Análise das concepções alternativas dos estudantes de Ensino Médio sobre as funções orgânicas e suas relações com o meio ambiente
Francisco Espedito Diniz
Licenciando em Química pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN, bolsista dos programas PIBID/IFRN/CAPES e Residência Pedagógica – IFRN/CAPES.
E-mail: fc_francisco@outlook.com
Oberto Grangeiro da Silva
Doutor em Química pela UFPB. Atualmente é docente e Coordenador do Curso de Licenciatura em Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus Pau dos Ferros, RN.
E-mail: oberto.silva@ifrn.edu.br
Clécio Danilo Dias-da-Silva
Doutorando em Sistemática e Evolução pela UFRN, Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática pela UFRN, Especialista em Ensino de Ciências Naturais e Matemática pelo IFRN.
E-mail: danilodiass18@gmail.com
Daniele Bezerra dos Santos
Possui Doutorado em Psicobiologia pela UFRN. Atualmente é docente e Coordenadora do Curso de Especialização em Ciências Naturais e Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus Pau dos Ferros, RN
E-mail: daniele.bezerra@ifrn.edu.br
INTRODUÇÃO
A Química está presente em diversos aspectos da vida humana, no consumo constante de produtos químicos, na sua influência no desenvolvimento do país e seus impactos, nas consequências ambientais de suas aplicações tecnológicas, bem como, nas problemáticas relacionadas à qualidade de vida dos indivíduos e nas tomadas de decisões do cidadão, por isso, ela se torna fundamental na formação da cidadania (SANTOS, 2011).
No entanto, Nascimento, Ricarte e Ribeiro (2007) observaram que o ensino de Química nas escolas, geralmente, possui uma abordagem desconectada do cotidiano do aluno (ambiente, relações sociais, entre outros), sendo abordado de forma extremamente teórica, priorizando, maiormente, a transmissão de termos, conceitos e resolução de exercícios. Para os autores, o ensino de Química deve ser trabalhado com mais dinamismo e contextualização, reconhecendo os conhecimentos prévios do aluno, de forma a despertar o seu interesse através da correlação entre os conteúdos abordados na disciplina, seja de cunho teórico e/ou prático.
Na educação contemporânea, há uma busca constante pela superação do ensino tradicional e reducionista (MOURA-FIGUEIRA; ROCHA, 2016). No entanto, no ensino das Ciências (Química, Física e Biologia), diariamente são vivenciados diversos desafios no processo de ensino-aprendizagem, sendo os mais frequentes nas escolas, como o ensino voltado para a memorização e assimilação acrítica de conteúdos (nomenclaturas, fórmulas e conceitos), muitas vezes não possuindo significado para os alunos (PÉREZ, 2000; SANTOS et al., 2019).
No tocante ao ensino das disciplinas de Química, Física e Biologia, atualmente, as pesquisas voltadas para a área têm se preocupado com a análise das Concepções Alternativas (CA) dos alunos, visando identificar como os estudantes reconhecem os conteúdos no seu cotidiano e como estes podem auxiliar o professor no momento de planejamentos de suas aulas, relacionando o conteúdo ao interesse dos alunos, o que contribui para uma melhor mediação dos conceitos científicos em sala de aula (CASTRO; BEJARANO, 2013; CARDOSO, SILVA; LIMA, 2014; OLIVEIRA, AZEVEDO; SODRÉ-NETO, 2016; SANTOS et al., 2019).
Atualmente, trabalhos na área da educação em Ciências têm demonstrado que as CA dos alunos são de grande relevância para o processo de ensino e aprendizagem dos diversos temas explorados dentro da disciplina de Ciências (DIAS-DA-SILVA et al., 2019). Pozo e Crespo (2009) definem que as CA são construções subjetivas individuais dos estudantes para explicar os fenômenos naturais. Os autores consideram que as CA são originadas, em especial, de interações cotidianas dos indivíduos com o mundo que os cercam.
Para Moura-Figueira e Rocha (2016), as CA são representações das realidades vivenciadas e construídas por cada indivíduo, ao longo de sua vida e de acordo com as realidades que o cercam, acompanhando-o durante o seu desenvolvimento até os espaços acadêmicos (escolas, universidades), onde, estas serão agregadas aos conhecimentos científicos que serão explorados pelos docentes e, consequentemente, inseridos na estrutura cognitiva de cada indivíduo, favorecendo uma aprendizagem significativa do tema abordado (CÂNDIDO et al., 2015).
