A Qualidade da Escola Pública no Brasil, por Amanda Birindiba Araújo
Amanda de Paula Birindiba Araújo
Professora de História do Ensino Fundamental na Rede Municipal da Prefeitura de Belo Horizonte, licenciada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestranda em História da Educação pela Faculdade de Educação na mesma universidade.
E-mail: amandabirindiba@gmail.com
A coletânea de textos apresentada em “A qualidade da escola pública no Brasil” busca fornecer ao professor, pesquisador, estudante e demais profissionais envolvidos com a educação fundamentos para a discussão acerca do que é e o que afeta a qualidade da escola pública no Brasil. O livro, originado a partir de discussões e reflexões do projeto “Pensar a Educação, Pensar o Brasil (1822-2022)”, apresenta textos oriundos das conferências do Seminário Anual do projeto realizado no ano de 2010.
Em tempos de formulação, adequação e homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) pelo Ministério da Educação (MEC), buscamos chamar a atenção para textos específicos deste livro — aqueles que consideramos fundamentais para enriquecer o debate acerca da implementação de documentos que servirão de referência para os currículos de todas as escolas brasileiras, públicas e privadas. Não é nosso objetivo nos alongar no debate — profundo, importante e necessário — sobre os princípios e embates políticos que orientaram os rumos da BNCC ou as relações desse documento com o avanço das políticas neoliberais no Brasil. A fim de cumprir o objetivo original do nosso texto, uma resenha, e, ao mesmo tempo, trazer o debate à realidade, buscamos compreender a construção da BNCC em seu caráter normativo, ou seja, como diretriz para a elaboração dos currículos locais.
Falar em qualidade da escola implica discutir sobre tudo aquilo que cerca e compõe o espaço e as práticas escolares. No primeiro texto do livro, “A qualidade da escola pública: uma questão de currículo?”, a Professora Alice Casimiro Lopes aponta que o “problema” da qualidade pode ter uma origem exterior à escola. Nas políticas públicas, a construção do currículo implica diversos fatores que podem determinar a qualidade da escola, pois esse documento estipula objetivos, metas e finalidades da escola. Logo, ele apresenta-se como parâmetro de avaliação da escola e do processo educativo. No momento de adequação das redes de ensino às diretrizes de um documento federal “que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica”, consideramos a questão do currículo extremamente profícua. Ao longo do ano de 2018 e no decorrer dos próximos dois anos os currículos do Ensino Infantil, Fundamental e Médio sofrerão diversas modificações para ajustarem-se à nova realidade das avaliações municipais, estaduais e federais, que serão orientadas pela BNCC.
Em seu texto, Lopes questiona essa conexão aparentemente óbvia e quase intuitiva entre currículos e qualidade escolar. Para ela, é necessário “problematizar essa aparente obviedade, na medida em que ela pode ser interpretada como a hegemonização de determinada significação de qualidade e de uma determinada significação de currículo”. Definir o que se entende por qualidade e por currículo é de extrema relevância à discussão proposta, pois afasta tanto conceitos idealistas de currículos neutros quanto à ideia excessivamente estruturalista de que currículo/qualidade são imposições arbitrárias da classe dominante. Lopes argumenta a favor de uma perspectiva crítica de currículo, trazendo ao debate as lutas políticas envolvidas na construção desses documentos. No caso da BNCC, vivenciamos — e ainda vivenciaremos — inúmeras dessas lutas nas conferências regionais e nacionais organizadas para a discussão do documento, e, mais ainda, identificamos claros interesses políticos nos personagens e governos envolvidos em sua construção. Por fim, a própria ideia de “construção” do currículo em si é muito cara à Lopes, que considera que “a qualidade da educação é um a questão de currículo, caso consideremos essa qualidade e esse currículo como projetos a serem construídos, sem certezas, sem uma resposta única possível, pois são múltiplos os contextos que produzem sentidos para essa qualidade”.
A Professora Luciola Licinio Santos traz ao debate outra questão importante a ser considerada no contexto de implementação da BNCC: a formação de professores. Santos argumenta sobre os desafios à formação docente defendendo, por um lado, a melhoria na formação inicial dos professores e, por outro, a qualificação do quadro de profissionais em serviço. No sentido de adaptação à BNCC, esse último grupo demanda atenção mais sensível, pois é aquele que efetivará a transição aos novos currículos, e é, ao mesmo tempo, o mais afastado da discussão política em torno da BNCC, muito devido à carência da formação continuada de professores. Já o primeiro grupo, os estudantes de licenciaturas em geral, devem ser contemplados por uma formação teórica e metodológica que corrobore com perspectivas críticas da pedagogia. Assim, poderão ser formados educadores que não apenas compreendam e saibam aplicar as políticas e documentos educacionais, mas que possam se contrapor, criticar e construir novas propostas, incorporando as lutas políticas de seu tempo.
Aprofundando a discussão sobre a avaliação das escolas e de como ela se relaciona com qualidade, José Francisco Soares vem debater a função social historicamente delegada às escolas, organizações autorizadas pelo Estado a oferecer o ensino básico, e a afirmativa que definir “a qualidade de uma escola consiste em verificar se cada uma de suas estruturas está funcionando a contento”. Nesse sentido, bons resultados em parâmetros nacionais (como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB) determinam o cumprimento das metas e regulam a instalação de novos objetivos para determinada escola. Para Soares, contudo, considerar apenas os resultados cognitivos dos alunos como critério de avaliação de uma escola é danoso para uma compreensão global da qualidade de uma escola, que engloba todas as seguintes dimensões: alunos, recursos, professores, projeto pedagógico, cultura, gestão, custos e, por último, os resultados. Nesse sentido, cabe problematizar as normatizações da BNCC e verificar se nelas é possível encontrar contempladas todas essas dimensões da escola.
Essa resenha foi elaborada com um misto de crítica à condição atual do debate sobre educação do país, pois entendemos que um projeto como o Pensar e iniciativas como as da Revista Brasileira de Educação Básica (RBEB) têm potencialidade para a reverberação de demandas e necessidades dos profissionais da educação — dentre os quais me incluo —, bem como de angústias relacionadas ao futuro cada vez mais incerto da escola. O debate sobre a qualidade da escola proposto pelo livro, organizado em 2012 (e a partir de conferências do ano de 2010), avançou bastante em determinados aspectos, mas ainda encontra obstáculos duros. A BNCC é uma novidade; ela não estava presente no horizonte dos autores na escrita de seus textos, mas, para leitores atuais do livro, apresenta-se como elemento primordial para a discussão sobre currículo, docência e qualidade da escola pública no Brasil.
[1] OLIVEIRA, M. A. T. de, et al. (Orgs.). A qualidade da escola pública no Brasil. Belo Horizonte: Mazza, 2012.
[²] Mestranda em História da Educação (Fae-UFMG). Correio eletrônico: amandabirindiba@gmail.com
[³] BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2018.
[4] OLIVEIRA et al., 2012. p. 14.
[5] Ibidem, p. 27.
[6] Ibidem, p. 83.
[7] Ibidem, p. 84.