Licenciatura
A licenciatura é um processo formativo por meio do qual são credenciados os profissionais que exercerão o magistério na educação básica dos sistemas de ensino. Esse processo formativo pode ser caracterizado como formação inicial em nível superior, quando o ingresso do estudante se dá em curso previamente definido como licenciatura, ou como curso de formação pedagógica para graduados, quando um profissional graduado em qualquer área do conhecimento acrescenta ao seu bacharelado a formação pedagógica necessária ao exercício da docência na Educação Básica. As diretrizes nacionais para essa formação são definidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que aponta os princípios, os fundamentos, a dinâmica formativa e os “procedimentos a serem observados nas políticas, na gestão e nos programas e cursos de formação, bem como no planejamento, nos processos de avaliação e de regulação das instituições de educação que as ofertam.” (Resolução CNE/CP N. 02/2015).
Segundo o Parecer 28/2001 do CNE a licenciatura é uma licença (autorização, permissão), concedida por autoridade pública, em conformidade com a legislação vigente, àqueles a quem cabe a tarefa de exercer uma atividade profissional no magistério. O documento oficial que atesta a concessão dessa licença é o diploma de licenciado pelo ensino superior. Esse diploma é um título acadêmico obtido em curso superior oficialmente reconhecido pela autoridade pública, o qual “faculta ao seu portador o exercício do magistério na educação básica dos sistemas de ensino, respeitadas as formas de ingresso, o regime jurídico do serviço público ou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”. (Parecer CNE/CP 28/2001).
A regulamentação dos atuais cursos de licenciatura no Brasil foi elaborada no início dos anos 2000, cinco anos após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96). Ela consiste, basicamente, de duas resoluções do CNE, ambas do ano de 2002, fundamentadas por dois longos e consistentes pareceres: o Parecer CNE/CP 09/2001 e o Parecer CNE/CP 28/2001. Esses pareceres, que reconhecem uma especificidade própria desta modalidade de ensino superior, fundamentam, respectivamente, a Resolução CNE/CP 1/2002 e a Resolução CNE/CP 2/2002. Esses dois pareceres e essas duas resoluções, que fundamentam e estabelecem os princípios norteadores de todos os cursos de licenciatura do país, são basilares no debate sobre formação de professores e devem figurar na bibliografia de leitura obrigatória de todos aqueles que se ocupam ou que pretendem se ocupar das atividades ligadas à educação escolar.
Além dessa regulamentação, que trata da formação de professores que vão atuar nos anos finais do fundamental e no ensino médio, há também a regulamentação específica para o curso de Pedagogia, isto é, o Parecer CNE/CP 05/2005 e a Resolução CNE/CP 01/2006. O curso de Pedagogia habilita profissionais para atuar na educação infantil e anos inicias do fundamental. Quanto à Resolução CNE/CP 02/2015, que estabelece novas diretrizes curriculares nacionais para os cursos de licenciatura, em essência, o que ela traz de novo é a exigência de maior carga horária para os cursos, passando de 2800 para 3200 horas, e a exigência formal da inclusão de temáticas como gestão, educação ambiental, educação para as relações étnico-raciais e direitos humanos.
Os fundamentos mais importantes da formação de professores para a Educação Básica estão lá nas resoluções que emergiram do debate educacional pós-LDB. A LDBEN 9394/96 sinaliza as novas exigências trazidas para a formação docente, que são uma expressão das mudanças pelas quais tem passado a sociedade brasileira nas últimas décadas. Ela tenta implementar um novo projeto que garanta a formação adequada aos futuros professores em função das novas necessidades educacionais dessa sociedade. O Parecer CNE/CP 09/2001 e a Resolução que ele fundamenta (Resolução CNE/CP 1/2002) tratam das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, isto é, interpretam e normatizam as exigências relativas à formação desses profissionais, estabelecendo um novo paradigma para esta formação. Em consonância com o que havia estabelecido a Constituição de 1988, que no capítulo sobre educação exigia uma lei que a regulamentasse, a LDB tratou de especificar logo no primeiro artigo que, apesar de reconhecer as diversas dimensões da educação, sua tarefa era disciplinar a educação realizada nas instituições escolares. No título VI (“Dos profissionais da educação”, artigos 61-67), mais precisamente no artigo 62 dessa Lei, estabelece-se que “a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação”.
