Notas sobre os fundamentos da filosofia na educação: o positivismo, a fenomenologia, e a dialética
Fábio Souza Lima
Atua como professor de História da Educação do Departamento de Teorias e Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Amazonas. Foi professor do Instituto de Educação Carmela Dutra por dez anos, onde lecionou História e Filosofia da Educação. Foi professor Substituto da Faculdade de Educação da UFRJ, onde lecionou as disciplinas de Educação Brasileira, Prática em Política Administração Educacional e Planejamento e Avaliação dos Sistemas Educacionais. Mestre e Doutor em Educação pelo PPGE/UFRJ, seguindo a na linha de pesquisa História, Sujeitos e Processos Educacionais. Pós-graduado em Políticas Públicas em Espaços Escolares pela CESPEB/ UFRJ. Tem por base as suas graduações em História pela Universidade Federal Fluminense (Licenciatura e Bacharelado) e em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de janeiro (Licenciatura e Bacharelado). Autor de livros que relacionam a realidade do Rio de Janeiro ao Ensino. Pesquisador ligado ao Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES. Tem experiência na pesquisa e no ensino de Filosofia da Educação, História da Educação, Sociologia da Educação, Educação Brasileira, Administração e gestão Educacional.
E-mail: fabiosouzaclima@gmail.com
Resumo: No presente texto, abordamos alguns pontos referentes aos fundamentos da filosofia na educação presentes no positivismo, na fenomenologia e na dialética, com vistas a oferecer pistas para as primeiras investigações acadêmicas a serem realizadas por alunos das áreas de filosofia, história e pedagogia. Em texto de caráter introdutório, autores como Hegel (1984), Comte (1984) e Kant (1999) são abordados de maneira a entender o relacionamento de seus pensamentos com a grande área da educação. Outros autores, como Konder (1989) e Gadotti (1983), além de SAVIANI (2011), que comentam os filósofos citados, também são trazidos para que os conceitos filosóficos possam ser melhor explicados e mais facilmente assimilados.
Palavras-chave: Educação. Filosofia. Positivismo. Fenomenologia. Dialética.
No final do século XVIII, Hegel desenvolveu sua filosofia do devir relacionando-a à construção da realidade, do indivíduo e de seu pensamento. Ao apontar que tal construção está em constante processo em Fenomenologia do Espírito (1984), o pensador decide não usar a lógica aristotélica, mas, outra perspectiva de pensamento lógico, a dialética. Enquanto outros autores se preocupavam em buscar uma verdade imutável, eterna e definitiva, Hegel apontou que a razão era histórica, ou seja, seguia a formulação de pensamentos construídos em sua época. Tais formulações não se fazem linearmente, e sim por meio de contradições que geram novas razões e formulações em um processo contínuo. Trata-se da apresentação de teses, antíteses e sínteses, caracterizando o processo dialético como uma construção sinuosa (KONDER, 1989; GADOTTI, 1983).
A filosofia de Hegel (1984) prevê ainda que o fim desse processo de busca pela razão deve ser sempre a tomada da consciência da liberdade. Da mesma maneira, o processo educativo atuante sobre um indivíduo e sob a ideia de vir-a-ser, deve agir no sentido de sempre buscar a consciência da liberdade. A influência desse pensamento na construção de modelos pedagógicos nos séculos seguintes terá uma relação profícua com a psicologia, conforme escreveremos mais adiante.
Seguindo esse pensamento, todo processo de construção da razão na área da educação é refletido na criação de leis e na adoção de pedagogias, pois, essas leis e pedagogias são efeito do pensamento de sua época histórica. Na outra ponta dessa linha de pensamento está o efeito prático da produção de políticas públicas de acordo com o pensamento dominante. Vale ressaltar, por exemplo, que Montesquieu, em “Espírito das leis”, descreve que as leis são fruto do pensamento e da realidade política, econômica, social e cultural de sua época. Algo com que se preocupar nos dias atuais, devido ao revisionismo histórico, pedagógico e filosófico que tem apresentado como efeito a perseguição de intelectuais, artistas e professores, enquanto são eleitos políticos com uma visão distorcida de conceitos fartamente estudados na academia.
