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Janusz Korczak: uma vida em defesa da infância

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Mércia Gonçalves

Sou pedagoga com especializações em psicopedagogia, neuropsicopedagogia e espiritualidade na prática clínica. Trabalho como Educadora Infantil do Colégio Santo Agostinho de Contagem. Faço parte do grupo de pesquisa em espiritualidade e saúde da associação mineira de pediatria, pertencente ao grupo de voluntariado Betim Compassiva. Autora do capítulo “O compartilhamento do cuidado e educação de crianças hospitalizadas: as marcas da dor e do amor na ação docente” do livro: Relatos e vivências de profissionais na educação infantil: reflexões sobre a docência em que apresento a classe hospitalar como direito das crianças e adolescentes.

Contato: merciamog@gmail.com

“[…] Entre os adultos, qualquer pessoa honesta é merecedora de confiança, mas a mais honrada criança é sempre suspeita”

(Janusz Korczak, 2022, p. 176)

Meu primeiro contato com o pensamento de Janusz korczak (Varsóvia, 22 de julho de 1878 ou 1879 Treblinka, 5 ou 6 de agosto de 1942), ocorreu por meio de meus estudos sobre as abordagens que são feitas com as crianças hospitalizadas. Indico a leitura dos livros:  Quem foi Janusz Korczak? (Arnon, 2005); Uma vida em defesa da infância (Sarue, 2022); Quando eu voltar a ser criança (Korczak, 2022); e O bom doutor de Varsóvia (Gifford, 2022), os quais li com entusiasmo, especialmente após conhecer sua biografia.

Korczak foi médico, pediatra, pedagogo, escritor, autor infantil, publicista e ativista social, entre tantos outros fazeres. Destacou-se como pedagogo inovador e autor de obras no campo da teoria e prática educacional, além de ser precursor nas iniciativas em prol dos direitos da criança. Estudou a infância e era altamente sensível às crianças desamparadas que via perambulando pelas ruas de Varsóvia. E foi assim que “sua consciência social foi despertada para uma luta que se tornou também o leitmotiv de sua vida: mudar o mundo. Mas compreendeu que, para isso, era necessário, antes de tudo, mudar a atitude dos adultos em relação à criança” (Arnon, 2005, p. 12). Ao estudar profundamente a infância e seus desdobramentos quanto ao seu desenvolvimento biológico e emocional, Korczak revolucionou a educação de sua época, visto que “ele entendeu o mundo da criança, sua sensibilidade, seus sentimentos e suas reações” (Arnon, 2005, p. 12).

Trabalhando como voluntário em uma biblioteca de Varsóvia, ele teve acesso a muitos conhecimentos sobre a infância e a educação, e dois pensadores influenciaram seu modo de pensar e o ajudaram a desenvolver uma pedagogia centrada na liberdade e no protagonismo:  o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau e o pedagogo suíço Johann Pestalozzi: “Com a obra Rousseauniana aprendeu que a criança deveria ser educada em liberdade e viver cada fase da infância na plenitude de seus sentidos; com Pestalozzi, entendeu e aplicou no dia a dia do orfanato as ideias da educação democrática” (Arnon, 2005, p. 30).

Crianças são seres sensíveis e abertos ao mundo que lhes é apresentado, nelas não há preconceitos nem separações (Arnon, 2005). Korczak observava que as crianças eram parecidas em seus anseios, medos e desejos e que muitos de seus comportamentos deviam-se à incompreensão do adulto que as acompanhava em sua educação. Elas eram seres livres por natureza e, quanto mais fosse respeitada essa liberdade, melhor elas se saíriam em suas escolhas (Arnon, 2005).

Na qualidade de diretor de um orfanato, Korczak desenvolveu um modelo de pedagogia baseado em uma gestão democrática, chamando a atenção para o protagonismo da criança, sua competência em realizar pequenas ou complexas tarefas diárias, em resolver os conflitos com coragem e segurança em si mesma. Para ele, “as crianças devem ter a chance de expressar seus sonhos e temores, suas aspirações e perplexidades” (Arnon, 2005, p. 36). Assim. as crianças trabalhavam em grupo e cooperavam com o bem-estar de todos, aprendiam e valorizavam os cuidados pessoais e coletivos.

