CENSURA

A Educação Física escolar nos “anos de chumbo”: a visão de ex-alunos da cidade de Campina Grande-PB

vinicius frederico

Vinícius Frederico de Oliveira Silveira

Me chamo Vinícius Frederico, conclui o Ensino Médio no Petrônio Colégio e Curso (2019). Sou graduado em Licenciatura em Educação Física, pela Universidade Estadual da Paraíba (2023), desenvolvendo investigação na linha de pesquisa sócio-histórica da Educação Física (2022), com atenção principal sobre os reflexos da ditadura no ensino e no ambiente escolar. Atualmente, sou mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), desenvolvendo pesquisa na “Linha 1- História, Política e Gestão Educacional”, e também vinculado ao Grupo de Pesquisa em Política e Gestão Educacional (GPPGE). Durante a graduação participei do Programa de Extensão Laboratório Pedagógico – Saúde, Esporte e Lazer (LP-SEL), como aluno extensionista bolsista (2022). Além disso, fui monitor bolsista do componente curricular “Avaliação em Educação Física” (2023) e estagiário bolsista do Conselho Regional de Educação Física – CREF10/PB (2023).

E-mail: viniciusfredzo13@gmail.com

Um dos episódios mais marcantes da história do Brasil foi a implementação do Regime Militar no controle do Estado, cujo período foi marcado por forte repressão e autoritarismo. Esse evento-chave que chegou a durar 21 anos, caracteriza-se pela inibição da participação dos cidadãos nas decisões políticas, ou seja, atos antidemocráticos fundamentaram o governo, e uma das esferas mais atingidas foi a da educação.

No campo educacional, o Regime Militar teve uma forte influência nos modelos educacionais, uma vez que o ensino passou a ser pautado na formação de indivíduos que favorecesse a ideologia produtivista, priorizando e enaltecendo o ensino técnico, e ao mesmo tempo, possuindo uma abordagem autoritária com fins disciplinadores. A educação se tornou um valor econômico, e como defende Castellani Filho (1988) passou a seguir um modelo tecnicista e baseado na Teoria do Capital Humano (TCH). A TCH desenvolvida principalmente por Theodore Schultz se apresentou coerente aos interesses disseminados pelos governantes, de uma educação voltada à produtividade, pois a base dessa teoria é facilmente compreendida como uma melhor capacitação formativa, a construção de uma mão de obra de qualidade, para assim, atender as necessidades do mercado

Dessa forma, a educação passou por algumas alterações para alcançar os objetivos do Estado, principalmente a ascensão econômica, por isso passou a ter um caráter tecnicista e profissionalizante, pois,

Com a industrialização consolidada, a educação foi o meio escolhido para cumprir três funções: divulgar a ideologia do sistema, reforçar um período de bastante repressão, autoritarismo, violência, tortura, perseguissão e divisão da sociedade em classes e manter esta divisão (Nunes, Miguel, 2021, p.6).

Por essa razão, a educação sofreu muita influência do Regime Ditatorial, a ponto de ser colocada como segundo plano e encarada como uma ferramenta para a elevação da economia brasileira. Essa subordinação da educação ao crescimento econômico do país é exposta na seguinte afirmação:

No tocante à questão educacional, os tecnocratas defendiam como pressuposto básico a aplicação da “teoria do capital humano”, como fundamentação teórico-metodológica instrumental para o aumento da produtividade econômica da sociedade (Ferreira Jr; Bittar, 2008, p.11).

Entendendo isso, percebe-se que uma disciplina que passa a tomar um protagonismo importante no cenário educacional desse período foi a Educação Física escolar, pois como defende Oliveira (2002), a disciplina alcançaria o que o Estado exigia, um maior desenvolvimento nas forças de produção e uma maior aceitação popular do governo. Esse desenvolvimento partia de uma educação escolarizada com fins disciplinadores de ordem e de alto rendimento. Isso porque formaria indivíduos patriotas, disciplinados, fortes e saudáveis, tanto para a mão de obra de produção, como também para contar com um maior protagonismo esportivo em campeonatos mundiais, proporcionando assim a propaganda do governo.

A Educação Física escolar no período do Regime Militar fundamentava-se sob a tendência esportivista, que prioriza o alto rendimento dos alunos, a elitização e massificação da prática esportiva. Isso mostra o quanto o cenário político influencia o âmbito educacional, pois era justamente essa lógica que atingiria a formação de atletas de alto nível, que consequentemente, resultaria na obtenção de medalhas olímpicas e títulos em campeonatos mundiais, enaltecendo o slogan “Brasil-potência”, aproximando da realidade dos países desenvolvidos, bem sucedidos economicamente e nos esportes. Além disso, também alcançava o desenvolvimento de um indivíduo forte para servir a pátria, como relata Ghiraldelli Júnior (1991).

