Eugênio Magno Quem Tem Medo De Paulo Freire Mural Da Escola Municipal Paulo Freire Do Bairro Cidade Nova Caxias Do Sul. Foto Claudia Velho

Educação e Direitos Humanos: Dialogando com Paulo Freire

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Cicero Clarindo de Souza

Professor de Ensino Religioso Escolar na rede municipal de Betim. Bacharel licenciado em Filosofia (PUC Minas), fez estudos de Teologia (ISTA) e é pós-graduado em Ciências da Religião (UEMG). É membro do CDDH Betim e da Associação Cultural Afro Brasileira Betim Cor BraZil.

e-mail: sorekik63@gmail.com

Luiz Rena

Luiz Carlos Castello Branco Rena

Pedagogo(1986) e Mestre em Psicologia Social(1996) pela UFMG. Professor na Educação Básica (1980-2002) e na Educação Superior (PUC Minas/2000-2018). Professor voluntário na Rede EDUCAFRO MG; Coordenador da Ágora dos Habitantes da Terra no Brasil. Membro da Diretoria do Centro de Defesas dos Direitos Humanos de Betim.

e-mail: lcastellobrancorena@gmail.com

Artigo I

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

(Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948)

Os dias que se seguiram ao final da Segunda Guerra, em setembro de 1945, foram de espanto e perplexidade com as revelações do que havia ocorrido nos bastidores de um dos mais sangrentos conflitos bélicos da história recente. As barbáries cometidas contra as populações civis evidenciavam que a luta pelo poder e a disputa pela hegemonia de indivíduos ou nações fragmentariam a comunidade humana em sub-raças ou colocariam em risco a própria humanidade. A constatação de que processos políticos dentro e fora dos contextos de guerra sequestravam a dignidade humana, produzindo situações de extremo sofrimento de indivíduos e populações inteiras, está na base da mobilização de organizações e lideranças de diferentes setores para a construção da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Era urgente estabelecer um novo pacto de convivência humana, colocando limites à ação dos Estados sobre os indivíduos e populações vulneráveis. O processo civilizatório havia regredido e a humanidade demandava um novo marco legal; uma referência ético-moral para orientar a vida em sociedade para o presente e o futuro das próximas gerações.

Paulo Freire tinha 24 anos quando a guerra terminou e já estava cursando Direito na Universidade do Recife quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi promulgada em 10 de dezembro de 1948. A desilusão com o Direito como profissão no contexto de uma sociedade de classes levou Paulo Freire a migrar para o campo da Educação. Sua obra e trajetória revelam alguém determinado a fazer da educação uma ferramenta eficaz de empoderamento dos empobrecidos e da escola uma trincheira na guerra contra os mecanismos de submissão e opressão, como por exemplo, o analfabetismo. Para Paulo Freire, a dignidade humana que se defende na DUDH passa necessariamente pelo domínio da leitura e da escrita.  

Neste artigo pretende-se traduzir algumas das ideias centrais de Paulo Freire, como direitos de homens e mulheres reconhecidos em sua humanidade como condição fundante da ideia de direito. Para esse esforço, os autores foram buscar em outro texto já publicado algumas categorias do pensamento freiriano que poderiam ser expressas como direitos humanos (RENA, 2021).

“Toda pessoa tem direito à existência livre de qualquer amarra que a impeça de ser feliz em sintonia com seu tempo e em comunidade”.

Esse princípio da existência livre também é válido na escola, que deve ser esse lugar onde educadores e educandos se encontram como sujeitos livres. Essa liberdade os impulsiona a viver o seu tempo, isto é, a viver o momento atual como lugar de ação e de reflexão, lugar onde – no presente – se lê o passado e se projeta o futuro: “Será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política” (FREIRE, 1981, p. 100). Ora, a escola é o lugar, o espaço onde não deve haver amarras que impeçam a pessoa de ser quem ela pode ser. Na verdade, a escola deve ser esse espaço de possibilidades que ajudem a pessoa a realizar suas potencialidades.

“Toda pessoa tem direito à plena humanização marcada pela permanente procura e que só se realiza na parceria generosa com outra pessoa humana no contexto da comunidade de vida. O penoso e indispensável trabalho de reconhecer que eu sou porque nós somos’”.

