformulações no ensino de Ciências, com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem dos estudantes de todos os níveis de escolarização. A partir da década de 1960, emergiram as pesquisas e a popularização dos laboratórios didáticos e as práticas experimentais foram implementadas, em especial nos níveis básicos de ensino. Entretanto, mesmo com a inserção das experimentações nos diversos âmbitos escolares, percebeu-se, na época, que os modelos adaptados dos projetos internacionais não eram adequados à realidade no cotidiano brasileiro (NARDI, 2005).

Na atualidade, há diversas ferramentas de aprendizagem que permitem aos professores de Ciências ultrapassarem o modelo tradicional de ensino, muitas vezes, apoiado somente na utilização do quadro, livros didáticos e memorização, tendo a experimentação como uma dessas ferramentas. Apesar de nem todas as escolas possuírem laboratórios específicos para desenvolver tais atividades, existem inúmeras formas experimentais que podem ser realizadas com materiais alternativos.

Salientamos de antemão que se deve ter cautela na obtenção de dados relacionados ao uso dos materiais que aqui serão mencionados, pois, dependendo da atividade em questão, os resultados podem ter margem de erros. É preciso, por exemplo, ter cuidado ao tratar quantitativamente os experimentos que utilizam reagentes impuros, pois a presença de contaminantes ou outras substâncias na mistura pode mascarar os resultados. É mais seguro afirmar que os experimentos realizados com reagentes caseiros produzem resultados de maior caráter qualitativo. Logo, cabe ao professor a atitude de desenvolver a experimentação, utilizando dos meios possíveis e espaços ofertados pela escola. Para que esse tipo de ensino seja instituído no contexto de sala de aula, é necessário que a gestão escolar proporcione e incentive os professores e estudantes a práticas condizentes com a estrutura da escola.

Nesse contexto, um estudo realizado por Nanni (2004) argumenta que, em grande parte das escolas, os componentes curriculares da área de Ciências da Natureza (Química, Física e Biologia) ainda são desenvolvidos de forma expositiva e memorizada, centrados nos saberes do professor, descontextualizados e sem relação com o cotidiano dos estudantes. Esse tipo de ensino leva às aprendizagens mecanicista e não significativa. A proposta desenvolvida pelo autor preconiza o ensino focado na investigação e na construção de conhecimentos que podem se tornar significativos.

Para alguns professores e estudantes, ainda existe uma confusão no que se refere aos termos: experiência, experimento e atividade prática. Assim, faz-se necessário distingui-los e esclarecê-los. Por exemplo, o conceito atribuído ao termo experiência é considerado polissêmico. Nesse caso, é preciso observar em qual acepção da palavra o termo será tomado, já que, em diversas vezes, o seu emprego na filosofia e na psicologia está ligado a alguma situação já vivenciada, ou seja, “experiência de vida”. Nesse contexto, considera-se que a experiência seja um conjunto de vivências e conhecimentos individuais ou específicos acumuladas pela humanidade ao longo dos anos (ROSITO, 2008).

Quanto ao termo experimento, para Rosito (2008, p. 196), significa “[…] ensaio científico destinado à verificação de um fenômeno físico. Portanto, experimentar implica pôr à prova; ensaiar; testar algo”. No ensino de Ciências, grande parte da utilização dos experimentos na sala de aula restringem-se em torno da comprovação de alguma teoria científica.

As atividades práticas, por sua vez, serão ser entendidas segundo a concepção de Hodson (1994): como qualquer atividade e / ou trabalho em que os estudantes possam se tornar agentes ativos, saindo da posição passiva e receptora do novo conhecimento.

A começar do pressuposto de que as aulas práticas envolvendo experimentação favorecem a compreensão, entendimento e reflexão sobre os fenômenos cotidianos, Oliveira (2010) lista algumas vantagens da utilização destas para o ensino de Ciências, como motivar, desenvolver, estimular a atenção dos estudantes e as atividades grupais, aprimorar a capacidade criativa e a iniciativa pessoal, proporcionar a reconstrução de conceitos científicos com a finalidade de relacionar Ciência, Tecnologia e Sociedade, entre tantos outros objetivos.

Rosito (2008, p. 197) aponta outra contribuição importante das aulas práticas, a aproximação entre professor e estudante, pois “[…] proporciona, em muitas ocasiões, a oportunidade de um planejamento conjunto e o uso de estratégias de ensino que podem levar a melhor compreensão dos processos das ciências”.