Diante disso, compartilho com vocês o que tenho apreendido do pensamento de Janusz Korczak a fim de pensarmos sobre nossas crianças e suas infâncias, especialmente dentro das instituições escolares: nossos planejamentos são pensados para oportunizar e encorajar o seu protagonismo? Ouvimos suas queixas, suas curiosidades, suas compreensões sobre o mundo em que vivem e observam?  Onde estão nossas crianças no espaço escolar? Paramos para olhá-las em seus olhos? Observamos como andam, correm, tocam, manuseiam e exploram o mundo com seus sentidos? Acolhemos os seus choros, suas agressividades, medos e frustrações? Deixamo-nas livres ou as aprisionamos em nossos métodos de controle comportamental e em didáticas que as emparedam e oprimem a sua criatividade, imaginação e fantasia próprias da idade e tão fundamentais?

Foi em busca do rompimento de práticas opressivas que Janusz Korczac priorizou, no ensino e na vida das crianças, elementos que possibilitavam a convivência democrática, pois nesse lugar todas podiam expressar suas ideias. E nesse sistema de autogestão as emancipava e lhes conferia direitos. Ele buscava romper com modos abusivos de poder, nos quais as crianças apenas seguiam a direção apontada pelos adultos detentores do poder de escolhas que elas seguiam caladas e suas vozes não eram ouvidas.  Ao contrário disso, como exemplo, havia o  Tribunal Infantil, o qual zelava pelo respeito à pessoa humana e era composto por um juiz, um conselheiro jurídico e um secretário. O conselho era representado pelo educador e por duas crianças eleitas pelo voto secreto, elas permaneciam no cargo por três meses. Todas as decisões tomadas nesse tribunal eram lidas em voz alta para as outras crianças. Esses processos, segundo o autor, protegeriam as crianças contra a ilegalidade, o arbítrio e o despotismo do educador (Sarue, 2022).

Adiantando um pouco mais sobre a sua biografia, foi o amor profundo de Janusz pelas crianças do seu orfanato que o levou à atitude mais extremada a que se pode chegar ao se defender uma vida: ele morreu junto a elas na câmara de gás, no campo de concentração de Treblinka, num período sombrio da história: o Holocausto. Ao ver que todas as crianças do orfanato estavam sendo conduzidas pelos  soldados de Hitler, Janusz, cuja história me tocou profundamente, proferiu as seguintes palavras, ouvidas por uma testemunha, cujo teor demonstra seu compromisso incondicional com as crianças, : “Se não deixamos uma criança doente sozinha, enfrentando a escuridão, também não podemos abandonar uma criança num momento como este” (Korczak apud Gifford, 2022, p. 6), e assim marchou junto a elas para dentro do vagão.  

Janusz Korczack (2022) nos diz o quão importante é reconhecer e garantir a legitimidade do pensamento da criança, validar suas falas, expressões de seus sentimentos, transmitir conforto e segurança,  no sentido mais amplo da palavra. Nós, professores da infância, precisamos nos impregnar desse cuidado responsável pelas crianças, preservando a sua potência humana.

Deixo aqui o meu convite aos leitores e leitoras da Revista Brasileira de Educação Básica a conhecerem a obra de Janusz Korczak a fim de compreenderem as suas escolhas e reconhecerem nesse médico, pedagogo, jornalista e poeta  muito do que sonhamos e defendemos em nossas práticas docentes. Enfim, acredito que, para garantirmos o direito às crianças de serem e se expressarem em sua identidade é preciso, como educadoras/es da infância, carregar em nossos  corações o desejo responsável em edificar suas vidas observando-as atentamente quando estão sob nossos cuidados e dizendo a elas por meio de nossas ações o quanto as amamos.

 

REFERÊNCIAS

ARNON, Joseph. Quem foi Janusz Korczak? Perspectiva. Associação Janusz Korczak do Brasil, 2005.

GONÇALVES, Mércia Maria de Oliveira. O compartilhamento do cuidado e educação de crianças hospitalizadas: as marcas da dor e do amor na ação docente. In: LOMBA, M. L. de R. (Org.). Relatos e vivências de profissionais na Educação Infantil: reflexões sobre a docência. Curitiba: Appris, 2023. p. 127-135.

KORCZAK, Janusz. Quando eu voltar a ser criança. Summus editorial. 18ª ed. São Paulo: 2022.

SARUE, Sarita Munic. Janusz korczak: Uma vida em defesa da infância. Summus editorial. 1 ed. São Paulo: 2022.

GIFFORD, Elisabeth. O bom doutor de Varsóvia. Jangada. São Paulo: 2022.

GONÇALVES, Mércia Maria de Oliveira. Janusz Korczak: uma vida em defesa da infância. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 7, Número 28, dezembro, 2023, ISSN 2526-1126. Disponível em: link . Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).

Imagem de destaque: Imagem retirada do livro SARUE Mucinic; Sarita; Uma vida em defesa da infância.

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