Giselda Garrett Vasconcellos

Educação como direito fundamental de natureza social

Foto Daniela Mouroz

Daniela Moura Queiroz

Possui graduação em PEDAGOGIA pela UNICAP (2002), mestrado em Ciências da Religião pela UNICAP (2009), especialista em Metodologia do Ensino Superior e Psicopedagoga Clínica e Institucional. Atualmente é Analista em gestão educacional – Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco E docente da Faculdade Damas da Instrução Cristã. Tem experiência na área de Educação com análise de resultados e possíveis intervenções.

E-mail: daniela.mouroz@gmail.com

INTRODUÇÃO

Rousseau (1973) em seu livro “O Contrato Social”, o qual é considerado de grande valia na filosofia política, fala do “pacto social” respaldado na “direção suprema da vontade geral”, que ocorre pela soberania e pela legislação, para assim, manter a ordem social e a liberdade civil.

O Brasil é um “Estado democrático de direito e tem como fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político”, conforme artigo 1.° da Constituição, inciso III. Ressalta-se ainda mais, no artigo 170, inciso VI, a “redução das desigualdades regionais e sociais”. Em outras palavras, a educação deve ser tratada como prioridade e nem todos conhecem as implicações práticas da enunciação na Constituição, sendo o direito à educação um direito fundamental de natureza social.

Percebe-se, no “pacto social”, a importância da Educação formal na Sociedade e o quanto a educação precisa ser tratada como fundamental e prioritária pelos governantes pois, a constituição fala em cidadania, em dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo político, além da redução das desigualdades regionais e sociais. Entretanto, a oferta da educação básica escolar no Brasil, conforme os dados do abandono escolar (IBGE, 2017), não atende a permanência e o bem-estar tão necessários na construção da sociedade. Nesse contexto, qual a compreensão da Educação em sua natureza jurídica, sendo ela um direito inalienável e um elemento constitutivo?

 A presente pesquisa descritiva tem como objetivo demonstrar o regime jurídico de proteção do direito à educação, sendo ele direito fundamental de natureza social contribuindo para uma reflexão sobre a ampliação das suas possibilidades e do bem-estar na sociedade.

EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL DE NATUREZA SOCIAL

 Rousseau (1973) nos colocou o seguinte questionamento: como preservar a liberdade natural do homem e, ao mesmo tempo, garantir a sua segurança e o seu bem-estar na sociedade? Conforme a sua reflexão, seria possível através do contrato social, a soberania da sociedade, a política do interesse coletivo.

Com isso, não há como esvaziar a natureza jurídica dos direitos sociais. Com a Constituição Federal de 1988, na definição dos princípios, objetivos e fundamentos do Estado social e democrático de direito, houve um avanço no campo dos direitos fundamentais, se destacando por um regime jurídico diferenciado. Após um longo regime de ditadura foi produzido o processo de redemocratização do país.

O direito social à saúde, à educação, ao trabalho, entre outros, são direitos de todos que residem no território brasileira, conforme a constituição. Entretanto, houve necessidade de proteger tais direitos, destacando principalmente o Ministério Público pela Carta Magna, que vem atuando para garanti-los. Ressalta-se a inovação trazida ao artigo 5º da Constituição Federal atribuindo a aplicabilidade imediata às normas definidoras de direitos e garantias fundamentais.

No artigo 6.º da Constituição Federal de 1988 a educação é um direito fundamental de natureza social e o artigo 205 diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A temática implica uma discussão sobre o processo de construção igualitária de uma sociedade democrática e justa, no momento em que se concebe a educação como direito inalienável a todos os seres humanos, portanto, deve ser ofertado a todas as pessoas. A educação não é apenas direito da pessoa, mas é elemento constitutivo.

Entretanto, em 2016, cerca de 66,3 milhões de pessoas de 25 anos ou mais de idade (ou 51 % da população adulta) tinham concluído apenas o ensino fundamental. Além disso, menos de 20 milhões (ou 15,3 % dessa população) haviam concluído o ensino superior. A desigualdade na instrução da população tem caráter regional: no Nordeste, 52,6 % sequer havia concluído o ensino fundamental. No Sudeste, 51,1 % tinha pelo menos o ensino médio completo. Ainda entre a população com 25 anos ou mais, no Brasil, apenas 8,8 % de pretos ou pardos tinha nível superior, enquanto para os brancos esse percentual era de 22,2 %. O nível superior completo era mais frequente entre as mulheres (16,9 %) do que entre os homens (13,5 %). A taxa de analfabetismo no país foi de 7,2 % em 2016 (o que correspondia a 11,8 milhões de analfabetos), variando de 14,8 % no Nordeste a 3,6 % no Sul. Para pessoas pretas ou pardas, essa taxa (9,9 %) era mais que duas vezes a das brancas (4,2 %). Entre as pessoas de 60 anos ou mais de idade, a taxa de analfabetismo chegou a 20,4 %, sendo 11,7 % para os idosos brancos e 30,7 % para os idosos pretos ou pardos. (IBGE, 2017).