No tocante aos conteúdos de Química, diversas pesquisas realizadas propõem avaliar as concepções dos estudantes (CROS; FAYOL, 1988; CROS et al., 1988; FIGUEIRA, 2010; CARDOSO; SILVA; LIMA; 2014; SILVA et al., 2017), entretanto, poucos estudos foram desenvolvidos visando identificar as concepções dos estudantes sobre as funções orgânicas e suas relações com o meio ambiente. Nesse contexto, o presente trabalho busca investigar as concepções alternativas de estudantes de ensino médio sobre as Funções Orgânicas (FO) e suas relações com o meio ambiente, no intuito de auxiliar e contribuir na proposição de novas estratégias pedagógicas para o ensino de química na educação básica.
METODOLOGIA
A presente investigação apresenta um caráter qualitativo, por meio da abordagem da Pesquisa Participante (PP), uma vez que esta se insere no contexto educacional e tem na figura do educador/pesquisador um componente que faz parte do cenário estudado. Demo (1999, p. 126) define a PP como: “um processo de pesquisa no qual a comunidade participa da análise da sua própria realidade, com vistas a promover uma transformação social em benefício dos participantes”.
O estudo foi realizado na Escola Estadual Cid Rosado, localizada na Cidade de Encanto, região do Alto Oeste, no Estado do Rio Grande do Norte (RN) e teve como participantes os estudantes matriculados na 3ª série do Ensino Médio (n=36), turnos matutino e vespertino, escolhidos sob os seguintes critérios: I – estar devidamente matriculado na instituição; II – assiduidade nas aulas de química, incluindo concretização de atividades e discussões; III – assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), visando à segurança do pesquisador e do pesquisado. No entanto, apenas 27 alunos participaram efetivamente da pesquisa, respeitando os critérios estabelecidos.
Para análise das concepções alternativas, a proposta metodológica baseou-se nos trabalhos de Oliveira, Azevedo e Sodré-Neto (2016), Dias-da-Silva et al. (2019) e Santos et al. (2019), e consistiu em três etapas iniciais: Etapa 1→ elaboração do questionário semiestruturado sobre o tema funções orgânicas; Etapa 2→ aplicação do questionário individual na escola; Etapa 3→ análise dos dados.
Neste trabalho foram escolhidas questões abertas para serem analisadas de um questionário inicial, sendo ele composto por 06 questões. Para o levantamento das CA, foi solicitado aos alunos que respondessem a um questionário, conforme o “entendimento” que eles apresentavam sobre as funções orgânicas e a sua relação com meio ambiente. As perguntas presentes no questionário utilizado podem ser observadas no Quadro 1. O tempo destinado para a resolução dos questionários foi de 1h e 30min, o correspondente a 2 horas/aulas de Química na escola. Vale ressaltar que não foram dadas explicações prévias dos assuntos, para que isso não exercesse influência nas respostas dos participantes.
Considerando a natureza dos dados levantados, foi utilizada a pesquisa qualitativa, com procedimentos da análise de conteúdo de Bardin (2011). De acordo com a autora, a análise do conteúdo consiste em um conjunto de técnicas de estudo das comunicações que visam obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores, quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos. Para análise, os dados qualitativos foram categorizados e organizados de acordo com a proporção da apresentação das concepções dos alunos nas respostas dos questionários (Quadro 1).
Quadro 1: Questionário diagnóstico utilizado para a coleta de dados e categorias aplicadas
Fonte: elaborado pelos autores.
De modo geral, os dados obtidos foram agrupados e categorizados em tabelas no aplicativo Microsoft Excel 2010, para a elaboração de gráficos e tabelas para construção dos resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise das respostas da questão 1 – “O que você entende por Química Orgânica?” – permitiu identificar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre esse assunto. Foi possível observar (Figura 1) que 18% dos alunos (categoria 1) apresentavam conhecimento conceitual adequado ou correto sobre o tema, no qual as principais respostas estão associadas ao estudo dos compostos de carbono; 26% dos alunos (categoria 2) apresentam conhecimento sobre a química orgânica com ideias confusas, associando as respostas ao estudo do carbono e de minerais; 19% dos alunos (categoria 3) apresentam conhecimento limitado sobre o tema, associando-o aos organismos vivos, as plantas e animais; 37% dos alunos (categoria 4) não apresentam conhecimento sobre a química orgânica.
