
Educação: um projeto falido?
Marcio Bernardino Sirino
Marcio Bernardino Sirino é psicanalista em formação pela Escola Freudiana de Vitória/ES. Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ). Atua como Pedagogo na Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo (SEDU/ES). Realiza pesquisas alinhavando a temática da Educação Integral e(m) Tempo Integral com o campo do saber da Psicanálise.
E-mail: marcio.bsirino@educador.edu.es.gov.br
Educação é um projeto falido. O que conseguimos, por meio da Educação, além de tentativas, projeções, expectativas e fantasias?
As grandes narrativas da Modernidade (BAUMAN, 2001) – que nos foram impostas sócio-historicamente (COELHO, 2009), trazendo uma fé irracional de que a Educação teria condições de nos libertar, transformar e emancipar (CALIMAN, 2010) – faliram. Elas não possuem nenhuma estrutura fixa e, nem mesmo, fundamentos à priori (LOPES, 2013) que consigam explicar o funcionamento do social (LACLAU; MOUFFE, 2015a) de maneira definitiva e, ainda, atribuir-lhe respostas significadas como verdade ao caos em que vivemos e do qual produzimos a cada dia (DERRIDA, 2001).
Entender a falência da Educação não quer dizer que iremos abrir mão de nossos projetos de sociedade (COELHO; SIRINO, 2018) e nem que transformaremos nosso viver numa suposta anarquia – onde o relativismo se impõe e que o tudo/nada é, igualmente, possível (PEREIRA, 2019).
Ainda construímos nossos ideais. Ainda projetamos nossos sonhos. Ainda acreditamos no que estamos significando, todos os dias, como Educação (PEREIRA; SIRINO, 2002). Mas, mesmo esperançando dias melhores (FREIRE, 1996), sociedades melhores, mundos melhores, não podemos ser ingênuos. Estes ‘melhorismos’ (SIRINO, 2022) são fantasias (GLYNOS; STAVRAKAKIS, 2008) entendidas, aqui, como desejos (NASIO, 2007).
Desejamos educar, ensinar, curricularizar, adestrar, performatizar, direcionar e tantos outros verbos que denotam possibilidades de mudança (ou não) na trajetória de/trans/formativa de uma outra pessoa (LOPES; LOPÉZ, 2010). Novamente, acionamos projeções nossas sobre o que consideramos como certo e/ou errado e colocamos em prática decisões tomadas em terrenos de incertezas – do indecidível (DERRIDA, 2001).
Defendemos projetos dos quais não temos nenhuma segurança (LACLAU, 2011) de que darão certo. E, ainda, nos frustramos pelo fato de que, em articulação com o eterno diferir (DERRIDA, 2001), eles sucumbem a demandas outras e nos exigem novos processos, novas negociações, novas projeções. Novas fantasias?
Este movimento se dá pela busca que temos de organizar a possibilidade de vida social (LACLAU; MOUFFE, 2015). Somos fruto de barbáries. Somos parte de uma invenção social que não deu certo. Somos produtores de caos e de destruição social (LÖWY, 1995).
Mas, nós mesmos entendemos que, para viver socialmente, precisamos em meio a esse ‘caos’ de um conjunto de códigos valorativos (BRASIL, 2007) que nos façam parar e conter nossos impulsos – do contrário, faríamos um processo de extermínio do Outro e acabaríamos, enquanto sociedade, com a alteridade que em nós habita (LEVINAS, 2014).
No entanto, estes códigos são revolvidos a todo tempo. Dialogamos com o diferente e tentamos encontrar um caminho mais hibridizado (LOPES, 2015) no próprio exercício da caminhada. Uma trajetória que nos faz perceber que tudo isso é discurso (LACLAU; MOUFFE, 2015b) que produzimos, acionamos e articulamos para que os projetos de sociedade – em disputa – permaneçam, resistam e que a narrativa fantasmática (GLYNOS; HOWARTH, 2018), que a eles atribuímos, nos faça esperançar dias melhores.
No entanto: Melhores para quem? Para todos, igualmente? A partir de qual lógica? Com base em qual pressuposto podemos significar algo como sendo de ‘melhor’? Neste contexto, o que será entendido como ‘pior’? Contra qual inimigo em comum nos uniremos discursivamente (LACLAU, 2013) e vociferaremos nossos projetos educacionais falidos?
Momento, quando, ponho-me a pensar… O processo educacional – em tempo integral ou mesmo parcial – dará conta de modificar, ou de reiterar, essa lógica (a do melhorismo) e de contribuir para a construção de uma sociedade mais vivível?
Na certeza da (im)possibilidade (PEREIRA; SIRINO, 2020) que jaz nesta questão, encerro minhas divagações, mas sigo, ainda, acreditando na importância de disputarmos novos sentidos para o que significamos como Educação, ainda que, desde o início seja um projeto falido.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. 2ª tiragem, atualizada. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Presidência da República. Ministério da Educação. Ministério da Justiça. UNESCO, 2007.
CALIMAN, Geraldo. Pedagogia Social: seu potencial crítico e transformador. Revista de Ciências da Educação, Americana, ano XII, n. 23, p. 341-368, 2º semestre/2010.
COELHO, Lígia Martha Coimbra da Costa. História(s) da educação integral. Brasília: Em Aberto, v. 22, n. 80, p. 83-96, abr. 2009. Disponível em: http://rbep.inep.gov.br/ojs3/index.php/emaberto/article/view/2420. Acesso em: 17 ago. 2021.
COELHO, Lígia Martha Coimbra da Costa; SIRINO, Marcio Bernardino. Concepções de Educação Integral, gestão do tempo integral e projeto(s) de sociedade: um debate (mais do que) atual. In: FERREIRA, Antônio Gomes; BERNADO, Elisangela da Silva; MENEZES, Janaína Specht da Silva (Orgs.). Políticas e gestão em educação em tempo integral. Curitiba: CRV, 2018. p. 137-161.
DERRIDA, Jacques. Posições. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GLYNOS, Jason; HOWARTH, David. Explicação crítica em Ciências Sociais: a abordagem das lógicas. In: LOPES, Alice Casimiro; OLIVEIRA, Anna Luiza A. R. Martins; OLIVEIRA, Gustavo Gilson Souza de (Orgs.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: Ed. UFPE, 2018. p. 53-103.
GLYNOS, Jason; STAVRAKAKIS, Yannis. Lacan and political subjectivity: fantasy and enjoyment in psychoanalysis and political theory. Subjectivity, v. 34, p. 256-274, 2008. Disponível em: https://repository.globethics.net/handle/20.500.12424/3746294. Acesso em: 17 ago. 2021.
LACLAU, Ernesto. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013.
LACLAU, Ernesto. Emancipação e Diferença. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.
LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios; Brasília: CNPq, 2015a. (Coleção Contrassensos).
LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Pós-marxismo sem pedido de desculpas. In: LOPES, Alice Casimiro; MENDONÇA, Daniel de. A Teoria do Discurso de Ernesto Laclau. Ensaios críticos e entrevistas. São Paulo: Annablume, 2015b. p. 35-72.
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SIRINO, Marcio Bernardino. Processos de hegemonização do nome Educação Integral nas políticas federais de ampliação da jornada escolar no Brasil. 2022. 205f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.

SIRINO, Marcio Bernardino Sirino. Educação: um projeto falido? Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 8, Número 31, julho – outubro, 2024, ISSN 2526-1126. Disponível em: (link). Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).
Imagem destacada: Foto de parte do acervo de minha biblioteca pessoal do autor Marcio Bernardino Sirino, contendo livros que foram utilizados durante o processo de doutoramento.