Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade: uma reflexão no ensino fundamental I
Janete Pereira Santos Carvalho
Professora pedagoga da Escola Maria Da Glória D’Áviz, professora de Língua Portuguesa e Laboratório de comunicação do Colégio Loanda-ensino Dom Bosco.
E-mail: janetepereira23@hotmail.com
INTRODUÇÃO
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um dos mais frequentes distúrbios presentes no processo de ensino e aprendizagem, quando o mesmo se manifesta em crianças, podendo-se prolongar na fase adulta. A Hiperatividade, uma alteração neurobiológica de origem genética, constitui-se em um descontrole motor acentuado, que faz com que a criança tenha movimentos bruscos e inadequados, mudanças de humor e desatenção, como assinalam Green e Chee (2015).
No Ensino Fundamental I, um número acentuado e significativo de alunos é diagnosticado com o TDAH, sendo a proporção de três para uma criança. Esses dados foram relatados na pesquisa de Green e Chee (2015), desenvolvida como forma de esclarecer e compreender o TDAH. Este aumento de casos causa inquietação nos pais, nos profissionais da educação, bem como em profissionais da área de saúde, devido ao fato de ser um tema pouco explorado durante a formação dos profissionais da educação.
Com o intuito de minimizar as consequências deste transtorno em sala de aula, faz- se necessário aprofundar as seguintes questões: Como identificar o transtorno do déficit de atenção diagnosticada na infância? O que é realmente o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade? Quais são as suas causas?
O presente artigo é resultado de estudos desenvolvidos para a elaboração do trabalho de conclusão de curso (TCC) do curso de Especialização em Gestão Educacional-Administração, Supervisão e Orientação da UNICESUMAR Tratando-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico, foram analisados livros, dissertações e artigos científicos que enfocam o processo de aprendizagem, o desenvolvimento de crianças com TDAH e suas dificuldades com o conhecimento científico.
No decorrer da elaboração desse trabalho, que teve por objetivo principal refletir sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), foi possível perceber, por meio dos dados obtidos na pesquisa bibliográfica, que as causas e as implicações do TDAH no processo de escolarização devem ser consideradas nesse percurso.
Diante disso, esta pesquisa está organizada da seguinte forma: no primeiro momento discute-se o que define Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e suas consequências. E no segundo momento, aborda-se a questão do diagnóstico e tratamento do TDAH em crianças, processo que se baseou em um conjunto de autores pesquisados, como Assis (2014), Cabral & Silva (2010), Cruz (2007), Sam Golstein (2001), Pereira (2005), Pinna (2007), Green & Chee (2015) e Silva (2010).
Neste caminho, conclui-se que cabe aos adultos e docentes atentar-se à forma como a criança age espontaneamente para investigar a presença do TDAH, considerando-se, para tanto, os sintomas apresentados nos diferentes ambientes em que elas se encontram inseridas. Com isso, busca-se propiciar a emergência de intervenções, bem como a prática da colaboração para o desenvolvimento pleno das funções psicológicas superiores.
TDAH: SUAS DEFINIÇÕES E CAUSAS
As primeiras versões relacionadas ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade surgiram com o médico pediatra George Still por volta de 1902, como afirmam os autores Cabral & Silva (2010):
A primeira descrição oficial do que hoje chamamos TDAH data de 1902, quando um pediatra inglês, George Still, apresentou casos clínicos de crianças com hiperatividade e outras alterações de comportamento, que em sua opinião não podiam ser explicadas por falhas educacionais ou ambientais, mas que deveriam ser provocadas por algum transtorno cerebral na época desconhecido. (CABRAL; SILVA, 2010, p. 4).
O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, conhecido como TDAH, segundo os estudos realizados Sam Goldstein (2001), é uma doença na qual se desenvolve um aspecto comportamental. O tratamento deve ser diferenciado para cada nível de hiperatividade.