Figura 1: Concepções iniciais dos alunos em relação à questão 1Fonte: Dados da pesquisa
Exemplos dentro destas categorias podem ser visualizados no Quadro 3:
Quadro 3: Exemplos das respostas dos estudantes para a questão 1Fonte: Dados da pesquisa
Percebe-se que os alunos possuem pouco conhecimento sobre a química orgânica. Conforme destaca Nascimento, Ricarte e Ribeiro (2007), esta dificuldade pode estar associada a uma abordagem de ensino de Química desconectada do dia a dia do aluno e com enfoque extremamente teórico, voltado à memorização de conceitos e nomenclaturas.
Para a questão 2 – “Qual a importância de estudar química orgânica?” –, observamos que 33% dos alunos possuem uma visão naturalista (categoria 1) da importância de se estudar a Química Orgânica, 7% apresentam visão materialista (categoria 2), 15% apresentam visão holística (categoria 3) e a 45% falta conhecimento (categoria 4), pois não souberam dizer a importância de se estudar a química orgânica (Figura 2).
Figura 2: Concepções alternativas sobre a importância de estudar a química orgânicaFonte: Dados da pesquisa
Exemplo de respostas dentro destas categorias podem ser vistas no Quadro 4:
Quadro 4: Exemplos das respostas dos estudantes para a questão 2Fonte: Dados da pesquisa.
Através das justificativas, pudemos perceber que falta criticidade e fundamentação por parte dos alunos acerca da importância de estudar a química orgânica. Das respostas analisadas, os alunos apresentaram como principal argumento que “a mesma estava presente em nosso cotidiano e que por este motivo se fazia necessário ter conhecimento para fazer o uso correto e não prejudica o meio ambiente”, em contrapartida, muitas respostas negligenciaram a importância do estudo, não apresentando CA crítica e/ou reflexiva, corroborando para a falta de conhecimento dessa ciência.
Ao analisar as respostas apresentadas pelos alunos sobre a questão 3 – “O que são as funções orgânicas?”–, pudemos observar que 15% dos alunos detêm conhecimento do conceito de funções orgânicas (categoria 1), atribuindo como respostas o agrupamento de compostos orgânicos; 22% apresentam algum conhecimento (categoria 2), apresentando como resposta os nomes que são dados às substâncias ligadas ao carbono; 19% dos alunos (categoria 3) apresentam conhecimento restrito, argumentando que são as funções presentes nas cadeias carbônicas; e 44% não apresentaram conhecimento sobre o que são funções orgânicas ou não souberam responder, se enquadrando na categoria 4 (Figura 3). A química orgânica, de acordo com Santos e Mól (2013), é conceituada como o ramo da química que estuda as substâncias que contêm átomos do elemento químico carbono.
Figura 3: Concepções alternativas sobre o que são funções orgânicasFonte: Dados da pesquisa.
De um modo geral, percebe-se que a maioria dos alunos não apresenta conhecimento conceitual das funções orgânicas. Alguns exemplos de respostas dos alunos, conforme as categorias, podem ser vistos no Quadro 5:
Quadro 5: Exemplos das respostas dos estudantes para a questão 3Fonte: Dados da pesquisa
Nas escolas, conforme observado por Rodrigues et al. (2000) e Mitami, Martorano e Santana (2017), os conteúdos de Química, em especial de química orgânica, muitas vezes são trabalhados de forma mecânica, por meio de definições e de nomenclaturas, não propiciando os embasamentos necessários para o raciocínio científico, relações com o cotidiano e com o exercício da cidadania. Aliado a este fator, outros problemas são associados ao processo de ensino-aprendizagem. Dentre estes, como aponta Pazinato et al. (2012), grande parte dos professores do ensino médio ainda tem muitas dificuldades em contextualizar os conteúdos curriculares dessa disciplina em suas aulas.
Quando consultamos os alunos sobre os seus conhecimentos acerca das funções orgânicas, na questão 4, percebemos que 93% deles têm conhecimento geral sobre as funções orgânicas e apenas 7% não as conheciam. Observamos que, do total de alunos que afirmaram conhecer as funções, a análise das respostas permitiu identificar que eles têm conhecimento de, pelo menos, um tipo de função orgânica especifica: 30% destes relacionaram as funções orgânicas com os conhecimentos das funções dos hidrocarbonetos, 27% as relacionaram com as funções oxigenadas, 20% dos alunos associaram às funções nitrogenadas, 7% responderam que as funções orgânicas estão relacionadas à função álcool e apenas 2% à função éter. Registramos ainda que 14% não identificaram a função (Figura 4).