Diante do exposto, a pesquisa se desloca para uma investigação sócio-histórica acerca da disciplina, que fundamenta-se em uma análise do contexto político da época e sua relação com a educação e, especificamente, a Educação Física. Dessa forma, foram realizadas entrevistas semi estruturadas com ex-alunos que vivenciaram a sua formação escolar dentro do recorte temporal estabelecido (1971-1974).

Desse modo, a pesquisa busca identificar quais os elementos pedagógicos que se faziam presentes nas aulas, bem como verificar a percepção dos entrevistados que vivenciaram a disciplina durante esse período, descrevendo os significados e valores que eles atribuem à Educação Física, por meio da análise dos seus depoimentos.

Metodologia

O presente estudo trata-se de uma pesquisa de campo de natureza descritiva, pois como defende Gil (2002) ela tem como objetivo principal a descrição das características de um dado fenômeno ou população, que no caso, é descrever sobre o ensino da Educação Física na cidade de Campina Grande-PB, durante o período do Regime Militar, mais especificamente entre os anos de 1971-1974.

Em um primeiro momento foi realizada uma revisão da literatura acerca do tema, cumprindo uma fundamentação teórica necessária para a compreensão do que se deseja analisar. Após essa sondagem, o estudo foi submetido ao comitê de ética da Universidade Estadual da Paraíba, recebendo a sua aprovação e o parecer para que se desse início ao procedimento de coleta de dados com a amostra da pesquisa.

Nesse momento a pesquisa deslocou para o campo, que segundo Gil (2002) é o momento que o pesquisador tem uma experiência direta com o que está sendo estudado. Diante disso, foi delimitado que o instrumento de coleta de dados seriam entrevistas semi estruturadas com ex-alunos da cidade de Campina Grande-PB, que vivenciaram o contexto escolar dentre o período de 1971-1975, entendendo que foi o momento de maior repressão e autoritarismo do regime, e também que foi em 1971 que se estabeleceu o Decreto nº 69.450, de 1º de Novembro de 1971.

Para se chegar até a amostra da pesquisa foi utilizada a plataforma digital “Facebook”, especificamente uma comunidade denominada “Ex alunos do estadual da prata”, na qual se apresentou como uma potencialidade para localizar os primeiros entrevistados. Por meio desse primeiro enquadramento, e utilizando-se do método “bola de neve”, uma técnica de amostragem que nos permite chegar nos demais sujeitos, por meio da indicação dos entrevistados, foi delimitado todo o grupo amostral.

O total dos sujeitos da amostra foi de oito participantes na qual cinco (62,5%) eram do sexo feminino e três (37,5%) do sexo masculino. Com isso, fica claro que a pesquisa possui um caráter quanti qualitativo da análise dos dados, pois no seu objeto de estudo, o interesse não está em quantificar os resultados e sim em identificar e categorizar os significados e valores atribuídos à Educação Física.

Resultados e discussões

Os dados obtidos nas entrevistas foram transcritos e categorizados como forma de facilitar no momento de análise dos resultados. As tabelas apresentam um mapeamento do ensino da Educação Física na cidade de Campina Grande-PB no período dos anos de chumbo (1971-1974), e a análise de caráter quanti qualitativo está presente nas discussões tomadas pelo que foi obtido nos discursos dos entrevistados.

Tabela 01. Conteúdos Aplicados na Educação Física 

Frequência Porcentagem
Exercícios Físicos 7 87,5%
Atletismo 1 12,5%

Fonte: Produzida pelo Autor, 2023.

Como foi relatado anteriormente, o ensino da Educação Física durante o período do regime ditatorial, seguia a lógica da tendência competitivista ou esportivista, e como o próprio nome já diz, a disciplina se sustentou no conteúdo de esportes. Esse estreitamento da disciplina em apenas um conteúdo é reforçado quando afirmam que “[…] a Educação Física fica reduzida ao ‘desporto de alto nível’. A prática desportiva deve ser ‘massificada’, para daí poder brotar os expoentes capazes de brindar o país com medalhas olímpicas” (Ghiraldelli Junior, 1991, p.20)

Os exercícios físicos e o atletismo, sendo compreendido como um esporte de base para todos os outros esportes, confirmam a Educação Física atrelada ao paradigma da aptidão física. A fala da entrevistada 4 situa quais os exercícios que eram propostos nas aulas de Educação Física, quando coloca:

As atividades era com corrida, aqueles exercícios comum de polichinelo, era exercício de movimento de braço, perna, que chama de aeróbico (Entrevistado 4).

