Entre reformas e inquietações: uma reflexão de um professor do ensino básico

Nos últimos meses testemunhamos a implantação de políticas públicas que podem ser vistas como divisores de águas para as questões econômicas e sociais no Brasil. Muitas destas medidas estão diretamente ligadas a Educação e aos currículos e diretrizes para o ensino. Tais medidas fizeram emergir uma grande discussão sobre os rumos da educação no Brasil e quais as consequências futuras destas medidas adotadas.

Enquanto professor do Ensino Básico, tais medidas públicas têm me causado bastante inquietação, principalmente por acreditar que as soluções atualmente propostas para os desafios inerentes a Educação estão na contramão das suas reais necessidades.

Primeiramente, a implementação de tais políticas tem sido feita de maneira vertical, sem a abertura ao diálogo com os profissionais da educação. Ainda que se diga que há uma representatividade de “técnicos”, esta representatividade não é identificada por grande parte dos professores e pesquisadores da educação, como se tem vistos nas redes sociais e de comunicação.

A segunda questão que acredito ser pertinente levantar se refere ao currículo. Ao que parece, as disciplinas das áreas humanas e científicas terão um quantitativo de aulas menor do que já praticado ou serão excluídas do currículo do Ensino Médio. Já na década de 1980, como visto no trabalho de Sônia Kramer (1982), a questão do fracasso escolar já era associada com questões sociais e de privação cultural. Neste sentido, a retirada de disciplinas ou a diminuição de seu quantitativo de aulas pode representar um retrocesso, visto que tal medida incidiria diretamente no capital cultural adquirido pelos alunos em seu processo de escolarização. É importante refletir se tanto o sistema privado como o sistema público irão aderir a estas medidas.

Neste sentido, é importante dizer que caso haja diferenças no currículo entre os segmentos de ensino, tal fato pode aumentar ainda mais os abismos sociais existentes entre as classes sociais em virtude dos processos de escolarização, dificultando o acesso ao ensino superior das camadas sociais mais pobres.  Podemos compreender que medidas desta natureza podem empobrecer os currículos ao excluir a possibilidade de determinados conhecimentos serem adequadamente discutidos com os alunos.

É importante ressaltar também que no que tange a uma formação para a cidadania, conforme discutido por Gadotti (2000), como seria possível que o sujeito tivesse plena consciência de seus direitos e deveres democráticos para sua participação e ação na comunidade sem ter conhecido devidamente os processos históricos e sócias que produziram as condições e as relações humanas atuais?Um terceiro ponto relevante se refere a ideologia de educação que pode ser imposta em virtude destas reformas. Um grande receio, enquanto professor, é que as políticas implementadas resultem em uma educação meramente transmissiva e tecnicista, voltada para a execução e não à reflexão e a criticidade. Isto não quer dizer que o cenário atual seja ideal no que tange ao pensamento crítico e ao ensino reflexivo, mas acredito que criar mecanismo que legitimem tais práticas esteja totalmente na contramão da busca de uma educação de qualidade.

Finalmente, penso que não seria mais eficaz investir na infraestrutura e na formação continuada dos professores. A realidade da maioria das escolar públicas no Brasil tem se mostrado bastante precária nas últimas décadas como sinalizado por Gatii (2000). A autora enfatiza a falta de condições estruturais básicas de ensino e do incentivo a formação continuada dos professores, que se constitui em um problema para uma área de atuação que possui grande dinamismo como a Educação. Investir na infraestrutura e na aquisição de novos saberes e práticas poderia contribuir significativamente no enfretamento dos problemas ligados à educação como sinalizam Demo (2010), Laburu (2006) e tornar os alunos mais motivados (GUIMARÃES; BZUNECK, 2008; CLEMENT, CUSTÓDIO; FILHO, 2015).

Quando lemos o artigo 3 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que reitera a igualdade de acesso e permanência na escola, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, respeito a liberdade e tolerância e valorização do profissional da educação escolar, não podemos nos furtar de refletir se estes pressupostos têm sido atendidos? É triste perceber que a realidade do “chão de sala” tem apontado para uma resposta negativa e que tais políticas que estão a ser adotadas parecem também não apontar.

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394, de 20/12/1996.

CLEMENT, L.; CUSTÓDIO, J. F; FILHO, J. P. Potencialidades do Ensino por Investigação para Promoção da Motivação Autônoma na Educação Científica Alexandria Rev. de Educação em Ciência e Tecnologia, v.8, n.1, p.101-129 , 2015.

DEMO, P. Educação Científica. Rev. Educação Profissional. Rio de Janeiro: v. 36, n.1, p.15-25, jan./abr. 2010.

GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.14(2), p. 3-11, 2000.

GUIMARÃES, S. E. R., & BZUNECK, J. A. Propriedades psicométricas de um instrumento para avaliação da motivação de universitários. Ciências & Cognição, Ilha do Fundão, v. 13 (1), pag. 101-113, 2008.

KRAMER, S. Privação Cultural e Educação Compensatória: uma análise crítica. Cad. De Pesquisa São Paulo v. 42, pág. 54-62. São Paulo, agosto de 1982.

LABURÚ, C. E. Fundamentos para um experimento cativante. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 23, n. 3: p. 382-404. Dezembro, 2006.

Sérgio Geraldo Torquato de Oliveira

Sérgio Geraldo Torquato de Oliveira

Mestrando em Educação e Docência pela FAE/UFMG. Graduado em Ciências Biológicas (Licenciatura Plena) pelo Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira – FHA/UEMG. Pós-graduado em Ensino de Ciências por Investigação pelo ENCI – FAE / UFMG. Pós-graduado em Edução Ambiental pela FACEL (PR). Membro do grupo de Pesquisa em Interesse e Motivação em Ensino de Ciências(GPIMEC). Experiência docente na área de Biologia Geral e Educação Ambiental na rede pública de ensino (municipal e estadual) e na rede privada (Colégio Frederico Ozanam). Atuou também como professor tutor na Especialização em Ensino de Ciências por Investigação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

E-mail: sergiogtoliveira@hotmail.com

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