Além dos aspectos mencionados, Moura (2004) argumenta ainda que a unificação de atividades experimentais com a teoria no ensino de Ciências da Natureza funciona como um facilitador do entendimento do novo conhecimento, já que alia teoria e prática. Esse tipo de recurso possibilita que o estudante reformule e organize os novos conhecimentos científicos.

Dessa forma, partindo de todas as considerações acima listadas e entendendo que um dos principais papéis do ensino de Ciências é promover aos estudantes a oportunidade de refletir, entender e reconstruir os saberes por meio da compreensão e interação de diversas possibilidades, formulou-se a oficina “TIC e o Ensino de Ciências: Atividades experimentais para a abordagem do tema Energia”. Este trabalho apresenta o recorte dos resultados do Experimento I, realizado com vinte acadêmicos de segundo semestre do Curso de Ciências da Natureza – Licenciatura (CNL), da Universidade Federal do Pampa – Unipampa, Campus – Dom Pedrito, RS – Brasil. Objetivou-se, nessa oficina, entender o processo de Cinética e Catálise das reações químicas por meio da experimentação por investigação, envolvendo a enzima catalase neste processo.

METODOLOGIA

Para a abordagem metodológica optou-se pela experimentação por ser uma ferramenta pedagógica que auxilia os estudantes a estabelecerem uma relação entre teoria e prática. Utilizou-se a experimentação por investigação na qual o experimento é realizado para dar início à aula, anteriormente à teoria, o aluno torna-se, nesse sentido, protagonista do processo de ensino e aprendizagem (AZEVEDO, 2004).

De acordo com Rosito (2008), na experimentação por investigação o professor é o mediador do conhecimento e os estudantes são estimulados a buscar informação, formular hipóteses, fazer observações e realizar os procedimentos. Por esses motivos, no início da intervenção, os estudantes receberam os seguintes materiais: rodelas médias de batata inglesa, placas de petri, béqueres, água oxigenada volumes 20 e 30 e luvas de silicone.

A escolha desse experimento deve-se a sua fácil realização, baixo custo e materiais de fácil acesso. Além disso, alguns materiais podem ser substituídos por itens do cotidiano, como as placas de petri por pratinhos descartáveis e os béqueres por copinhos dosadores utilizados na culinária. Apesar desse experimento oferecer baixo risco aos estudantes, foram adotados os procedimentos de segurança necessários.

Com o problema de pesquisa “Por que o peróxido de hidrogênio sofreu alteração no seu estado físico e químico ao entrar em contato com a batata?”, os acadêmicos realizaram o experimento em grupos, formularam as hipóteses, pesquisaram a solução por meio de dispositivos móveis e consultas aos colegas e socializaram oralmente com o grande grupo os resultados. Posterior à socialização, os pesquisadores direcionaram a discussão com foco na enzima catalase e na Cinética e catálise das reações químicas.

Para o levantamento dos dados, ao final da oficina, aplicou-se um questionário aberto, composto pelas seguintes questões: 1) Qual o objetivo da atividade?; 2) Quais componentes curriculares foram envolvidos?; 3) Qual a relação da atividade com o tema Energia? De que modo se apresenta?; e 4) O que aprendi com esta atividade experimental?

A exploração dos resultados foi realizada qualitativamente, que, de acordo com Gil (2002, p. 133), define-se como “[…] uma sequência de atividades, que envolve a redução dos dados, a categorização desses dados, sua interpretação e a redação do relatório”.

Inicialmente foi feita a leitura dos questionários e transcritas as respostas no programa Microsoft Excel, pelo qual criou-se uma base de dados para análise. Cada sujeito da pesquisa foi identificado por caracteres alfanuméricos (L-1, L-2, L-3… L-23), a letra “L” corresponde à palavra licenciando e o numeral uma maneira de substituir o nome. Para a interpretação dos dados, foram criados gráficos, esquemas e frases que destacam e sintetizam os resultados da pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A pesquisa foi realizada com os acadêmicos do segundo semestre da CNL, turma composta por 20 sujeitos (14 mulheres e seis homens) com idades compreendidas entre 17 e 44 anos.