Com base na dialética, outros autores como Johann Fichte e Friedrich Von Humbolt desenvolveram uma pedagogia chamada de neohumanismo. Por meio da ideia de Bildung (formação humana), os indivíduos seriam educados não apenas para a razão, mas também para a sensibilidade, de maneira a construir sua liberdade interna e lidar com a cultura de maneira harmônica (CAMBI, 1999). Tal expressão, de origem ligada ao iluminismo alemão, também foi usada por Kant (1999), que afirmava que o ser humano só se torna ser humano por meio da educação. Tal afirmação vai ao encontro de outro pensador ligado à fenomenologia, Edmund Husserl (2006).
Entre os séculos XIX e XX, Husserl escreveu que o ser humano vive cercado por mediações que relativizam o conhecimento. Com a intenção de solucionar essa questão, Husserl considera que o fenômeno educativo é um fenômeno de convivência humana. Seguindo por esse caminho, escreve que é possível perceber que a intencionalidade na ação de formação do outro tem o poder de superar o relativismo das mediações para fornecer um ponto de partida seguro. Assim, como também escrevem Joel Martins e Maria Fernanda Kenian (1984), a fenomenologia na educação pode ser tratada em duas direções: uma, no aperfeiçoamento e compreensão do ato de educar; outra, em oferecer um caminho para a autonomia da observação em primeira pessoa do estudante.
Um dos pontos de inflexão do processo sinuoso de construção da educação pública brasileira está na influência do positivismo no final do século XIX e início do XX. O contexto internacional mostrava que o processo de industrialização havia tornado a educação cada vez mais conservadora e dual, isto é, um ensino erudito para as classes dominadoras e outro técnico para as classes operárias. Contudo, paralelamente, o avanço das ciências também engendrou a ideia de formação do espírito científico, caracterizado no positivismo, fundado por Augusto Comte (1978). Ele afirmava que os indivíduos deveriam vencer o pensamento fetichista e metafísico, atingindo a maturidade, refletida no pensamento científico ou positivista.
A proposta de Comte enxergava a sociologia como uma física social, fazendo uso de modelos biológicos para explicar os fenômenos sociais dentro do que seria um grande organismo. Como efeito, foram adotados determinismos como os biológicos, os geográficos e os históricos na composição do pensamento e da trajetória dos indivíduos. Esse pensamento influenciou educadores como Herbert Spencer, que, ao aliar o evolucionismo darwinista ao positivismo, apontou para a evolução da escola e as suas potencialidades na constituição da sociedade. Outros pensadores, atuantes no século XX, influenciados pelo positivismo, foram John Watson e Burrhus Skinner, que trabalharam com a psicologia comportamentalista, base da teoria pedagógica behaviorista (SAVIANI, 2011). No Brasil, sob forte divulgação dentro dos grupos militares que haviam realizado a proclamação da República, o positivismo teve grande influência na educação estatal relativa ao ideário de escolas laicas e científicas, diante do ensino tradicional humanístico e religioso que, mesmo com a queda da monarquia, ainda se mantinha forte no país.
Fontes:
COMTE, A. (1984). Curso de filosofia positiva. São Paulo: Abril Cultural. (Coleção Os Pensadores).
CUNHA, L. A. (2007). O desenvolvimento meandroso da educação brasileira entre o estado e o mercado. Educ. Soc. [online]. vol.28, n.100, pp.809-829.
GADOTTI, Moacir (1983). Concepção Dialética da Educação. ed. rev. São Paulo: Cortez.
HEGEL, G. W. F. (1984). Fenomenologia do Espírito. São Paulo: Abril Cultural. (Coleção Os Pensadores).
HUSSERL, E. (2006). Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica. Editora ideias letras, São Paulo.
KANT, I. (1999). Sobre a pedagogia. Tradução de Francisco Cock. Fontanella. 2a ed. Piracicaba: Editora Unimep.
KONDER, L. (1989). O que é dialética. Ed. São Paulo: Brasiliense.
MARTINS, J.; KENYAN, M. F. (1984). Temas fundamentais de fenomenologia. São Paulo: Moraes.
SAVIANI, D. (2011). História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados.