Chamada Editada – Baixa

Editorial

 

Educação e Bicentenário da Independência do Brasil.

Em 7 de setembro de 2022, foram comemorados os nossos duzentos anos como nação independente. Nesta perspectiva, a Revista Brasileira de Educação Básica (RBEB) apresenta uma edição especial: Educação e Bicentenário da Independência do Brasil. Este número nasceu de um esforço conjunto de alguns integrantes do Portal do Bicentenário em reunir experiências e reflexões de professoras e professores sobre o Bicentenário da Independência do Brasil, com objetivo de socializar abordagens do tema na Educação Básica, das lutas pela liberdade no presente e no passado de nosso país. Buscamos, nesta edição, não só refletir sobre a efeméride da independência em 1822, mas, principalmente, problematizar as histórias silenciadas dos últimos 200 anos. Nesse conflituoso processo entre passado e presente, as narrativas sobre as independências são múltiplas, bem como as pessoas que as protagonizaram e, por isso, neste número especial, discutimos as (inde)pendências que estão nas escolas e que ecoam em nossas práticas sociais cotidianas.

Os princípios e fundamentos políticos desta edição especial se alicerçam na idealização e na construção do Portal do Bicentenário, que é uma iniciativa de pesquisa, ensino e extensão em rede que reúne professoras e professores da Educação Básica e Superior de diferentes regiões do Brasil para fazer curadoria, produção de materiais didáticos que propiciem a discussão dos 200 anos de Independência do Estado-Nação, lutas por liberdade e conquistas de grupos subalternizados. Os materiais didáticos e paradidáticos produzidos e divulgados no Portal desde 2020 têm como princípio desenvolver análises que pensem os processos de independências além do eixo Rio-São Paulo e as diferentes formas e objetivos de participação das elites regionais, dos negros e negras escravos ou libertos, dos/as indígenas, da população LGBTQIA+, das mulheres tanto nos movimentos pela independência do final do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX quanto nas lutas por outras independências ao longo dos séculos XIX, XX e XXI.  

A iniciativa foi criada por profissionais da educação de diferentes áreas de conhecimento que reconhecem a dinâmica das disputas de narrativas sobre nossa identidade nacional e nossa independência e a importância de participar dessa disputa nas mídias sociais e nas várias etapas e modalidades da Educação Básica com uma perspectiva democrática, laica, inclusiva, não violenta, antirracista, antiLGBTfobia, antissexista, anticapacitista. Narrativas interdisciplinares engajadas no combate a todo e qualquer tipo de discriminação e violência, notadamente, aquelas que são motivadas por gênero, raça, etnia, orientação sexual, religião, região, profissão e engajamento político das pessoas.  Narrativas elaboradas por meio da relação respeitosa e complementar entre os saberes produzidos no âmbito das universidades e centros de pesquisa e aqueles produzidos na escola básica, pelos povos tradicionais e pelos movimentos sociais e coletivos democráticos.

Dessa forma, a parceria com a Revista Brasileira de Educação Básica foi mais que bem-vinda e acreditamos que esta edição especial representa os princípios do Portal do Bicentenário. 

O processo de construção desta edição especial foi realizado de forma colaborativa.  Envolveu a idealização da edição, a construção da chamada pública para artigos e produtos audiovisuais, a criação de uma ilustração para a capa que dialogasse  com os nossos princípios, o acompanhamento das produções enviadas por aqueles que aceitaram o desafio da chamada, a realização dos contatos e diálogos entre pareceristas e autores e, por fim,  a editoração deste número. 

Em nossa chamada pública, idealizamos o recebimento de produções de professoras e professores pesquisadoras e pesquisadores da Educação Básica das cinco regiões brasileiras que contribuíssem para a discussão das seguintes questões:  

  • Como abordar, na Educação Básica, os projetos de identidade nacional em disputa na (trans)formação do Brasil Independente?
  • Como discutir as aproximações e os distanciamentos entre as lutas por independência travadas nas diferentes regiões do território nacional?
  • Como abordar a participação das mulheres, dos indígenas, dos negros, das pessoas com deficiência, dos povos ribeirinhos nos 200 anos de independência do Brasil, na Educação Básica?
  • Quais os passados, presentes e futuros do estudo da Independência do Brasil nas diferentes etapas e modalidades da Educação Básica?
  • Como podemos (re)pensar, confrontar narrativas sobre a Independência do Brasil e sobre os 200 anos de independência do Brasil presentes nos materiais didáticos da Educação Básica?  
  • Como utilizar de forma crítica e reflexiva as fontes históricas do processo de independência?
  • Como abordar, na Educação Básica, os avanços conquistados nos direitos das/os cidadãs/ãos durante os duzentos anos de Independência do Brasil e contra quais retrocessos precisamos resistir?
  • O que significa comemorar e estudar 200 anos de independência na Educação Básica?
  • Como pensar, na Educação Básica, as conexões, as diferenças e as semelhanças entre a Independência do Brasil e a de outras regiões da América Latina e da África?
  • Quais experiências e possibilidades de produção, curadoria e edição de materiais didáticos sobre os 200 anos de independência e luta por liberdade no Brasil?

A chamada publicada em meados de 2021 ficou aberta até 31 de novembro de 2021 para recebimento de até 32 artigos/audiovisuais, dos quais selecionaríamos 16 para publicação no número especial da RBEB e 16 para publicação no site do Portal do Bicentenário. Divulgamos a chamada nas redes do Portal e em diferentes canais de comunicação com profissionais da educação de diferentes etapas, níveis e modalidades catalogados pela RBEB e pela equipe coordenadora deste número especial. Além disso, fizemos convites para professoras(es) pesquisadoras(es), para garantir a publicação de pelo menos um artigo e/ou vídeo por região do Brasil.  

No entanto, finalizado o prazo de envio dos artigos, observamos que nossas expectativas foram além do que o cotidiano atribulado de profissionais da educação e pesquisadores/as possibilitava. Dos cinco convites que fizemos inicialmente, apenas dois deles foram atendidos, pois as(os) outras(os) convidadas(os) não conseguiram escrever o artigo que planejaram por excesso de demandas profissionais.  Recebemos apenas três artigos pela chamada – de uma professora do ensino superior, de estudantes de graduação e de uma assistente social.  Resolvemos, então, fazer novos convites, dos quais oito foram atendidos. 

Em relação ao envio de audiovisuais, recebemos três produções – um documentário e uma entrevista produzidos por graduandos(as) de jornalismo e uma série de quatro filmes-cartas produzidos colaborativamente com professoras(es) da Educação Básica. 

Seguindo as diretrizes para publicação na Revista Brasileira de Educação Básica, o processo de acompanhamento das produções dos artigos e dos materiais audiovisuais desta edição visou ao acompanhamento dialógico entre pareceristas, editores e autores. A proposta aqui foi tentar desenvolver uma possível formação de autoras(es), em que as(os) editoras(es) e avaliadores(as) convidados(as), entre os quais estão docentes da Educação Básica e Superior, atuariam como colaboradoras(es) no processo de reelaboração dos textos e produções audiovisuais, quando isso fosse necessário. Assim, os trabalhos submetidos a esta edição foram enviados a uma dupla de pareceristas, que fizeram uma leitura técnica e, quando necessário, fizeram sugestões de revisões ou de adequações aos temas pertinentes ao número especial.
Esse processo envolveu muitos diálogos e aprendizagens tanto para pareceristas quanto para autores(as). A maioria dos autores(as) atendeu às solicitações dos pareceristas. Dos 11 artigos recebidos, publicamos dez e das três produções audiovisuais, apresentamos neste número especial duas delas – a série de filmes-cartas e a entrevista.

Ao final do processo, os(as) editores(as) do número especial revisaram todos os textos e vídeos aqui publicados, cuidando para que todo o material estivesse acessível também para pessoas cegas ou com deficiência visual e para pessoas surdas. As imagens utilizadas nos artigos são acompanhadas de descrição para todes verem. Os audiovisuais têm legendas e interpretação em libras. 