Freire compreende que somos chamados a nos humanizar sempre mais: “É por estarmos sendo assim que vimos nos vocacionando para a humanização e que temos na desumanização, fato concreto na história, a distorção da vocação.” (FREIRE, 1994, p. 99) O sistema se sustenta e se reproduz através de múltiplos mecanismos de desumanização engendrados pelo capital que alcança a oprimidos e opressores: “A desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais. É distorção possível na história, mas não vocação histórica.” (FREIRE, 1981, p. 30).

A escola, sobretudo a escola pública, é um território privilegiado de encontros, nela se encontram os mais diversos modos de existir. Há encontros que à primeira vista são entre iguais, como o encontro entre os educandos e o encontro dos educadores. Mas, a diversidade é enorme nos dois grupos no que se refere à posição política, idades, cor e raça, gêneros e crenças. Também há diversidade estética. Há pessoas com deficiência e pessoas aparentemente sem.

Em um dado momento em que se falava de inclusão, em uma escola da rede municipal de Betim/MG em que 11% dos alunos tinham alguma deficiência, recordo-me de uma pedagoga dizer: “aqui somos todos inclusivos: alunos e profissionais da escola”. Suponho que essa pedagoga dizia que todos e todas somos incompletos, insuficientes para a nossa caminhada de humanidade, que era preciso reconhecermos que a outra pessoa possibilita, do jeito dela, com as habilidades e as deficiências que tem, que eu seja mais do que sou. Por outro lado, também contribuo para a humanização do outro. O encontro entre pessoas nunca é sem efeito, pois ele sempre pode nos afetar e, se houver o necessário diálogo nesse encontro, com certeza haverá crescimento, aprendizado e humanização.

“Toda pessoa tem direito à singularidade e como sujeito histórico ser protagonista na construção de seu projeto de vida em diálogo com as necessidades de seu povo.”

Em sua trajetória existencial, homens e mulheres vivem a tensão própria da sociedade de mercado entre a condição de objeto que se submete passiva e silenciosamente ao que lhe é determinado pelo opressor e a condição de sujeito reflexivo, ativo, portador de desejos e vontades que o mobilizam para a intervenção no mundo e na cultura. Para Freire “o homem integrado é o homem Sujeito” (FREIRE, 1980a, p. 42). Homens e mulheres podem e devem resistir à lógica da adaptação que nos coisifica e se colocar na história como seres inteiros, integrados que no exercício de sua liberdade transformam a sociedade e não se acomodam a uma realidade que deve permanecer como está. Uma das primeiras coisas que fazemos na escola básica, nos componentes curriculares mais reflexivos, é trabalhar a questão do sujeito. No estudo percebemos a riqueza de sentidos inerentes à pessoa, que em sua multidimensionalidade, é classe, afeto, gênero, raça, cor, altura, peso entre outras características que o tornam único, alguém singular. Como espaço privilegiado de interações sociais, a escola possibilita o encontro de homens e mulheres situados na história que, com suas singularidades, podem construir projetos comuns de convivência coletiva nos vários setores da vida social, econômica e cultural. O direito à singularidade não anula os direitos coletivos, mas os potencializa na medida em que se percebe que cada sujeito sócio-histórico deve receber os incentivos conforme as suas necessidades fundamentais.

 “Toda pessoa tem direito a ser acolhida na Cultura que a rodeia e a usufruir de seu patrimônio como bem de todas as pessoas preservado pela memória.”

Somos natureza e ao mesmo tempo criadores de cultura. As pessoas nascem e se desenvolvem em ambientes multiculturais que as envolvem. É importante que esse ambiente seja acolhedor, permitindo que a pessoa se expresse em suas plenas capacidades e sensibilidades. Como um grande cenário que vai sendo transformado ao longo da história, o sujeito vai descobrindo os diferentes papéis que lhe cabe assumir dentro do tempo que lhe cabe viver. Em seu processo permanente de vir a ser, cada um e cada uma dialoga com a cultura, negociando suas demandas. Às vezes cumprindo as normas outras vezes transgredindo-as. Isso permite esse movimento constante de quem constrói a cultura e é construído por ela: “Criando e recriando, integrando-se às condições do seu contexto, respondendo a seus desafios, transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo, o da história e o da Cultura” (FREIRE apud BRANDÃO, 1985: 18).