Esses fundamentos básicos da formação de professores, bastante inovadores em relação ao que havia até então, podem ser enunciados da seguinte forma:
- Primeiramente, deve-se destacar que o documento que constituiu a proposta das Diretrizes resultou de amplo debate com representantes de grande número de entidades ligadas à educação escolar, ao longo de cinco anos. (Parecer CNE/CP 09/2001, p. 2-3);
- Em segundo lugar, destaca-se que, além da democratização do acesso e das profundas mudanças nas expectativas e demandas educacionais da sociedade brasileira, houve uma preocupação com a profissionalização da docência, vista como algo que exige mais que a posse de um dom ou a entrega pessoal a uma vocação;
- Em terceiro lugar, e em decorrência dessas novas exigências, a licenciatura, somente plena, deixou de ser apêndice e adquiriu identidade frente ao bacharelado, exigindo um projeto específico, com percurso próprio, terminalidade e titulação definida, propondo uma ruptura com o tradicional modelo de formação de professores que ficou amplamente conhecido como “modelo 3+1”;
- Em quarto lugar, uma nova concepção de Educação Básica, ampliada para além do primário e do fundamental, extensiva a toda a população de zero aos 17 anos, o que “aumenta a duração da escolaridade considerada base necessária para exercer a cidadania, inserir-se produtivamente no mundo do trabalho e desenvolver um projeto de vida pessoal autônomo”. (Parecer CNE/CP 09/2001, p. 10);
- Em quinto lugar, uma significativa ampliação do tempo destinado a atividades práticas, entendidas como importante dimensão formativa dos futuros docentes. Das 2800 horas estabelecidas pela Resolução 02/2002, 1000 horas são reservadas para atividades práticas: 400 horas para práticas como componentes curriculares; 400 horas para estágio e 200 horas para outras atividades acadêmicas relevantes, a serem reconhecidas pelos respectivos colegiados de cursos;
- E, finalmente, em sexto lugar, mas sem pretender esgotar esses elementos, uma enorme preocupação com a formação das competências, isto é, em dizer e explicitar claramente o que compete ao professor da educação básica no exercício da docência. Nas novas diretrizes emanadas em 2015 (Resolução CNE 02/2015), essa preocupação com a formação de competências dá lugar a uma preocupação com a formação interdisciplinar.
Claro que é preciso ter sempre em mente que uma coisa é o conjunto de elementos normativos que estabelece as diretrizes e outra, muito distinta, é a realidade concreta dos fatos que caracterizam a formação de professores nesse país de dimensões continentais, extremamente diversificado e brutalmente desigual. Mas é preciso ter em mente , também, que a consistência desses elementos normativos decorre das lutas sociais das categorias representativas dos trabalhadores da educação e que a materialização dessas diretrizes em projetos de cursos de formação depende do estado atual da organização do ensino superior ao qual cabe formar esses profissionais.
INDICAÇÕES DE LEITURA:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
______. Lei n.º 9394/96, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 09/2001, de 08 de maio de 2001.
______. ______. Resolução CNE/CP 01/2002, de 18 de fevereiro de 2002.
______. ______. Parecer CNE/CP 28/2001, 02 de outubro de 2001.
______. ______. Resolução CNE/CP 02/2002, 19 de fevereiro de 2002.
______. ______. Parecer CNE/CP 05/2005, 13 de dezembro de 2005.
______. ______. Resolução CNE/CP 01/2006, 15 de maio de 2006.
______. ______. Resolução CNE/CP 02/2015, 01 de julho de 2015.
João Valdir Alves de Souza é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Educação pela mesma instituição e doutor em Educação pela PUC-SP. Realizou pós-doutorado no Centro de Desenvolvimento Sustentável da UNB. É professor Titular de Sociologia da Educação da Faculdade de Educação da UFMG.