Silva (2010) define o TDAH como alterações da atenção, da impulsividade e da velocidade da atividade física e mental, na qual a pessoa possui um cérebro que nunca pára de realizar tarefas, ou seja, sempre está em aceleração:
O TDAH se caracteriza por três sintomas básicos: desatenção, impulsividade e hiperatividade física e mental. Costuma se manifestar ainda na infância e em cerca de 70 % dos casos o transtorno continua na vida adulta. Ele acomete ambos os sexos, independentemente do grau de escolaridade, situação socioeconômica ou nível cultural, o que pode resultar em sérios prejuízos na qualidade de vida das pessoas que o têm, caso não sejam diagnosticadas e orientadas precocemente. (SILVA, 2010, p. 8)
Cabral & Silva (2010) relacionam a desatenção ao aluno que não consegue estar concentrado em um período pequeno ou muito menos longo. Este sintoma é responsável por grande parte dos erros que os estudantes cometem em matérias que seguramente dominam. Nesse caso, no momento da prova a atenção desmorona, sendo desviada por qualquer barulho ou outro estímulo.
Para Silva (2010), a dificuldade em se manter concentrado em determinado assunto, pensamento, ação ou fala, muitas vezes, leva a criança a situações bastante desconfortáveis, pois não consegue realizar a tarefa e, em consequência, irrita-se e se desestimula facilmente. A criança apresenta dificuldade em manter uma leitura, em prestar atenção à fala dos outros, muitas vezes capta apenas falas fragmentadas e soltas do assunto que está sendo tratado. Ainda quando criança, assim como na fase adulta, o indivíduo pode apresentar desorganização cotidiana, perder objetos com frequência atrasar-se ou faltar aos compromissos.
A hiperatividade é o aumento da atividade motora. A pessoa hiperativa não consegue permanecer quieta. Segundo os professores, tratam-se de alunos com as seguintes características: levantam-se da carteira a todo instante, mexem com um ou com outro colega, gesticulam muito, suas mãos estão sempre ocupadas pegando objetos ou desenhando algo, falam sem parar, costumam monopolizar as conversas, não deixando a pessoa com quem estão, falar ou expressar suas ideias, o que acaba produzindo um isolamento entre emissor e receptor.
Parece que é elétrica, ou que está com um motorzinho ligado o tempo todo. Raramente consegue ficar sentada, mas se é obrigada a permanecer sentada, se revira, bate com os pés, mexe com as mãos, ou então acaba adormecendo […].Uma criança mais hiperativa nem mesmo para comer consegue sentar, quanto mais para assistir a um programa de televisão, ler um livro ou uma revista. (Cabral; Silva, 2010, p. 5)
Já a característica de impulsividade, para os autores supracitados, refere-se a uma dificuldade no controle dos impulsos, trata-se do “agir antes de pensar”. Um exemplo é quando uma criança é incomodada ou contrariada por outra, logo, espontaneamente, ela a agredirá por impulso e por ansiedade de afasta-lá. Quando adulto, costuma-se dizer que a pessoa “trocou os pés pelas mãos”, uma vez que age por impulso, não conseguindo esperar. Atua compulsivamente para comprar algo, com frequência sai de empregos, dentre outras atitudes encontradas. Como ressaltam Cabral & Silva (2010), as pessoas com TDAH “tendem a ser imediatas, sem reflexão” (p. 5).
Segundo Cruz (2007), o TDAH é considerado uma patologia da modernidade, ocorrendo mais em crianças do sexo masculino. O transtorno é encontrado em meninas, no entanto em uma quantidade menor. Nos meninos, os sintomas aparecem, muitas vezes, como agressividade, o que pode favorecer a produção de uma visão negativa sobre os alunos homens, uma vez que o modelo de aluno ideal, para a sociedade, é o de aluno que apresenta um bom comportamento.
Assis (2014) pontua que a atenção de crianças de até dois anos de idade é controlada por meio de estímulos, visto que as crianças pequenas ainda não conseguem controlar sua atenção. No caso das crianças hiperativas, prevalece a atividade motora desorganizada e excessiva, chamada de impulsividade, sem razão aparente para tal.