 “Toda pessoa tem direito à liberdade e às oportunidades, libertando-se do opressor que o habita.”  

É fundamental que a pessoa possa exercer sua liberdade plenamente. Nesse sentido, as oportunidades de expressar-se livremente e vivenciar integralmente a liberdade como valor e como prática social é condição para sua realização como pessoa. Também é importante que essa liberdade possa ser confrontada pelo ambiente cultural em que ela se dá, isto é, a comunidade. O encontro de pessoas livres faz com que as pessoas individualmente e suas comunidades possam avançar sempre mais contra as opressões coletivas.

A escola é um espaço privilegiado entre os vários lugares que propiciam a prática da liberdade, provavelmente o mais privilegiado, posto que ela é por excelência o espaço destinado ao mais amplo aprendizado não só dos componentes curriculares, mas também dos processos vitais que constituem a humanidade. Nesse sentido, na escola se aprende e se ensina sobretudo a conviver entre diferentes, o que dialogicamente, leva à prática da liberdade. Esse exercício deve ser regido pela lógica democrática, em que o direito à fala e, por conseguinte, à escuta é garantido a cada sujeito. Tudo isso não acontece automaticamente. Mas, ao contrário, não podemos esquecer que em nossa cultura a ideologia hegemônica incentiva o individualismo e a competição entre os sujeitos e os leva à dominação. A escola tem o papel ativo de ajudar a desvelar esse modo autoritário da sociedade funcionar. Portanto, há que se engajar efetivamente para que a liberdade seja de todas e todos, reconhecendo que a vida comunitária é plural. A escola tem papel ativo de ajudar a desvelar esse modo hegemônico de funcionar.  Não sendo a única, nem tampouco a melhor, possibilidade das pessoas para a convivência com equidade. Portanto, há que se engajar efetivamente para que a liberdade seja de todas e todos, reconhecendo a pluralidade de aspectos da vida comunitária.

 “Toda pessoa tem direito a compartilhar de uma ética, abraçando livremente os valores que sustentam suas escolhas.”

 A ética é fundamentalmente a reflexão que se faz sobre a vida, sobre os acontecimentos da vida, nos termos de avaliar se as ações que aí realizamos são corretas, justas, agregadoras das pessoas ou se, ao contrário, elas são atitudes injustas, prejudiciais e que levam à desagregação do indivíduo e da comunidade. O balizamento ético é fundamental para o desenvolvimento de qualquer pessoa. É importante saber quais são os valores referenciais da comunidade em que se está inserido, visto que a ética deveria permitir o pleno desenvolvimento pessoal em harmonia com os valores comunitários. Na ótica de Paulo Freire, não podemos jamais perder de vista que a nossa sociedade é composta por distintas classes sociais em permanente conflito, a classe trabalhadora e a burguesia. Assim, a ética não pode ser ingênua e desconsiderar a complexidade dessas relações em que há objetivamente opressores e oprimidos, em que há privilegiados e despossuídos. À reflexão ética cabe inclusive desnaturalizar expressões eufemistas que escondem a realidade concreta das coisas.

Essas questões éticas são presentes na escola não só como questões teóricas – recordando que a ética é a reflexão sobre a vida concreta – mas, sobretudo, como questões que desafiam o modo de viver na escola. Não basta, no dizer de Paulo Freire, fazer discurso sobre a importância da vida dialógica, solidária, libertária etc. É fundamental que essas coisas aconteçam nas ações do dia a dia. Para ele, “as qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos. Este esforço, o de diminuir a distância entre o discurso e a prática, é já uma dessas virtudes indispensáveis — a da coerência.” (FREIRE, 2011, p. 56).

 “Toda pessoa, sem qualquer distinção de sexo, raça, gênero, classe social, credo ou ideologia, tem direito a frequentar a escola e nela compartilhar a convivência com outros seres humanos.”

Toda pessoa tem direito de acesso aos saberes e de apropriação do conhecimento já produzidos por outras gerações ao longo da história.”