Contudo, diante do contrato social (ROUSSEAU) e da “Educação como direito fundamental de natureza social”, os dados do IBGE apresentam dificuldades em seu cumprimento, sendo por intermédio da educação que se inicia o exercício adequado dos demais direitos sociais, políticos e civis.

 A EFETIVIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO

No mais, onde se proclama a educação como direito de todos, não se pode negar a diferença significativa entre direitos proclamados e direitos efetivados. Uma coisa é anunciar esse direito, outra é desfruta-lo efetivamente. Não é preciso fundamentar os direitos do homem, mas protege-los. Para se proteger não basta apenas proclamá-los.

No Brasil, as políticas públicas de ampliação do acesso à escola precisam ter medidas efetivas de permanência e qualidade no ensino. A universalização do acesso à escola deve corresponder à oferta de educação de qualidade. No entanto, não é causa de esvaziamento à obrigação da educação como direito a todos, e por ela se assegura a plena realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. O Estado deve proteger, promover e realizar a concretização de uma vida digna para todos!

Nisso, o fato é que o Estado está vinculado a ter como meta permanente “a proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos” (SARLET, 2012, p.131). Cabe aos Estados da Federação adotar medidas, em seu orçamento, para executar avanços concretos em prazos reais. A progressividade cria empecilho ao próprio retrocesso na política social do Estado, ao alcançar proteção aos respectivos direitos não pode retroceder, sempre ascender!

 A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

 Ao analisar a realidade brasileira, o Estado necessita rever o papel dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para que cada um deles tenha melhor desempenho para a realização do Estado Social.

A Constituição brasileira de 1988 é uma Constituição Dirigente, e os direitos fundamentais sociais constituem a maior parte das normas pragmáticas inseridas no texto constitucional. Sendo os direitos sociais tarefa do Estado, a fim de que eles sejam realizados, formularam-se princípios para haver progressividade em sua realização. Princípios da máxima otimização, da reserva do possível e da vedação do retrocesso social.

Regulamentados os direitos sociais dependentes de legislação, deve haver um mecanismo que proteja estas disposições para se obter segurança jurídica e a efetivação desses direitos. O princípio da proibição de retrocesso visa garantir os direitos já conquistados para seguir na efetivação de outros direitos. Relativamente à conexão entre a Constituição e as tarefas atribuídas por ela ao Estado indica que não cabe mais à Constituição fixar políticas públicas ao Estado, mas, traçar seus fins e objetivos.

A Lei das Diretrizes e Bases da educação brasileira (LDB), sob o n.° 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996, em seu artigo primeiro apresenta “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade e nas manifestações culturais”, tendo como objetivo “o desenvolvimento pleno do educando, sua preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Nos direitos constituídos a Carta Magna no artigo 205 diz: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família”. O país em seu texto legal garante a educação básica, a qual forma o cidadão.

Por fim, aos Direitos Fundamentais soma-se o Estatuto da Criança e do Adolescente  (ECA), através da lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, em que no capítulo IV do artigo 53, se lê que “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania”. Com o ECA, o Estado passou a ter mais obrigações diante da criança e do adolescente, principalmente dos menos favorecidos, sujeito de direito social.

 A EDUCAÇÃO E O BEM-ESTAR NA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA

 Retomando ainda o “contrato Social” de Rousseau (1973), após o homem ter perdido a sua liberdade natural, precisou ganhar a sua liberdade civil, sendo o contrato um mecanismo para isso. E o povo seria parte como agentes ativos e passivos deste contrato, como agentes de construção das leis e de cumprimento delas. Sendo assim, um pacto legal onde não haveria vontade particular, diante da condição de igualdade entre todos.  Sendo assim, o povo seria o soberano e o Estado, em suas ações, devem ser dadas em nome da soberania do povo.

Nesse sentindo, é louvável todos os protocolos de intenções e declarações nos acordos referentes à ampliação e a garantia do direito à educação e os avanços ocorridos. Porém, vale refletir sobre a educação no Brasil e a marca histórica da exclusão, reforçadora de desigualdade social, desde a colonização. O quadro da desigualdade social no Brasil permanece e apresenta uma complexa rede de relações sociais e políticas de dominação e, exploração econômica vivenciada.