DIAGNÓSTICOS E TRATAMENTOS DO TDAH EM CRIANÇAS
Para diagnosticar uma criança com TDAH não existe um exame clinicamente comprovado. Como salienta Assis (2014), os resultados dessas avaliações diagnósticas são baseados em observações e entrevistas, realizadas com os responsáveis pela criança e com pessoas que estão envolvidas em seu cotidiano, sobretudo os professores, visto que na nossa cultura, as crianças passam a maior parte do tempo na escola.
A autora supracitada assevera que “o diagnóstico deve ser feito com muita cautela, e todos os que convivem com a criança (pais, professores, psicólogos, psicopedagogos e médicos) devem contribuir para chegar ao diagnóstico preciso do TDAH.” (ASSIS, 2014, p. 9).
Nessa linha de análise, Pinna (2007) concretiza que a fase de diagnóstico e tratamento é muito difícil, pois todos os profissionais da área envolvida devem ficar atentos que:
Tanto o processo diagnóstico quanto o tratamento do TDAH são complexos, não só pelo caráter dimensional dos sintomas de desatenção e/ou hiperatividade, mas também pela alta frequência de comorbidades psiquiátricas apresentadas pelos pacientes. Profissionais da área de saúde mental da infância e adolescência frequentemente se deparam com situações clínicas em que o diagnóstico do TDAH deve levar em consideração a presença de diferentes condições, tais como défices cognitivos, transtornos do aprendizado ou transtornos invasivos do desenvolvimento, sendo fundamental o melhor entendimento da complexidade desses casos para adequada orientação, elaboração da intervenção terapêutica e avaliação da necessidade do suporte educacional e emocional para esses pacientes e suas famílias. (PINNA, 2007, p. 2)
Diante do fato de não existir exame para diagnosticar o TDAH, Cezar & Machado (2007) afirmam que o diagnóstico é um processo de aproximação de múltiplos pontos de vista e de avaliação larga. Frente a essa realidade:
É preciso estar atento à presença de sintomas que são concomitantes a outros transtornos (comorbidades). Ansiedade, depressão e certos tipos de problemas de aprendizagem causam sintomas semelhantes aos provocados pelo TDAH. O mais importante é se fazer um cuidadoso histórico clínico e desenvolvimental, onde se inclui dados recolhidos de professores, pais e de adultos que interagem de alguma maneira com a criança avaliada, um levantamento do funcionamento intelectual, social, emocional e acadêmico e exame médico, geralmente neuropediatra, bem como testes psicológicos e/ou neurológicos. (CEZAR; MACHADO, 2007, p. 6)
Assis (2014) assinala que o profissional deve estabelecer o tratamento mais adequado para a criança e ressalta que a abordagem mais utilizada tem sido a medicamentosa, por meio do uso de estimulantes, como o Metilfenidato, conhecido como Ritalina. Este tratamento deve ser realizado junto a um profissional da área psicológica, pois muitos dos problemas sociais causados pela hiperatividade costumam deixar a criança com baixa autoestima. Pereira (2005) aborda os efeitos terapêuticos desses agentes, como podemos verificar na citação abaixo:
A ação terapêutica de agentes noradrenérgicos se faz pela melhora das funções do córtex pré-frontal — memória de trabalho, resposta inibitória e planejamento sob condições distratoras. Ainda, evidências sugerem que os agonistas alfa-2 agem diretamente no CPF aumentando a memória de trabalho. Um modelo plausível é que essas medicações aumentem a atividade frontal inibitória através de vias dopa e noraminérgicas sobre estruturas subcorticais atingidas por desequilíbrios neurotransmissores de etiologias diversas. (PEREIRA, 2005, p. 4)
Em virtude dessas considerações, Assis (2014), assim como Pereira (2005), frisam que o diagnóstico de TDAH pode ser confirmado quando os sintomas interferem significativamente na vida da criança em mais de um ambiente, configurando um comportamento crônico e com duração de no mínimo seis meses.
