O combate do ensino ciclado contra os índices de evasão e reprovação em Mato Grosso
Tarcísio Renan Peireira Sousa Resende
Graduado em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado de Mato Grosso -UNEMAT. Coordenador Pedagógico da Escola Estadual 19 de Dezembro, município de Nova Ubiratã-MT.
E-mail: tarcisio.schwantes@gmail.com
Igor Araújo de Souza
Acadêmico do Curso Licenciatura Plena em Ciências Biológicas da Universidade do Estado de Mato Grosso, UNEMAT- campus Nova Xavantina-MT.
E-mail: igor.araujo@outlook.com.br
O ENSINO CICLADO E O FRACASSO ESCOLAR
A evasão escolar é um fato no contexto educacional do nosso país e, diante disso, a escola necessita, continuamente, desenvolver mecanismos para diminuir essa situação. Sendo assim, isso se torna um ponto muito presente nas políticas públicas educacionais e na ação dos docentes, pois afeta significativamente o cotidiano dos alunos desistentes.
A partir dos anos de 1980, muitos estados e municípios do Brasil estruturaram o ensino fundamental em ciclos, cuja finalidade era a de assegurar a alfabetização e abolir o fracasso escolar. No estado do Mato Grosso, essa alternativa foi implantada nas séries iniciais,denominada como Ciclo Básico de Aprendizagem em 1998.
Nessa perspectiva, no ano de 1999, foi implantada uma nova política de educação, transformando o sistema de ensino fundamental em ciclos, pois era necessário combater os altos índices de reprovação e evasão escolar. Assim, a escola ciclada foi proposta para todo o ensino fundamental público estadual dos municípios mato-grossenses, já no início de 2000 (MATO GROSSO, 2010).
O fracasso escolar é um fenômeno complexo que está associado aos elevados índices de evasão e reprovação escolar. Em analogia às práticas pedagógicas e os projetos políticos pedagógicos das secretarias de educação, o fracasso escolar é explicado pelas práticas avaliativas existentes em escolas que enaltecem, de certa forma, as diferenças socioculturais (FERNANDES, 2007).
Patto (1999) descreve a complexidade do fracasso escolar, associando-o à várias dimensões, entre elas, políticas e pedagógicas. Nesse contexto, torna-se claro que o fracasso escolar é um fato resultante da evasão e reprovação escolar e, diante disso, torna-se necessário estabelecer políticas públicas educacionais realmente eficazes, que auxiliem a escola a garantir a permanência dos alunos no âmbito escolar, obtendo, também, sucesso no processo de ensino aprendizagem.
Para Queiroz (2004), há duas abordagens para o fracasso escolar: fatores internos e externos. Como a própria expressão indica, os fatores externos ocorrem fora do ambiente escolar, como o trabalho, a desigualdade social e a situação familiar. E os fatores internos são do âmbito da escola, como a interação com o professor e com os colegas de turma. Além disso, as práticas pedagógicas inadequadas são outro ponto da evasão escolar, pois há profissionais que não aplicam os métodos adequados para avaliar a capacidade do aluno, como um todo, causando o seu desestímulo.
Nesse sentindo, o aluno vai se conformando a ver a aprendizagem como alguma coisa que só tem importância pela nota que lhe é externa, e a troca pela nota adquire o lugar do próprio conhecimento, como formação pessoal e poder de interferência no mundo. “Esta forma de avaliar faz com que surja no educando, um desinteresse em estudar, propiciando, assim, a grande evasão escolar, pois quem domina avança e quem não aprende repete o ano ou sai da escola” (FREITAS, 2006, p.313).
Na escola atual, vários professores ainda estão ligados ao sistema de avaliação do ensino tradicional, contrapondo-se aos métodos do sistema de ensino por meio de ciclos e, por isso, não realizam a avaliação de maneira coerente. Diante disso, os professores necessitam compreender que a avaliação deve ser empregada com o apoio de vários meios de coleta de informações, de acordo com as peculiaridades do plano de ensino. De tal modo, conforme o tipo de objetivo, podem ser aplicados trabalhos em grupos e individuais, provas orais e escritas, observação de cadernos, realização de exercícios em classe ou em casa, seminários e observação dos alunos em classe. Assim, é formidável que se respeite o conhecimento elaborado pelo educando, partindo de ações desencadeadoras de reflexão sobre tal saber, desafiando-o a evoluir, descobrir novas e diversas soluções às tarefas continuamente proporcionadas pelo professor (HOFFMANN, 2003; LUCKESI, 2003).