No que tange à atividade experimental “Batata Oxigenada”, foi solicitado, ao final do experimento, que descrevessem “Qual era o objetivo da atividade?”. Foram elencados três verbos pelos acadêmicos: “observar”, “verificar” e “entender”. Todos os objetivos foram relacionados à proteína catalase: observar a ação da catalase (4); verificar a reação química da catalase (5), entender o que é a enzima catalase (7) e não responderam (4). Tais resultados demonstram que a maioria dos graduandos compreendeu a intenção do experimento, uma vez que, por ser investigativo, tinham autonomia para direcioná-lo.

A segunda questão, “Quais os componentes curriculares envolvidos nesta atividade experimental?”, teve como intuito perceber quais disciplinas os acadêmicos atribuíam ao experimento. Verificou-se com isso que nove (45%) dos acadêmicos identificaram os componentes curriculares de Biologia e Química. Ao passo que cinco (25%) indicaram as disciplinas de Biologia e Física. De modo semelhante, cinco (25%), perceberam a integração de Química, Física e Biologia no desenvolvimento do experimento. Um (5%) acadêmico identificou apenas o componente curricular de Química. Percebe-se, assim, que grande parte das respostas (95%) identificou o experimento como interdisciplinar.

O termo interdisciplinaridade, segundo o dicionário Priberam[2] (2018), vem ao encontro das respostas dos acadêmicos, pois este “[…] implica relações entre várias disciplinas ou áreas do conhecimento; e / ou que é comum a várias disciplinas”. Por meio das respostas aos questionários, verificou-se que os participantes da pesquisa percebem as relações entre os componentes curriculares ao qual o curso estrutura-se.

A questão três, “Qual a relação da atividade com o tema Energia?”, buscava entender as concepções dos acadêmicos a respeito da Energia predominante na sua estrutura cognitiva, não restringindo, assim, a uma determinada forma de energia. No Gráfico 1, serão mostrados os resultados da análise dessa questão.

Gráfico 1 – Respostas da questão 4

Fonte: nossa autoria (2019).

Encontraram-se quatro categorias emergentes para facilitar o processo de análise. Percebeu-se que todas as respostas dos acadêmicos podem ser consideradas corretas, já que após a realização do experimento os proponentes da oficina realizaram uma explanação do fenômeno ocorrido. Assim, foi exemplificado na lousa a reação química, envolvendo o peróxido de hidrogênio:

Ressaltando que a energia envolvida nesse processo é a energia de ativação que interfere na cinética química dessa reação de decomposição da água oxigenada em água e oxigênio [categoria “cinética e catálise das Reações Químicas”]. No caso do Experimento 1, explicou-se também sobre a ação da enzima catalase [categoria “energia aplicada para catalisar a batata”], fazendo com que o processo da reação química na batata em contato com o peróxido de hidrogênio fosse acelerado [categoria “para acelerar a enzima catalase”].  A entalpia, a entropia e a energia livre de Gibbs (soma das duas anteriores) fazem parte desse processo de reação química, e a catalase faz com que a energia de ativação seja reduzida e, dessa forma, acelere a velocidade de reação. A velocidade de reação está ligada à energia livre, de Gibbs, por isso que uma redução nesse tipo de energia implica um aumento na constante de velocidade de reação, o que se traduz como uma aceleração da reação.

Na ausência de um catalisador, as substâncias químicas reagentes podem reagir lentamente, pois, para que isso aconteça, é necessário que os reagentes quebrem ligações e formem novas ligações com outros átomos presentes nos reagentes. Esse processo envolve colisões efetivas entre moléculas com certa energia cinética mínima (Energia de ativação) e orientação espacial correta das moléculas participantes.

Sete respostas (35%) citaram a Energia cinética das espécies participantes das reações químicas. O L-5 destaca que “[…] através das explicações pude perceber que o experimento também abordava o conteúdo de energia cinética”. O L-1 explicita que “[…]a energia cinética estuda a rapidez das reações, porque, quando eu coloquei água oxigenada fator 30, a batata espumou mais rápido que com o fator 20”.

Duas respostas (10%) destacam a importância da utilização da experimentação no ensino de Ciências da Natureza. O acadêmico L-7 relatou que aprendeu “[…] uma forma simples de demonstrar o uso de um catalisador”, e o L-16 “[…] uma forma didática de demonstrar energia cinética numa reação química”. Isso corrobora o que observa Giordan (1999), a experimentação desperta interesse nos alunos, contribuindo para um caráter motivador, lúdico e vinculado aos sentidos. Complementarmente, Rosito (2008, p. 196) destaca que, no ensino de Ciências, essas atividades “[…] não devem ser desvinculadas das aulas teóricas, das discussões em grupo e de outras formas de aprender”, pois experimentar implica pôr à prova, confirmar ou refutar um fenômeno físico.