Para Goldstein (2001), por muito tempo, as pessoas pensavam que os sintomas do TDAH diminuíam com a adolescência, porém, pesquisas mostraram que a maioria das crianças com TDAH chegam à maturidade com um padrão de problemas muito parecido aos de quando eram crianças. Tornando-se adultos com TDAH, essas pessoas experimentam dificuldades no trabalho, nos relacionamentos do dia a dia e na vida familiar. Ainda há registros de um número maior de problemas emocionais, incluindo depressão e ansiedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados obtidos na realização da presente pesquisa bibliográfica indicaram que se os sintomas do TDAH persistirem por um período de no mínimo seis meses, faz-se necessária uma investigação profunda, que envolva profissionais da educação e da medicina, de modo a evitar erros diagnósticos que causem perdas para o desenvolvimento e aprendizagem da criança.
Uma vez que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores é fundamental para qualquer indivíduo, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade pode-se desenvolver na criança que se encontra em idade escolar e, quando não diagnosticado, tende a acarretar prejuízos significativos na sua aprendizagem.
É de suma importância a existência de estudos sobre TDAH, assim como a sua divulgação nos ambientes escolares, pois quanto mais conhecimentos tiverem as famílias e os professores sobre o tema, mais os suportes necessários à escolarização serão ampliados, diminuindo, assim, os problemas que podem emergir durante o ensino fundamental I.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Fernanda Cezar. TDAH no Espaço Escolar: atendimento de alunos por meio da mediação dos professores. 2014, 128 p.(Trabalho de Conclusão de Curso em Pedagogia), Faculdade de Pedagogia. Universidade Estadual de Maringá (UEM), 2014.
CABRAL, Sérgio Bourbon; SILVA, Katia Beatriz C. A Criança com TDAH e a Escola. 2010. Disponível em: <www.tdah.org.br> Acesso em: 12 nov. 2017.
CEZAR, Marisa Jesus de C.; MACHADO, Ligia de Fátima J. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em Crianças – Reflexões Iniciais. 2007.16p. (Trabalho de Conclusão de Curso) Faculdade Maringá Instituto Paranaense de Ensino. Maringá, 2007. Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/
Pedagogia/transtorno_de_deficit_de_atencao.pdf>. Acesso em: 23/01/2017.
CRUZ, Michelle B. João e o pé de TDAH: um transtorno relacionado aos meninos? (Trabalho de Conclusão de Curso) Faculdade Porto-Alegrense, Núcleo Integrado de Pós-Graduação Psicopedagogia: abordagem institucional e clínica. Porto Alegre, 2007. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ea000971a.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2017.
GOLDSTEIN, Sam; GOLDSTEIN, Michael: tradução Maria Celeste Marcondes. Hiperatividade: Como Desenvolver a Capacidade de Atenção da Criança. Campinas: Papyrus; 2001.
GREEN, Christopher; Chee, Kit. Filhos inquietos. São Paulo: Fundamento Educacional, 2015.
PEREIRA, Heloisa S. Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH): aspectos relacionados à comorbidade com distúrbios da atividade motora. (Trabalho de Conclusão do Curso) Faculdade de Ciências Médicas. Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v5n4/27757.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2017.
PINNA, Camila. Dificuldades no diagnóstico de TDAH em crianças. 2007. 18p. (Trabalho de Conclusão de Curso) Instituto de Psiquiatria. Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB-UFRJ). Disponível em: <https//www.researchgate.net/profile/Camilla_Pinna/publication/262635391_
Challenges_in_diagnosing_ADHD_in_children/links/540f0bab0cf2f2b29a3dc3cf.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2017.
SILVA, Ana Beatriz B. Mentes inquietas: TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
Essa temática é muito importante e merece uma atenção especial dos pedagogos que precisam estar atentos aos campos de disputa das relações de poder/saber de sua área profissional.