A educação é Direito Fundamental de Natureza Social, no Brasil, ela se apresenta em um abismo social, conforme dados do IBGE (2017) , onde 51% em 2016 dos estudantes concluíram o Ensino Fundamental no Brasil, realidade que inibe o surgimento de cidadão mais efetivo na participação social. A educação ofertada e as condições sociais e econômicas levam muitos estudantes ao abandono, tornando consequências severas ao crescimento do país.

Nesse cenário, refletindo sobre o princípio da justiça social, a equidade nos fala do respeito às diferenças para igualdade de oportunidades na sociedade. Ou seja, quanto mais desigual, sócio e economicamente, seria propício uma melhor e maior oportunidade de ascensão através da educação.

No artigo 205 da Constituição Federal, reconhece-se claramente a educação como um direito de todos, ou seja, a sua universalidade, direitos que devem ser prestados sem preconceitos sejam com a origem, raça, sexo, cor, idade, ou qualquer forma de discriminação. O objetivo dos direitos sociais é reduzir as desigualdades da sociedade de classe.

Na educação, se reconhece a equidade em busca dessa igualdade. A equidade necessária vem ponderar a qualidade em garantir a inserção do sujeito na sociedade. E retomando, o “contrato social” (ROUSSEAU, 1973) no uso da liberdade civil, a equidade na educação reconhece que todos podem aprender pois, a educação que busca a equidade faz com que os estudantes desenvolvam as suas habilidades esperadas, independentemente de suas diferenças pessoais, culturais ou mesmo, socioeconômicas. A Equidade é inclusão social.

Com isso, diante do “contrato social” (ROUSSEAU, op. cit.) no uso da liberdade civil para construção de uma sociedade igualitária e, da realidade apresentada conforme os dados do IBGE (2017), a maior meta educacional deve ser a de garantir a igualdade de oportunidade, perante os desiguais, sem possibilidades do retrocesso social, orientando o estudante para uma autonomia e uma melhor participação social. Como nos diz Paulo Freire (2004; 2006) só se pensa educação a partir daquilo que é fundamental à vida dos seres humanos, ou seja, consciência do inacabamento. Consciência que leva o ser humano à busca processual e permanente de si mesmo, isto é, seguir na direção de se humanizar.

Contudo, essa lógica “educação como direito fundamental de natureza social: a problemática da concretização dos direitos fundamentais pela administração pública moderna” é desafiada pela lógica do bem-estar na sociedade. No Brasil, a igualdade de acesso à escola não está garantindo bem-estar ao estudante e as políticas públicas de inclusão social precisam promover o sucesso dos estudantes perante a estratificação social. No mais, a educação como direito inalienável a todos os seres humanos, deve ser bem ofertado a todas as pessoas.

CONCLUSÃO

Rousseau (1973) em seu livro “O Contrato Social”, ressaltou-se o “pacto social” respaldado na soberania e na política do interesse coletivo para assim, manter a ordem social, a liberdade civil e o bem-estar na sociedade. Para isso, o direito à educação ocorreria se todos conhecessem as condições e o valor do conhecimento para um bom desenvolvimento pessoal e social. O que nem sempre ocorre no terreno das escolas, nem nos sistemas a elas aplicados.

Nesse sentido, quando se fala em justiça social pensa-se em garantir um mínimo de recursos e proteção aos desfavorecidos, a justiça no sistema escolar pode ser medida pelo modo como são tratados os mais fracos e não por uma criação de competitividade. Educar é abranger não apenas assuntos educativos, pelo contrário, está atrelada a políticas públicas. Ao se falar de educação e políticas públicas, torna-se fundamental destacar os aspectos legais que devem assegurar a boa educação para todos!

Portanto, o desafio do presente artigo foi delinear o regime jurídico de proteção do direito à educação, direito fundamental de natureza social, contribuindo para a ampliação das possibilidades de sua realização. A temática implicou uma análise sobre onde está a ordem social e a liberdade civil, no processo de construção igualitária de uma sociedade democrática e justa, que precisa promover o bem-estar. E, no momento em que se concebe a educação como direito inalienável a todos os seres humanos, deve ser bem ofertado a todas as pessoas.  Tais direitos estão regidos pelos princípios da máxima otimização, da reserva do possível e da vedação do retrocesso social.

 

 

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:  Paz e Terra, 2004. (Coleção Leitura).
Contínua 2016:  51  % da população com 25 anos ou mais do Brasil possuíam apenas o ensino fundamental completo. Agência IBGE notícias. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo> Acesso em: 14 nov. 2018.

ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato social. Tradução: Lourdes Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

Imagem de destaque: Giselda Garrett Vasconcellos

This Post Has One Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *