Por que história da educação matemática?
Brian Diniz Amorim
Licenciado em Matemática pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestrando em Educação, na linha de Educação Matemática, pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, é professor do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG e membro do Grupo História Oral e Educação Matemática (GHOEM).
E-mail: briandiniz@ig.com.br
“Por que História da Educação Matemática?” é uma pergunta que já tive de responder algumas vezes, sempre com algum desconforto. Neste artigo, pretendo discutir algumas implicações das pesquisas em História da Educação Matemática em minha atividade docente como professor da Educação Básica. As reflexões trazidas são, sobretudo, advindas de minhas experiências em sala de aula e em minha pesquisa de mestrado que está em andamento,[1]em que investigo as indicações metodológicas para o ensino de Matemática da primeira metade do século XX, utilizando como fonte livros que compõem a biblioteca pessoal da professora Alda Lodi.
Acredito que se fizermos essa mesma pergunta para diferentes professores e pesquisadores da área, provavelmente teremos respostas diferentes e, portanto, não pretendo trazer uma resposta conclusiva para a questão. Ao mesmo passo, é necessário fugirmos de um certo utilitarismo sua resposta: não são apenas os estudos para os quais encontramos uma aplicação imediata ou que “sirvam” em uma relação direta para algo que devemos valorizar. Na verdade, podemos buscar na história várias descobertas e resultados, científicos ou não,sem a intenção explícita de produzi-los.
Não pretendo, também, abordar com profundidade as contribuições de estudos em História da Educação Matemática.Se esse for o interesse, importantes questões dessas investigações foram abordadas por Gomes (2010), no editorial da edição temática sobre História da Educação Matemática do Boletim de Educação Matemática (Bolema), entre as quais não poderia deixar de citar três que são especialmente pertinentes para esse texto: 1) existe uma vinculação intrínseca entre as questões de pesquisa em Educação Matemática e sua dimensão histórica, estudada no âmbito da História da Educação Matemática; 2) apesar de o senso comum muitas vezes pensar a(s) matemática(s) como um conhecimento não histórico, ao longo do tempo ocorreram mudanças em conteúdos, concepções, abordagens, finalidades e valores propostos para a Educação Matemática;3) “documentos educativos históricos” podem indicar variadas posturas pedagógicas em certos contextos, assim como pode ser constatado na atualidade.
Para discutir o ponto de vista que defendo, trarei alguns aspectos e resultados preliminares da minha pesquisa de mestrado nos próximos parágrafos, com uma proposta para você, leitor: leia a próxima seção tentando fazer associações com discussões mais atuais sobre a educação.
ALDA LODI E A ESCOLA NOVA
Pretendemos[2] na pesquisa de mestrado, como relatado no início do texto, investigar indicações metodológicas para o ensino de Matemática da primeira metade do século XX, utilizando como fonte livros que compõem a biblioteca pessoal da professora Alda Lodi.
Alda Lodi nasceu em 17 de dezembro de 1898, em Belo Horizonte, e trabalhou ao longo de 70 anos dedicando-se à educação em Minas Gerais. Foi escolhida pelo governo mineiro para se tornar membro da comissão oficial de professores que cursaram especialização no Teacher’s College da Universidade de Columbia nos Estados Unidos. Foi uma das fundadoras da Escola de Aperfeiçoamento de Professores[3] em Belo Horizonte, tendo lecionado “Metodologia da Aritmética” nessa instituição. Ela participou também da criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belo Horizonte – atualmente, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) –, onde se aposentou e recebeu o título de professora emérita. Professora Alda faleceu em 2002, aos 104 anos.
A professora Alda Lodi trabalhou de forma mais ativa com a matemática no período em que foi selecionada, pelo governo mineiro, para integrar a comissão que cursou uma especialização no Teacher’s College, entre 1927 e 1929, e quando atuou como professora da disciplina “Metodologia da Aritmética” na Escola de Aperfeiçoamento de Professores, entre 1929 e 1946. Posteriormente, passou a atuar em cursos de Administração Escolar.
Reis (2014) relata que a escolha do Teacher’s College se deu, em grande parte, pelo interesse na metodologia da Escola Nova, difundida pela instituição. O pesquisador assinala que a instituição era mundialmente famosa na época por propagar a metodologia da Escola Ativa (Escola Nova) e ressaltou que seu corpo docente contava com nomes como John Dewey (1859-1952), William Kilpatrick (1871-1965) e Edward Lee Thorndike (1874-1949).
A Escola Nova, também chamada de “Escola Ativa”, “Escola Moderna”, “Escola Progressista” e “Escola do Trabalho”, segundo Veiga (2007), foi um movimento pedagógico iniciado na última década do século XIX, que buscava renovar a pedagogia e a prática escolar. Apesar de ter especificidades na adoção em diferentes países e por diferentes autores, a autora destaca que esse movimento pode ser sintetizado pela defesa de sete temas básicos:
Puerismo (procedimentos didáticos centrados na criança); ênfase na aprendizagem pela atividade; motivação; estudo a partir do ambiente circundante; socialização; antiautoritarismo (crítica a imposições) e anti-intelectualismo (crítica ao verbalismo de muitos programas de ensino)(VEIGA, 2007, p. 217).
Em uma das investigações preliminares(AMORIM; GOMES,2016),analisamos a obra Democracy andeducation, de autoria de John Dewey. Alda Lodi adquiriu um exemplar do livro durante o curso de especialização, no ano de 1929.[4] O volume pertencente à professora foi publicado pela editora Macmillan Company,[5] na cidade de Nova York, e correspondia à décima edição da obra.