Figura 4: Percentual de respostas dos alunos que relacionaram as funções orgânicasFonte: Dados da pesquisa
Quando questionamos os alunos sobre a presença e a relação das funções orgânicas com o nosso cotidiano e com o meio ambiente, observamos que 93% deles responderam que as funções orgânicas estão presentes nas relações executadas em nosso cotidiano e estão presentes no ambiente, no entanto 7% dos respondentes sentiram insegurança em responder à questão. Das respostas que relacionaram as atividades cotidianas e com o meio ambiente, estas foram divididas em cinco categorias de acordo com a proporção das respostas apresentada pelos alunos.
Observamos que 31% das respostas tiveram associação com a categoria 2, em que foram citados os materiais gerais de uso diário, tais como plásticos e roupas; 23% das respostas estavam associadas à categoria 1, na qual encontram-se diversos tipos de combustíveis utilizados pela sociedade e presentes no cotidiano; 9% dos respondentes associaram as respostas à categoria 3, sendo citados materiais e produtos de limpeza diversos; 20% responderam estar presente no meio ambiente e 17% não apresentaram respostas (Figura 5).
Figura 5: Concepções alternativas sobre a relação das funções orgânicas com as atividades cotidianas e o meio ambienteFonte: Dados da pesquisa
De acordo com as respostas apresentadas é possível perceber que os alunos conseguem estabelecer alguma relação das funções orgânicas como o nosso cotidiano, a exemplo dos combustíveis, plásticos, roupas, materiais e produtos de limpeza entre outros. Quando consultamos sobre o uso inadequado de compostos orgânicos no meio ambiente e seus impactos nos rios, todos os registros demonstraram que o uso inconsciente dos compostos orgânicos poderia trazer muitos malefícios ao meio ambiente. As relações estabelecidas entre compostos orgânicos e a contaminação de rios variaram entre os diversos aspectos de contaminação da água, a diminuição da biodiversidade aquática (morte de animais), tornando a água imprópria para o consumo. Através das respostas apresentadas foi possível perceber que os alunos conseguem identificar e compreender a problemática da poluição do rio relacionada às funções orgânicas, atribuindo possíveis problemas ao ecossistema.
Nossos dados indicam que os alunos conseguem associar a importância dos conteúdos das funções orgânicas com seu cotidiano e, em especial, reconhecem a sua relação direta com o meio ambiente. Os trabalhos de Santos e Schnetzler (1996), Schnetzler (2002) e Amaral et al. (2009) relataram que uma das grandes metas do ensino dos conteúdos de química orgânica, na formação do cidadão crítico e reflexivo, é o de identificar e fornecer conhecimentos fundamentais que permitam ao aluno se inserir e participar ativamente da sociedade.
Diante deste cenário, diversas metodologias podem ser aplicadas, dentre elas destaca-se o ensino por investigação, a abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), diagnóstico e análise das concepções alternativas, abordagem dos três momentos pedagógicos (3 MPs), entre outros, de forma que os conteúdos não se restrinjam apenas às teorias científicas, mas, sobretudo sejam relacionados com temas sociais relevantes (SCHNETZLER, 2002; MOURA-FIGUEIRA; ROCHA, 2016; DELIZOICOV, ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002, 2011)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo evidenciou as diversas concepções alternativas que os estudantes apresentavam acerca das funções orgânicas e suas relações com o ambiente. Percebeu-se que poucos discentes possuíam um conhecimento conceitual adequado sobre a temática, e estes conhecimentos, quando presentes, estavam associados, sobretudo, a uma visão naturalista.
Apesar de a maioria dos alunos não conhecerem uma definição adequada sobre as FO, verificou-se que eles conhecem, pelo menos, um tipo de seus exemplos, associando-as a hidrocarbonetos, funções oxigenadas, álcool, dentre outros. Evidencia-se também que muitos dos estudantes investigados acreditam que as FO estão presentes em diversas relações executadas em nosso cotidiano e no meio ambiente, e que estas se relacionam com os combustíveis e com objetos de uso diário.
Diante deste contexto, salienta-se a importância do conhecimento das concepções alternativas que os estudantes possuem sobre as FO e o meio ambiente, pois é a partir dele que se torna possível identificar os pontos a serem explorados em sala de aula. Faz-se necessário um estudo mais aprofundado, fazendo com que se atribuam práticas pedagógicas para o ensino desta temática. Recomenda-se que os educadores atualizem seus métodos de ensino e busquem trabalhar por meio de práticas interdisciplinares, como, por exemplo, entre as disciplinas de Química e Biologia. Aponta-se que a busca por dispositivos de aprendizagem e estratégias didáticas deve ser contínua, pois estes têm a função de estimular e despertar interesse dos alunos em conhecer de forma mais integrada a química orgânica e suas relações com o meio ambiente.
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