 A invenção da escola abre um espaço fundamental de aprendizado da convivência, posto que esse é um espaço plural onde crianças, adolescentes, jovens e adultos se encontram. Aprender a viver em conjunto é uma das tarefas mais relevantes e desafiantes que uma criança enfrenta desde os primeiros meses de vida. A escola é o espaço privilegiado do encontro com as diferenças – idade, sexo, raça, gênero, classe social, credo, ideologia, deficiências –, onde o sujeito educando/educador poderá vivenciar a alteridade como parte do seu processo de construção como pessoa.

Freire, ao mesmo tempo que criticava a escola elitista, explicitando suas contradições mais profundas, a defendia como direito da criança e da comunidade. A escola cidadã defendida por ele seria uma escola de currículo arejado, um projeto político-pedagógico aberto a todas as outras práticas educativas que emergem no território, acolhendo os diversos saberes que circulam na comunidade.

Frisa-se aqui a necessidade permanente de a escola não se aceitar como pronta, mas de se encontrar em um constante repensar sobre a sua ação que busca articular o conhecimento produzido pela humanidade nas mais diversas situações com o conhecimento trazido, vivenciado pelos sujeitos que a constituem na atualidade. Todo conhecimento já acumulado pela humanidade não poderia ser hermético e impenetrável.  Ao contrário, Freire defendia o indispensável diálogo entre todos os saberes, reconhecendo a multiplicidade de matrizes do conhecimento: o acadêmico, o erudito, o popular, o ancestral, religioso etc.

Como seres inacabados, inconclusos, Freire entende o conhecer como ato do sujeito, pessoal e compartilhado com o(a) outro(a), inerente ao processo de se fazer como homem ou mulher: “o ímpeto de criar nasce da inconclusão do homem” (FREIRE, 1989, p. 32). A aventura do conhecimento é vivida na experiência da cumplicidade com o objeto, aquilo que se quer conhecer e com os outros(as) parceiros indispensáveis no esforço de dar sentido ao mundo: “não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires” (FREIRE, 1981, p. 86).

“Toda pessoa tem direito a dizer a sua palavra, a romper com a cultura do silêncio e fazer o próprio discurso na relação dialógica com os outros e com o mundo.”

“Toda pessoa tem direito a ler o mundo e perceber nele suas contradições de classe, de gênero, de sexualidade, de religiosidade, de raça/cor, etárias, de territorialidade.”

 Onde há o humano ali reside a palavra. Em Paulo Freire homens e mulheres se constituem como sujeitos da cultura quando se apropriam da palavra como ato de pensar, como gesto político, como experiência ética e estética. A escola é, por excelência, esse lugar de valorização e exploração do mundo do discurso escrito e falado. As palavras, inventadas e reinventadas, estão vivas nas culturas presentes na escola. Elas são muito mais que possibilidades de comunicação. São ferramentas com as quais se intervém na realidade com potência de transformação das relações e do mundo concreto: “a palavra humana, tal qual a palavra divina, é criadora”. Para Freire, a nossa existência “não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo” (FREIRE, 1981, p. 90).

Através da palavra criativa, – fruto da práxis – compartilhada com os outros e as outras, grávida de sentidos e significações, o sujeito rompe com a cultura do silêncio e ousa dizer a própria palavra tantas vezes engolida à força, tantas vezes desprezada, tantas vezes silenciada pelas mordaças da opressão. Uma palavra profética que denuncia o que nos desumaniza e anuncia um sujeito emancipado na percepção do que lhe acontece e alcança seu povo.