Tabela 02. Influência do Regime Militar nas instituições de ensino

Frequência Porcentagem
Existia influência na escola 4 50%
Não existia influência na escola 4 50%

Fonte: Produzida pelo Autor, 2023.

Ghiraldelli Junior (1991) afirma que a Educação Física e o “desporto de alto nível” tinha uma função de atuar como um analgésico no movimento social, pois ocupando a população com isso, iria canalizar as energias e deixar de lado as preocupações com os problemas sociais.

Ao serem perguntados sobre a influência do regime ditatorial, do exército nas suas instituições de ensino, percebe-se que 50% dos entrevistados afirmam que existia sim um certo controle, outros desconhecem a existência de algum mecanismo por parte do regime.

Um exemplo dos mecanismos de controle existentes naquele período se encontra na fala de uma das entrevistadas ao retratar acerca de episódios que acompanhou a sua formação escolar. Essa perseguição fica clara quando ela afirma:

Demais, demais mesmo. Nesse período, se não me engano era Médici onde foi um período terrível em nossas vidas, porque foi uma perseguição grande. Meu pai foi preso, foi torturado […] então, o peso disso na sala de aula era grande para gente, porque é aquela coisa você é filho de comunista, é terrível ser taxado como filho de comunista né […] inclusive eu fui expulsa do São Vicente no período anterior na frente de todos os alunos: [entrevistada cita seu nome], filha de comunista herege, se retire dessa escola porque não lhe cabe aqui” (Entrevistada 8).

Com esse depoimento percebe-se, então, que nas escolas existia, por menor que seja, um controle do exército na formação desses alunos, porém era algo muito censurado, que não se comentava; então muitos dos alunos não percebiam o que estava acontecendo e até os dias atuais desconhecem a natureza dos fatos.

Tabela 03.Metodologia de aula 

Frequência Porcentagem
Prática 8 100%
Teórica 0 0%

Fonte: Produzida pelo Autor, 2023.

Para que se faça mais clara a discussão, é importante entender as dimensões do conhecimento. Darido (2003) defende que o processo de ensino e aprendizagem deve contemplar as três dimensões do conhecimento, sendo elas a procedimental, atitudinal e conceitual. Essa afirmação aponta que o professor, em sua prática pedagógica, deve buscar uma articulação entre essas dimensões, ou seja, o aprender a fazer (procedimental), a entender o que está aprendendo/fazendo, bem como o motivo dessa aprendizagem (conceitual) e por fim, a como relacionar-se neste fazer (atitudinal).

Com os interesses do estado bem definidos em relação à formação dos alunos, a metodologia de ensino não teria como ser diferente, e isso se comprova quando 100% da amostra afirma que as aulas de Educação Física se resumiam apenas à prática, sem que houvesse nenhuma discussão teórica a respeito dos conteúdos.

Tomando a tabela anterior e os depoimentos dos ex-alunos, percebe-se então que o ensino da Educação Física nesse momento se fundamentava apenas sob a perspectiva da dimensão procedimental, e ainda assim, distante de reflexões críticas, teóricas, acerca do que está aprendendo. O ensino era apenas representado no “fazer pelo fazer”, sem consciência alguma do que estava sendo trabalhado, desde o entendimento do porque fazer aqueles exercícios, até mesmo de compreender os esportes desenvolvidos nas aulas, além da pura técnica do “fazer”.

Atletas promissores, uma mão de obra condicionada ao trabalho, e homens fortes para servir a pátria, não exigia da disciplina discussões teóricas, muito menos reflexões atitudinais do que se estava fazendo. Então o campo do “saber fazer” era o que orientava a metodologia das aulas de Educação Física, e apresentava interesses de manutenção do status quo. Analisando os dados obtidos, percebe-se que naquele momento a disciplina “[…] tem como objeto de estudo o desenvolvimento da aptidão física do homem, contribuindo historicamente para a defesa dos interesses da classe no poder, mantendo a estrutura da sociedade capitalista” (Oliveira, 2002, p.59 apud Coletivo de Autores,1992, p.36).