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996). É óbvio, pois, que tentar diminuir os índices de evasão escolar não cabe somente a um órgão ou núcleo social. Assim, devido aos altos índices de fracasso escolar, tornaram-se necessárias novas estratégias.
Os dados da Secretaria Estadual de educação revelam que, no sistema de ensino seriado, temos em Mato Grosso elevados índices de repetência (19,5%) e evasão (14,9%), alcançando, em 1997, um total de 34,4% de fracasso escolar (MATO GROSSO, 2000).
A escola ciclada busca algo além de métodos classificatórios:
O ensino ciclado busca o avanço de uma escola que avalia para classificar, em que a avaliação é utilizada como uma arma para classificar, enquadrar, rotular, reter, para uma escola em que a avaliação, entendida como parte do processo de aprendizagem, constitui-se em um recurso de ensino fundamental para a tomada de decisões a respeito desse processo (MATO GROSSO, 2000, p.20-21).
No início de sua implantação, alguns docentes não aderiram à concepção de ensino ciclado e mantiveram avaliações classificatórias e outros não procuraram compreender as práticas pedagógicas desejadas por essa escola. Contudo, com o decorrer do tempo, as novas estratégias foram aplicadas em cursos sobre o ensino ciclado e formação continuada, visando à construção de projetos e práticas pedagógicas, mudando, assim, a concepção dos docentes e proporcionando maior interesse nos alunos.
Vale notar que, nos Ciclos de Formação, as turmas são organizadas por idade, pois os alunos têm mais chances de vivenciar fenômenos de interação mais produtiva com seus pares de mesma faixa etária, o que facilita a formação de suas identidades (MATO GROSSO, 2000). Nessa perspectiva, as salas de aula no ensino ciclado tornam-se cada vez mais homogêneas, e esse fenômeno é tido como uma melhoria para a prática docente, pois as turmas possuem características semelhantes e o aluno fica mais entusiasmado com esse meio de convívio.
UMA BREVE ANÁLISE A PARTIR DOS DADOS DO INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP)
A partir dos dados do INEP (1999), referentes ao último ano da modalidade de ensino seriado nas escolas públicas do estado de Mato Grosso, de 604.741 alunos matriculados no ensino fundamental, 164.370 alunos estavam fora desse sincronismo idade/série. Já no ano de 2009, percebe-se uma melhoria nesse aspecto, pois, após dez anos de sua implantação, nota-se uma enorme redução, isto é, de 503.276 alunos matriculados em 2009, no ensino fundamental de Mato Grosso, 62.194 estavam fora desse sincronismo.
Por meio dos dados do INEP (2008) percebe-se que, de 2003 a 2008, ocorreu uma importante diminuição nessas matrículas, em nível nacional, isso devido à nova estrutura aplicada ao ensino fundamental. Assim, convém ressaltar que a diminuição das matrículas vem ocorrendo desde 2003, e está associada tanto a variáveis demográficas (diminuição do tamanho dos cortes de idade) quanto a políticas de correção de fluxo (EDUCACENSO, 2008, p.7)
Além disso, no ensino seriado há também uma cobrança de que o aluno alcance um rendimento necessário para continuar os estudos e, portanto, exige um alto rendimento nas avaliações, não levando em conta seu empenho na sala de aula. Assim, nos primeiros bimestres, o aluno que não atinge a nota necessária acaba desistindo, antes de concluir a série.
Em função disso, a Secretaria Estadual de Educação apresentou uma forma de avaliação educacional, tida como um mecanismo de diagnóstico da aprendizagem, para que tivesse condições de intervir nas falhas do processo de ensino-aprendizagem. A avaliação visa o crescimento, e não a “disciplina”. Logo, os ciclos de formação têm uma visão construtiva, levando em conta o indivíduo, como ser cognitivo, afetivo e sócio-histórico, capaz de interagir consigo mesmo e com o mundo (MATO GROSSO, 2000).