A leitura da palavra como fato da linguagem, portanto, expressão de uma visão do mundo, é ao mesmo tempo uma técnica de apropriação do texto e de seu contexto. Para Paulo Freire, não é a mera repetição da língua culta que muitas vezes a escola insiste em impor. Há uma leitura do mundo que antecede a leitura da palavra e incide sobre o texto, altera sentidos e produz novos significados ao conteúdo compartilhado. Essa leitura do mundo permite ao sujeito, com seu jeito singular de se expressar, situar-se no cenário sócio-histórico em que sua vida acontece atravessada pelas tensões da sua época. A palavra dita e apoiada nessa leitura do mundo, externando, trazendo para fora aquilo que se passa na sua intimidade, possibilita ao sujeito um olhar sobre si mesmo e as condições concretas de sua existência, que inclui o opressor que o habita. Freire chega a se referir a essa experiência como uma:

espécie de psicanálise histórico-político-social de que vá resultando a extrojeção da culpa indevida, (assenhorando-nos de nós próprios). A isto corresponde a “expulsão” do opressor de “dentro” do oprimido, enquanto sombra invasora. Sombra que, expulsa pelo oprimido, precisa de ser substituída por sua autonomia e sua responsabilidade. (FREIRE, 1996, p. 33).

 “Toda pessoa tem direito a sonhar com o futuro, cultivando utopias que deem sentido à sua existência como enfrentamento do contexto que gerou o sonho.”

“Toda pessoa tem o direito de esperançar como movimento pessoal e coletivo capaz de interferir na história em busca de um outro mundo possível’”.

 Em Paulo Freire utopia e esperança andam de mãos dadas. A esperança é compreendida como um sentimento que mantém o sujeito comprometido com seu projeto de vida e com o projeto de sociedade de seu povo. Não se trata de uma esperança romântica, piegas e idealizada, que tanto convém ao sistema capitalista, mas uma esperança que mobiliza e funciona como antídoto do conformismo, do comodismo: “Não é, porém, a esperança um cruzar de braços e esperar. Movo-me na esperança enquanto luto e se luto com esperança, espero” (FREIRE, 1981, p. 97).  

Esperança vira verbo e gesto no pensamento freiriano: esperançar. Assim a esperança é traduzida em ações que anunciam o inédito-viável, o outro nome da utopia que se coloca no horizonte de homens e mulheres grávidos de esperança: “o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante” (FREIRE, 1979, p. 27). Essa esperança ontológica alimenta os sonhos daqueles e daquelas que estão à margem do sistema por dias melhores, dos educadores e educadoras que se desdobram para mobilizar nos educandos o desejo de aprender. Para Freire, a capacidade de sonhar está diretamente ligada à capacidade de resistência de um povo: “ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e anunciar” (FREIRE, 1983, p. 101).

Conclusão

Nos limites do espaço curto desse artigo, nos coube a difícil tarefa de comentar algumas categorias do pensamento freiriano que poderiam ser reconhecidas como direitos de todos os homens e mulheres do nosso tempo. Para Paulo Freire, uma Educação Libertadora só é possível se for uma educação para os direitos humanos que extrapolam os trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. As práticas educativas dentro e fora da escola só cumprem sua finalidade maior se assumirem radicalmente o “compromisso com o homem concreto, com a causa da sua humanização, de sua libertação” (FREIRE, 1976, p. 22).

Assim, estratégias, metodologias e recursos didáticos da educação para os direitos humanos deveriam ser componentes obrigatórios dos programas de formação de educadores e educadoras em todos os níveis de ensino. Sobretudo, porque, no momento presente da história brasileira, marcada por tantos ataques aos direitos fundamentais, é imprescindível incluir os Direitos Humanos como pauta prioritária na agenda das escolas e de outras organizações que fazem a educação acontecer, pois, sem o respeito e o compromisso pessoal e comunitário com os direitos humanos, não se pode chamar esse quefazer de educação libertadora e emancipatória.

Referências

 BRANDÃO, Carlos R. A educação como cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade: e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

FREIRE, Paulo, Conscientização e Alfabetização – uma nova visão do processo.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 11. ed., Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1980ª.

FREIRE, Paulo. Educação: o sonho possível. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). O Educador: vida e morte. 3. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1994.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

FREIRE Paulo. Pedagogia do oprimido. 2. edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

RENA, Luiz. Direitos Humanos segundo Paulo Freire. In Jornal Pensar e Educação em Pauta. FAE/UFMG: 2021.

Disponível em https://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/direitos-humanos-segundo-paulo-freire/ . Acesso em 24 de agosto/2021

Imagem de Destaque: Mural da Escola Municipal Paulo Freire, do bairro Cidade Nova, Caxias do Sul. Claudia Velho/reprodução

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