Tais resultados demonstram indícios de que a experimentação auxiliou no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que a maioria dos estudantes destacou corretamente a ação da enzima catalase e / ou a Energia de ativação e cinética da reação presente nas reações químicas.

CONCLUSÃO

Pela realização dessa oficina, observaram-se alguns aspectos que evidenciaram a autonomia e a liberdade dos acadêmicos delinearem o aprendizado por meio da experimentação. Percebeu-se também entusiasmo e interação no decorrer da oficina, pois o experimento não tinha um roteiro pronto como de costume, apenas era disponibilizado os materiais e os próprios alunos deveriam construir esse roteiro, em consonância com as ideias do grupo. Ao elencaram os objetivos da atividade (questão 1), todos a relacionaram à proteína catalase, comprovando que, mesmo sem ter um roteiro experimental, compreenderam o objetivo da proposição.

Na questão 2, percebeu-se que 95% compreenderam que havia interdisciplinaridade na atividade experimental. Isso demarca um aspecto positivo, visto que é o foco do curso de CNL. Contudo, ao serem indagados sobre os componentes englobados na atividade, 25% citaram, equivocadamente, a Física.

Na questão 3, eles demonstraram que compreenderam a relação do experimento com o tema Energia, pois, nas categorias emergentes, responderam que ela era aplicada para acelerar a reação por meio da enzima presente na batata.

Na questão 4, afirma-se o entendimento do conceito de Energia de reação e a de ativação do complexo ativado, relacionado ao experimento, porque, em resposta ao questionamento, muitos relataram sobre a atuação do peróxido de hidrogênio e a Energia a cinética química estudada nas reações químicas (40% discorreram sobre a ação da enzima catalase presente na batata quando em contato com a água oxigenada, e 35% citaram a Energia cinética presente nas reações químicas).

Diante do exposto, conclui-se que a utilização do experimento “Batata oxigenada” favoreceu a compreensão da atuação da enzima catalase, envolvendo a cinética nas reações químicas, já que a maioria dos acadêmicos entenderam as relações entre o experimento e o fenômeno estudado.

Por fim, ressalta-se também que realização de aulas que aliam teoria e prática levam em consideração a autonomia e a participação dos envolvidos. Além disso, essas aulas podem ser desenvolvidas em diferentes espaços e não necessitam exclusivamente de aparatos laboratoriais, o que facilita sua reprodução em instituições, escolas e ambientes de ensino que não possuem laboratórios especializados.

 

 

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, M. C.P. S. Ensino por investigação: problematizando as atividades em sala de aula. In: CARVALHO, A.M.P. (org.) Ensino de Ciências. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. p.19-33. 2004.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

GIORDAN, M. O papel da experimentação no ensino de ciências. Revista Química Nova na Escola, n. 10, p. 43-49, nov. 1999.

HODSON, D. Experimentos na ciência e no ensino de ciências.Educational Philosophy and Theory, v. 20,p. 53 – 66, 1988.

MOURA, T. M. M. A prática pedagógica dos alfabetizadores de jovens e adultos: Contribuições de Freire, Ferreiro e Vygotsky. Ed. 3, Maceió: EDUFAL, 2004.

NANNI, R. A Natureza do Conhecimento Científico e a Experimentação no Ensino de Ciências. Revista Eletrônica de Ciências, São Carlos, n. 26, 2004.

NARDI, R.A área de Ensino de Ciências no Brasil: fatores que determinaram sua constituição e suas características segundo pesquisadores brasileiros. 2005. 166 f. Tese (Doutorado). Faculdade de Ciências, Bauru, 2005.

OLIVEIRA, J. R. S. Contribuições e abordagens das atividades experimentais no ensino de ciências: Reunindo elementos para a prática docente. ActaScientiae, Canoas, v.12. n. 11, p. 139-153, jan/jun, 2010.

ROSITO, B. A. O ensino de ciências e a experimentação. In: MORAES, Roque (Org.). Construtivismo e ensino de ciências: reflexões epistemológicas e metodológicas. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 195-208.

[1]  Este trabalho contou com o apoio financeiro da FAPERGS.

[2]Dicionário Priberam: “interdisciplinar”. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/interdisciplinar>. Acesso em: 27 mar. 2019.

Imagem de destaque: Vitor Garcia Stoll

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