A escola precisa ser vista como um lugar de lazer e divertimento, e não só como um espaço processual de aprendizagem. Além disso, tem que ser percebida como um meio social entre alunos e pais de alunos, pois é um espaço propício à interação (GURGEL, 1997).
Dessa forma, não se trata simplesmente de reduzir os índices do fracasso escolar, substituindo por outros números menos agressivos, mas, principalmente, de“transformar a escola num espaço propício à aprendizagem de todos, sem provocar baixas na autoestima, sentimento de desvalia e outros sentimentos gerados pelos atos de classificar, reprovar e excluir as pessoas” (GURGEL, 1997 p. 66).
Por meio dos dados do INEP, em 1997, quando o estado adotava o ensino seriado, desde as séries iniciais, 19,5% foram reprovados e 14,9% abandonaram os estudos, alcançando 34,4% de fracasso escolar; já em 2008, transcorridos nove anos da implantação do ensino em ciclo nas escolas públicas do estado, 7,2% dos alunos foram reprovados e 4,5 % abandonaram os estudos, ou seja, 11,5% de fracasso escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os ciclos de aprendizagem são uma forma de reorganizar o tempo e o espaço escolar, bem como a prática pedagógica, num processo contínuo, respeitando a diversidade e os diferentes ritmos de aprendizagem do aluno.
É possível notar que ocorreu diminuição na quantidade de matrículas na educação básica em todo o país, e, entre os vários motivos, podem ser referidos fatores como a diminuição da reprovação e o ajuste da idade/série em cada nível do ensino.
Portanto, o sistema educacional, organizado em ciclos, tem contribuído para a diminuição do fracasso escolar, e um dos desafios é a construção de métodos que articulem currículo, metodologia, avaliação e profissionais que priorizem a formação dos professores, para que seja possível melhorar a prática pedagógica e aumentar os índices de aprendizagem efetiva dos alunos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Lei n. 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei das diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília : MEC, 1996.
EDUCACENSO. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Básica –2008. Brasília: 2009. 8p.
FERNANDES, Claudia de O. Fracasso escolar e escola em ciclos: tecendo relações históricas, políticas e sociais. In: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO –ANPEd, 28, 2005, Caxambu. Anais eletrônicos… Caxambu, MG, 2005.
FREITAS, Luiz Carlos de. Ciclos, Seriação e Avaliação: Confrontos de lógicas. São Paulo: Moderna, 2006.
GURGEL, Paulo Roberto Holanda. Ditos sobre evasão escolar: estudos de casos no estado da Bahia. Projeto de Educação Básica para o Nordeste. Ministério da Educação e do Desporto, Brasília, 1997. 54p
HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora. Porto Alegre: Mediação, 1993. 20ª edição, 2003.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Básica 2002. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/>. Acesso em: jun. 2015.
________. Sinopse Estatística da Educação Básica 1999. Disponível em:< http://www.inep.gov.br/>. Acesso em: jun. 2015.
________.Sinopse Estatística da Educação Básica 2008. Disponível em:<http://www.inep.gov.br/ >. Acesso em: jun. 2015.
________. Sinopse Estatística da Educação Básica 1997. Disponível em:< http://www.inep.gov.br/>. Acesso em: jun. 2015.
LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem na escola: reelaborando conceitos e recriando a prática. Salvador: Malabares Comunicação e Eventos, 2003.
MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Orientações curriculares: Concepções para educação básica.Seduc. Cuiabá: SEDUC-MT, 2010. 128p.
MATO GROSSO.Secretaria de Estado de Educação. Escola Ciclada de Mato Grosso: Novos tempos e espaço para ensinar-aprender a sentir, ser e fazer. Cuiabá: SEDUC. 2000.
PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
QUEIROZ, S. L. Do fazer ao compreender ciências: reflexões sobre o aprendizado de alunos de iniciação científica em química. Ciência & Educação, Bauru, v. 10, n. 1, 2004.