Os órfãos de Brumadinho e as práticas pegagógicas

Franciene Abreu – Franciene Abreu

Franciene Fernandes Marinho de Abreu

Olá, eu sou a Fran Abreu, uma professora com mais sonhos do que medos. Adoro arte, novas culturas, viajar, assistir a filmes, series e sentir-me livre. Me formei em História em 2014, sou técnica em Comunicação Visual pelo SENAI – CECOTEG, área em que trabalhei por 12 anos e agora estou cursando Pedagogia- UEMG, atualmente faço parte da equipe de Projetos Educacionais da Fundação Helena Antipoff.

Brumadinho, Minas Gerais, sexta feira, às 12h 28min 25s do dia 25 de janeiro de 2019, rompe a barragem de rejeitos de minério da Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale S.A.

Após três anos de buscas realizadas pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, o número de óbitos chega a 264 conforme dados atualizados em 24/01/2021 pela Vale S.A, as buscas continuam por 06 pessoas desaparecidas1. Também são considerados dois bebês nascituros (bebês no ventre da mãe, não nascidos)2 de acordo com dados informados pela ONG AVABRUM (Associação dos familiares de vítimas e atingidos pelo rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão – Brumadinho MG).

Imagine, de um dia para outro, ficar sem pai, mãe, perder outros integrantes da família, amigos, vizinhos  É um trauma que afeta qualquer ser humano, mas fica ainda mais difícil
quando é enfrentado por crianças e adolescentes.

Diante de tudo isso a escola tem o papel de acolher e de gerar transformações nas pessoas ligadas a esse tipo de situação: alunos e professores. O tema morte é pouco abordado nas escolas, geralmente é motivado por situações específicas nas quais ocorra um evento envolvendo os membros da escola ou do seu entorno. É possível utilizar a sala de aula para explicar que a morte, assim como as perdas, fazem parte do ciclo vital de todos os seres, que todos passam por essa experiência, e que é possível superá-la, desde que se fale a respeito. Mesmo que nenhum aluno esteja passando pelo luto, falar sobre a morte é importante para ensinar e prepará-los para quando essa experiência surgir. É uma forma de prevenção, e mostra que a escola é um ambiente aberto para se falar sobre o assunto sempre que necessário.

Compreender as práticas pedagógicas realizadas na escola e demonstrá-las é importante para entender e saber lidar com a perda e o luto, processos que fazem parte da vida. A escola é um ambiente de socialização e convivência, onde as experiências de perda e luto podem ser vividas pelos alunos, e trabalhadas pelos professores com intenções educativas e formativas para a vida e a cidadania.

Em 2019 atuei como monitora no Ensino Fundamental I em uma escola particular de Brumadinho, quando ocorreu o rompimento da Barragem Mina do Córrego do Feijão. O número significativo de crianças enlutadas que perderam pai ou mãe, que estavam ou foram matriculadas na escola no referido ano, motivou-me a estudar como o tema morte na educação é abordado pelos professores no ambiente escolar em suas práticas pedagógicas, principalmente no Ensino Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental I. Este é um tema raramente abordado na literatura dedicada ao estudo da Pedagogia.

A morte, a perda e o luto

A morte na nossa cultura ainda é tratada como tabu por grande parte das pessoas, e o luto na maioria das vezes não é vivenciado da forma que deveria ser, pois há um certo desconforto quando se fala nesse assunto. Não conversar sobre a morte, deixar o assunto afastado da realidade pode parecer cômodo, por não causar desconfortos ou não gerar reflexões sobre perdas e dores. No entanto, pode gerar diversos prejuízos, especialmente, quando há perdas. É preciso compreender que o período do luto é indispensável para processar a perda e seguir em frente.

Quando esse tema envolve um desastre ambiental da proporção que aconteceu em Brumadinho, é ainda mais complicado lidar com a morte e com o luto. Desastres são

definidos pelo Ministério da Integração Nacional como resultado de eventos adversos naturais ou provocados pelo homem sobre um cenário vulnerável, causando grave perturbação ao funcionamento de uma comunidade ou sociedade, envolvendo extensivas perdas e danos humanos, materiais, econômicos ou ambientais que excedem sua capacidade de lidar com os problemas usando meios próprios (BRASIL, 2012 apud KOVÁCS, 2021, p.100).

O luto ganhou espaço na escola, e não é fácil saber o que fazer com a dor de quem ficou. Por isso, uma intervenção adequada pode ajudar no enfrentamento do luto e no restabelecimento das condições emocionais das crianças enlutadas. A escola, em especial os professores, têm um papel fundamental para tornar a dor dos seus alunos um pouco mais suportável.

Para entender mais sobre esse processo é preciso definir bem o que significa a palavra luto. Luto vem do latim “lucto” e significa um sentimento profundo de tristeza e pesar pela morte de alguém. De acordo com “Longaker (1998)” (apud SOARES, MAUTONI, 2013, p.25) a palavra “luto” (do inglês, bereavement) refere-se ao estado emocional de estar bereft, palavra cuja raiz significa “ser despojado de” ou “ser rasgado”. Sentir-se “rasgado”, despedaçado, como se a dor jamais fosse passar, é uma emoção frequentemente encontrada em indivíduos que perdementes queridos. Segundo “Gauderer (1991)” (apud SOARES, MAUTONI, 2013, p.25), o luto é um processo doloroso, porém normal, pelo qual precisamos passar para recomeçar uma nova vida.