 Entre suas(seus) autoras(es),  há  professoras(es) da Educação Básica – na Educação Infantil  ou no ensino de História –, professoras(es) do ensino superior em cursos de História e  Jornalismo,  estudantes de graduação, historiadoras(es), pedagoga, assistente social, antropóloga, profissional de Teatro. São pesquisadoras(es) que escrevem sobre experiências de ensino, pesquisa e extensão realizadas no Rio Grande do Sul, em São Paulo, em Minas Gerais, na Bahia e em Pernambuco.    

Vale destacar que o conjunto de autoras(es) que compõem este número, em seus artigos ou produções audiovisuais, aceitaram nosso convite de pensar os 200 anos de Brasil Independente em diferentes dimensões. Refletiram sobre o sentido educativo de comemorações a partir do Centenário da Inpependência, analisaram o processo de independência do Brasil além do eixo Rio-São Paulo e na relação com outros países da América, abordaram criticamente produções cinematográficas que narram a História do Brasil,  desde as que perpetuam nossa História Oficial até as que têm uma perspectiva decolonial e antirracista, deram visibilidade a Museus que pretendem descolonizar nossas memórias,  problematizaram a liberdade nas mídias digitais, a escola bicentenária, seus estudantes e professoras(es),  o ensino de História da Independência do Brasil, o  direito à vida e à saúdeas relações étnico-raciais, deram destaque para a participação das mulheres e das pessoas pobres e “de cor” na história do Brasil do século XIX ao século XXI, discutiram a possibilidade de elaborar materiais didáticos e paradidáticos multimidiáticos para ensinar História na sala de aula e fora dela – podcast, jogo de memória, teatro de fantoches.  Alguns desses artigos indicam que ferramentas historiográficas podem, e devem, ser mobilizadas para a construção de outros saberes sobre nossa própria história . Esse movimento ocorre em diferentes camadas, que acompanham tanto o ofício do historiador como o desenvolvimento da história ensinada por professoras e professores em todo o país.

É digno de nota que, diante da efeméride do Bicentenário da Independência do Brasil, as reflexões sobre como a nossa História foi – é – escrita foi um ponto de partida para vários  artigos desta edição. Vale lembrar que, durante o século XIX, foram inúmeros os esforços historiográficos em atribuir ao movimento de Independência a origem da nação brasileira. No entanto, historiadores vêm se esforçando há décadas para a desconstrução desse mito fundador. Como toda narrativa, a da Independência proclamada às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo, no dia 7 de setembro de 1822, por D. Pedro, atende aos interesses de grupos políticos hegemônicos. Referimo-nos aqui, especificamente, aos homens da elite branca que disputavam entre si o poder político e econômico do país. No entanto, as transformações científicas da História propiciam que hoje, em 2022, tenhamos a oportunidade de revisar e contestar essa versão. 

A própria ilustração da nossa chamada e capa é uma provocação a essa forma de pensar a história. Proporcionando uma perspectiva diferente da pintura histórica “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, de 1888, convidamos o leitor a pensar sobre os lugares ocupados pelos diferentes atores históricos no momento da Independência e, também, na história do Brasil hoje. Produzida pelas mãos do artista e ilustrador Paulo Teixeira (@seuteixeira) em parceria com o Portal do Bicentenário, nossa capa faz uma releitura desse famoso quadro. A intencionalidade desta produção representa um dos princípios desta edição: dar visibilidade para o protagonismo dos grupos subalternos e marginalizados que sempre estiveram atuantes na construção dos duzentos anos de Brasil independente, mas que nem sempre são enxergados pela historiografia. O objetivo aqui foi colocar o tropeiro – um homem pobre, normalmente livre ou liberto – na posição de destaque, que originalmente era ocupada por D. Pedro que foi recuado para junto de suas tropas. E também, por meio do tropeiro, apresentar, em letras garrafais, a interrogação “Independência para quem?”, mote de toda iniciativa desta  edição. 

Esperamos que os artigos e audiovisuais aqui compartilhados inspirem novas experiências e reflexões sobre nossos 200 anos de Brasil independente e sobre os Brasis que estamos construindo por meio de nossos saberes e fazeres. 

Aléxia Pádua Franco 

Dilza Porto  

Laís Olivato

Pedro Castellan Medeiros

Imagem de destaque: Paulo Teixeira

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