Na análise, tivemos um interesse especial pelas marcas de leitor encontradas no capítulo “Interestand Discipline” (Dewey, 1929, p. 146-162), um dos mais grifados no livro. Nele, Dewey discorre sobre a importância de se cultivar o interesse nos alunos, além de discutir e discordar da noção difundida de interesse. Dewey propõe uma interpretação diferente da que acreditava estar difundida na educação para estimular o interesse nos educandos. Maior foco nas finalidades, ou na utilidade, parece ser aquilo que ele defende com mais ênfase. O autor argumenta, nos trechos marcados por Alda, em favor de atividades que estimulem e façam sentido para os educandos, o que demonstra ser um indício de que ideias, muito difundidas no período escolanovista, favoráveis ao uso de procedimentos didáticos focados nos alunos eram percebidas com interesse pela professora.
E ENTÃO: POR QUE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA?
Como já mencionado, apesar de não acreditar que devamos nos pautar por uma necessidade utilitarista para justificar a pesquisa ou o estudo de temas ligados à História da Educação Matemática, acredito que, a partir do relato da pesquisa, ainda em estágio inicial, seja possível ressaltar algumas contribuições da área para minha atuação profissional na educação básica.
A primeira contribuição e, talvez, a mais imediata, é para o exercício do papel político de professor. Acredito que uma compreensão da construção histórica da escola, da cultura escolar e do papel do professor nos prepara para melhor exercer esse papel.A história não é linear e varias questões do passado são colocadas novamente, ainda que com diferenças.
O mesmo acontece com o papel pedagógico do professor de Matemática. Sempre me impressionou a reciclagem de certos temas para a educação. Lendo um pouco sobre o período histórico da pesquisa de mestrado, deparamo-nos com questões que discutimos, em certo grau, ainda hoje, como a motivação e centralidade do ensino nos alunos. Na verdade, avalio que o conhecimento desse histórico e seus desdobramentos são, de certa forma, um pano de fundo para que possamos, realmente, entender o panorama atual a partir de sua construção histórica a longo prazo.
Por fim, a compreensão histórica tem me ajudado no cotidiano escolar, no exercício direto da docência. A compreensão da escola e sua construção como instituição, da disciplina com que trabalho e de sua constituição e do papel socialmente estabelecido para a escola e para o professor altera o sentido do cotidiano escolar e a interpretação que tenho deles.
PARA SABER MAIS SOBRE A PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Entrevista à TV UNIFESP sobre a pesquisa em História da Educação Matemática no Brasil, concedida pelo professor Antonio Vicente Marifioti Garnica, uma das referências em pesquisas da área.
REFERÊNCIAS
AMORIM, B. D.; GOMES, M. L. M. Possibilidades de compreensão das indicações metodológicas para o ensino de matemática na escola primária da primeira metade do século XX: estudo exploratório de uma obra da biblioteca pessoal de Alda Lodi. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 3.,2016, São Mateus. Anais…São Mateus: UFES, 2016. p. 205-217.
CIÊNCIA semlimites: história da educaçãomatemática. 25’48”. TV Unesp, YouTube, 2 out. 2015. Disponível em: <https://goo.gl/UtYTJt>. Acessoem: 16 maio 2017.
DEWEY, J. Democracy and education. 10.ed. New York: Macmillan Company, 1929.
FONSECA, N. M. L. Alda Lodi, entre Belo Horizonte e Nova Iorque: um estudo sobre formação e atuação docentes 1912-1932. Dissertação (Mestrado em Educação) –Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.
GOMES, M. L. M. História da Educação Matemática: a propósito da edição temática do BOLEMA. Boletim de Educação Matemática, Rio Claro, v. 23, n. 35, p. vii-xxvii, 2010.
REIS, D. A.F. História da formação de professores de Matemática do ensino primário em Minas Gerais: estudos a partir do acervo de Alda Lodi (1927 a 1950). Tese (Doutorado em Educação) –Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.
VEIGA, C. G. História da educação. São Paulo: Ática, 2007.
[1]Pesquisa intitulada “Indicações metodológicas para o ensino da Matemática presentes em livros que circularam em Minas Gerais na primeira metade do século XX: um estudo da biblioteca pessoal da professora Alda Lodi”, orientada pelos professores Maria Laura Magalhães Gomes e Filipe Santos Fernandes.
[2]A primeira pessoa do plural é adotada para ressaltar intenções, considerações e ações provenientes de interações com os orientadores, professores do programa de pós-graduação e colegas.
[3]Criada em 13 de março de 1929 em Belo Horizonte durante a reforma Francisco Campos e extinta em 28 de janeiro de 1946, tinha como objetivo formar professoras de escolas primárias públicas do Estado de Minas Gerais.
[4]Na capa do livro, consta a escrita: “Alda Lodi, New York, 1929”. Ela costumava registrar seu nome em todos os livros que adquiria.
[5]MacMillan é uma companhia editorial multinacional fundada em 1843 com sede em Londres, no Reino Unido e que, atualmente, opera em mais de 120 países.
Sou mestranda em Educação , e estou em busca de material para estudo, e em meu olhar rápido , pela revista gostei bastante.Esta revista vem de encontro com a minha pesquisa, quero adiquerir todos os exemplares como faço para isso aconteça.
Bom dia Vanda,
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Att
Luiza Oliveira
Editora Executiva da RBEB
Olá! Quero citar o artigo “Por que história da educação matemática?” de Brian Diniz Amorim em meu TCC, e para fazer a referência correta da obra são necessários os dados de local da publicação, data da publicação, edição, paginação, e outros que não constam no site. Há uma edição da revista organizada por volume ou número em que eu possa obter essas informações? Agradeço.
Olá Tatiana, vou atualizar agora mesmo a forma de citação de revista eletrônica no site.