Falar de morte não é algo comum, ainda que seja fundamental para entender e saber lidar com este processo que faz parte do ciclo da vida. Costumamos falar da vida como planos, sonhos, conquistas, perspectivas, chegadas, e anulamos o fato da finitude, da partida, das perdas, do fim; ou seja, da morte. Somente é possível falar de morte quando também se fala de vida: uma não existe sem a outra. A morte é a única situação que não temos como evitar em nossas vidas, e um dia chegará para todos. Portanto, não falar sobre o assunto, na tentativa de “proteger a criança”, poderá dificultar seu entendimento sobre o ciclo da vida (PAIVA, 2011).

Desde cedo a criança vivencia situações que lhe permitem criar uma noção da morte. Ela percebe as coisas a sua volta, e evitar falar sobre a morte é negar a realidade. Isso pode ser muito prejudicial, uma vez que deixa a criança confusa, por não ter com quem confirmar suas percepções (KOVÁCS, 2021).

Segundo “Soares e Mautoni (2013)” até mesmo uma criança pequena pode enlutar-se pela morte de um dos pais ou de parentes mais próximos, apresentando reações emocionais semelhantes às de um adulto. Kovács (2021) afirma que crianças pequenas não superam a dor da perda tão facilmente como alguns imaginam, por se distrairem com suas brincadeiras. Elas passam pelas mesmas fases do luto, tal como o adulto, embora tenham uma forma de comunicação diferente.

Soares e Mautoni (2013) justificam a importância de conhecer as reações emocionais das crianças para compreendê-las e ajudá-las. Elas se expressam de diversas formas: tristeza pelo que ocorreu, raiva por terem sido abandonadas, medo de serem deixadas sozinhas, sentimento de culpa por terem causado a morte.

Vivências, formação e práticas educativas relacionadas à morte, à perda e ao luto

Em situações de vulnerabilidade emocional, como é o caso do luto, a criança pode encontrar no professor o interlocutor que a ampare e a ajude a lidar com a perda, e a se restabelecer para dar continuidade à vida na escola e nas demais esferas.

É preciso que o professor sinta conforto e segurança ao se deparar com o desafio de discutir as percepções e desdobramentos da morte com seus alunos. Oferecer consolo após a perda de uma pessoa significativa é um dos pilares para um bom processo de luto e enfrentamento da perda. É preciso instrumentalizar a equipe pedagógica no desenvolvimento de um trabalho educativo que contemple o tema da morte.

O uso de atividades lúdicas que auxiliam o professor e as famílias no contato com a criança para expressar a temática e seus sentimentos e emoções, não substitui o contato e o diálogo com o adulto, mas é um complemento essencial. Kováks (2012) afirma que propostas de caráter lúdico, por meio de jogos e brincadeiras, ajudam a criança enlutada a projetar e simbolizar a ausência do falecido.

No ano letivo de 2019, a escola realizou um trabalho de acolhimento e apoio psicopedagógico, tanto para a equipe escolar, quanto para os alunos e familiares. Algumas das atividades realizadas foram: atendimento individualizado, atendimento por turmas, acompanhamento aos pais e familiares, eventos pedagógicos envolvendo a comunidade escolar, seminário das famílias, encontro pedagógico, entre outros. Uma das atividades que a escola realizou extrapolou os limites da sala de aula e incluiu a participação dos familiares. A partir do estudo da Declaração dos Direitos das Crianças, a atividade desenvolvida teve como principal mensagem agir em defesa da paz, dos direitos e da cultura da infância. O objetivo foi chamar a atenção da sociedade para a segurança na infância e a cultura própria desta fase da vida – uma cultura que valorize a brincadeira, a criatividade e o lúdico.

Sobre a continuidade da pesquisa

Para compreender mais profundamente as práticas pedagógicas realizadas pela escola naquele ano será realizada uma pesquisa descritiva por meio da coleta de dados e de entrevistas com os professores, o que caracterizará essa pesquisa como um estudo de caso. A análise qualitativa será realizada com base na revisão bibliográfica da literatura sobre os temas: morte, perda e luto.

Ainda é cedo para falarmos dos desdobramentos do desastre em Brumadinho no contexto escolar, mas foi perceptível que houve uma preocupação por parte da escola em dar suporte a todos os que foram direta ou indiretamente atingidos. O que se sabe até o momento é que o rompimento da Barragem de rejeitos da Mina Córrego do Feijão deixou marcas profundas na comunidade local, que ainda irão repercutir por anos entre os que estão apenas começando a vida: as crianças e adolescentes, os órfãos de Brumadinho.

Referências Bibliográficas

ALVES, Ana Beatriz Oliveira. Vivências, formação e práticas em educação para a morte: revisão bibliográfica e relatos de professoras da educação infantil e ensino fundamental – anos iniciais. 2018. 65f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/203101.

KOVÁCS, Maria Julia. Educação para a morte: quebrando paradigmas. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora, 2021.

PAIVA, Lucélia Elizabeth. A Arte de Falar da Morte Para Crianças: a literatura infantil como recurso para abordar a morte com crianças e educadores. São Paulo: Ideias e Letras, 2011.

SOARES, Edirrah Gorett Bucar; MAUTONI, Maria Aparecida de Assis Gaudereto.

Conversando Sobre o Luto. São Paulo: Ágora, 2013.

1Lista atualizada conforme as pessoas são localizadas, e divulgada em prazo não superior a 24 horas. Última atualização em 24/01/2021 às 12:00, não apresentou qualquer alteração em relação à lista divulgada no dia 29/12/2021 às 19:00. Informação fornecida pelo site www.vale.com

2A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido direitos aos ainda não nascidos. https://www.conjur.com.br/2019-jul-01/stj-vem-reconhecendo-nascituros-sujeitos-direito

ABREU, Franciene Fernandes Marinho.Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 5, Número Especial Educação e desastres minerários,janeiro,2022, ISSN 2526-1126. Disponível em: . Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).

Créditos da Imagem: XXXXXXXXX

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