Tabela 04. Quantidade de aulas por semana 

Frequência Porcentagem
Até 1x 1 12,5%
2x 4 50%
3x ou mais 3 37,5%

Fonte: Produzida pelo Autor, 2023

As aulas de Educação Física aconteciam no contraturno, isto é, eram realizadas no horário oposto ao das aulas. Isso acontecia pelo fato das aulas serem somente práticas, e entra a discussão do suor, da euforia dos alunos, já que se priorizava apenas a dimensão procedimental da Educação Física.

O que se percebe pelos dados obtidos é a existência de uma maior frequência de aulas de Educação Física em relação aos dias atuais. Já que nem todos os entrevistados estudavam na mesma instituição, fez-se necessário mapear a quantidade de aulas que cada um deles tiveram nas suas respectivas escolas. Em 37,5% das escolas mencionadas, os alunos tinham mais de três aulas por semana, o que contribui para o posicionamento de Ghiraldelli (1991), que expôs que o funcionamento da frequência acontecia dessa forma, para que se alcançasse uma melhoria significativa no condicionamento físico dos alunos, pois seriam necessários mais encontros para as alterações orgânicas acontecessem, o que é coerente aos objetivos e interesses do Estado durante o Regime.

Tabela 05. Participação de modalidades específicas 

Frequência Porcentagem
Não participava da equipe 3 37,5%
Participava da equipe 5 62,5%

Fonte: Produzida pelo Autor, 2023.

Essa tabela nos evidencia que um dos interesses do Estado sob a Educação Física era o da criação de atletas de alto nível. Com isso, existiam algumas seleções que escolhiam os alunos “mais aptos” para formar as equipes de treinamento de cada esporte, para assim poder participar de competições, e futuramente competir internacionalmente, promovendo uma propaganda do “sucesso” do governo. Foi a partir desse momento que houve a separação da disciplina de Educação Física na rede escolar  (Ghiraldelli Junior, 1991).

Ainda segundo o mesmo autor, ao tratar da dualidade existente no ensino da Educação Física, ele afirma que a disciplina ficou dividida, pois priorizava às elites, já que eram esses alunos que tinham um conhecimento prévio dos esportes e integravam as turmas de treinamento, e por outro lado, os demais alunos que não tinham nenhuma iniciação desportiva, ocupavam as chamadas “turmas normais de ginástica”.

A fala do entrevistado 3 confirma que a Educação Física funcionava como um celeiro de atletas, e o professor desempenhava a função de “olheiro” para que se descobrissem novos talentos esportivos que proporcionasse o enaltecimento do “Brasil-potência”, quando ele fala

Então eram selecionados dentro do decorrer das atividades, o professor tinha uma visão daquele atleta e aí fazia a seleção e tinha um treinamento mais específico (Entrevistado 3)

Tabela 06. Papéis Atribuídos à Educação Física atualmente 

Frequência Porcentagem
Perspectiva biologicista/saúde 6 75%
Perspectiva educacional 2 25%

Fonte: Produzida pelo Autor, 2023.

A vivência dos alunos na Educação Física escolar muitas vezes é a única para o restante da vida, e é fundamental para a construção do pensamento sobre as práticas corporais. O último questionamento levava os entrevistados a refletirem sobre o que entendem sobre a educação física e como ela deve ser atualmente, qual o papel que ela deve desempenhar para a sociedade.

Os resultados obtidos e apresentados na tabela 6 foram divididos em duas categorias, uma que representa uma visão biologicista acerca da Educação Física, na qual os únicos papeis atribuídos pelos entrevistados à disciplina são referentes à promoção de saúde, e de condicionamento físico. E a segunda, alocando aqueles que atribuem valores que ultrapassam essa óptica, e que enxergam na disciplina uma serventia pedagógica, e sócio-educativa, para além do físico. Frizzo e Souza (2019) apontam que esse estreitamento dos vínculos tomados pelo protagonismo da disciplina Educação Física, ao assumir a lógica produtivista do capital, dá legitimidade ao paradigma da aptidão física e da promoção de saúde, reforçando a sua visão biologicista e funcionalista.

A tabela nos mostra que 6 dos entrevistados, o que corresponde a 75% possuem um entendimento tradicional da Educação Física, que talvez tenha se dado pela sua experiência escolar no período ditatorial. Apenas 2 lotam a Educação Física de deveres socioeducativos. Isso se percebe na seguinte fala:

Olhe, a Educação Física, aliás como as outras disciplinas, ela tem um papel fundamental. Tanto na formação teórica de qualquer graduando, quanto que é o papel dela, quanto na vida mesmo, na preservação da saúde, a manutenção da saúde física e mental de todo mundo (Entrevistado 3).

A maioria dos entrevistados ainda apresenta discursos que o único papel da Educação Física é a promoção de condicionamento físico e de saúde. Afirmam que é por meio da prática da disciplina que

vai lhe condicionar de uma forma tanto física quanto orgânica que lhe dá uma condição de vida mais, como eu posso dizer, de uma forma que determina suas atividades do dia-a-dia […] você tem um desempenho mais saudável (Entrevistado 1)

Conclusão

Diante de todos os dados obtidos pela pesquisa, fica claro que a experiência do grupo investigado, no período dos “anos de chumbo” (1971-1974) na cidade de Campina Grande-PB, seguia a lógica nacional exposta pelos autores referenciados, pois a metodologia que orientava as práticas docentes, potencializava o viés produtivista da educação, ideologia disseminada pelos generais-presidentes, juntamente com a bancada empresarial. E a escola se tornou um grande alvo, pois era o ambiente perfeito para educar os futuros “cidadãos” passivos aos interesses de um Estado autoritário a partir da dominação e repressão.

A disciplinarização a que os alunos eram expostos nas escolas se tratava de um mecanismo de controle para formar indivíduos dóceis, isto é, que aceitassem aos padrões estabelecidos pelo Estado, sem contestar e sem resistir a tal normatização do “homem ideal”.

O viés pedagógico da Educação Física e o seu poder sócio-educativo passa a ser melhor enxergado após o movimento renovador da década de 80, pois é com o surgimento das abordagens pedagógicas progressistas que a Educação Física passa a ter outras possibilidades de caminhos separados das amarras do tradicionalismo, esportivismo/competitivismo e tecnicismo que fundamentam toda a trajetória da disciplina, mas que se intensifica durante o Regime Militar.

A pesquisa possibilita compreender que as pessoas que vivenciaram a Educação Física durante o Regime Militar não conseguem localizar na disciplina possibilidades de desenvolvimento formativo fora da esfera fisiológica. Mas isso se torna até compreensível, tendo em vista que durante a sua formação o contato com o componente foi feito dessa forma, enfatizando apenas os benefícios físicos que a prática dos exercícios ordenados iriam proporcionar aos alunos. Essa pedagogia mecanicista, de mera repetição das ordens de um professor, que na verdade mais se aproxima de um treinador, afasta do campo de visão desses alunos a compreensão de uma disciplina que tem como objeto de estudo a cultura corporal, que de forma sistematizada e espiralada, se atinge a produção de consciência social, possibilitando a relação dos conteúdos trabalhados com a realidade, lotando assim de significações o seu cotidiano e sua visão de mundo.

Com o Movimento Renovador da Educação Física, trazendo novas sugestões para o trato pedagógico da disciplina e também o fim da tendência competitivista/esportivista e tecnicista da educação, não significa dizer que a Educação Física escolar se desprendeu dos antigos hábitos que orientavam a sua prática. Por esse motivo, torna-se necessário o desenvolvimento de novos estudos dentro dessa linha temática para que se perceba quais as rupturas e quais as continuidades que estão presentes nas aulas de Educação Física no ambiente escolar.

Referências

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CASTELLANI FILHO, Lino. Educação física no Brasil: a história que não se conta. Papirus Editora. 18. ed. Campinas: 1988.

DARIDO, Suraya Cristina. Educação Física: questões e reflexões na escola. Rio de Janeiro: Guanabara, 2003.

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FRIZZO, Giovanni; SOUZA, Maristela da Silva. Educação física nas diretrizes da unesco: o paradigma da aptidão física e da saúde na formação do capital humano. Movimento, v. 25, p.2019.

GIL, Antonio Carlos et al. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

JUNIOR, Paulo Ghiraldelli. Educação física progressista. Edições Loyola, 1991.

NUNES, Amanda Cristina de Souza. MIGUEL, Maria Elizabeth Blanck. A Educação Física na ditadura militar: uma abordagem tecnicista. Revista Intersaberes, v. 16, n. 39. Set. 2021. 

SILVEIRA, Vinícius Frederico de Oliveira. A Educação Física escolar nos “anos de chumbo”: a visão de ex-alunos da cidade de Campina Grande-PB. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 7, Número Especial – O Golpe de 1964 e a Ditadura Civil-Militar na escola básica brasileira, julho, 2024, ISSN 2526-1126. Disponível em: (link). Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).

Imagem de destaque: Censura – autor não identificado

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