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Caminhos para uma prática pedagógica

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Annelize Damasceno Silva Romolo

Annelize Damasceno Silva Romolo é Mestre em educação pelo  Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação-CE/PPGMPE/Ufes; pós-graduada em psicopedagogia preventiva; e pedagoga habilitada para atuar nas séries iniciais do ensino fundamental/educação para crianças com deficiência. Annelize é professora concursada na área da deficiência visual e atualmente atua como assessora dessa área na secretaria municipal de educação da prefeitura municipal de Vila Velha.

A foto apresenta Douglas a distância, aparentemente dando uma palestra, logo, ele está sentado numa mesa falando ao microfone. Ele é um branco, na foto ele usa um terno cinza e uma camisa branca por baixo, usa óculos e está bastante concentrado em sua fala.

Douglas Christian Ferrari de Melo

Douglas Christian Ferrari de Melo é doutor em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação pela Ufes. Possui graduação em Pedagogia (2017) pela Uniube e em História (2003) pela Ufes, além de especialização (2004) e mestrado (2007) em História pela Ufes. É professor adjunto do centro de educação, do Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação-CE/PPGMPE/Ufes e do Programa de Pós-graduação em Educação-CE/PPGE/Ufes.

A prática pedagógica dos professores da educação básica ao ensino superior é de suma importância na constituição dos indivíduos formados dentro do processo de escolarização. A formação doe seres pensantes, que têem subsídios para questionar, sugerir e indagar situações vivenciadas dentro da sociedade começa dentro do ambiente escolar, no qual o professor é um indivíduo de fundamental importância para que esse processo se constitua. Assim, traremos a narrativa de uma professora de ensino fundamental e sua prática vivenciada a partir de diversas situações objetivando aprimorar sua prática. Dessa forma, Souza (2005, p. 53) descreve que “[…] a escrita da narrativa remete o sujeito para uma dimensão de autoescuta de si mesmo, como se tivesse contado para si próprio suas experiências e as aprendizagens que construiu ao longo da vida por meio do conhecimento de si”.

O relato de experiência configura-se como a descrição do percurso profissional de uma professora de educação básica, que compreende que a prática e a teoria devem estar sempre unidas com um objetivo de garantir o acesso e a permanência das pessoas com deficiência dentro do ambiente escolar. Nesse contexto,

[…] a biografia, ou autobiografia, constitui um instrumento sociológico capaz de garantir essa mediação do ato à estrutura, ou seja, de uma história individual a uma história social. Esses argumentos sustentam-se no entendimento de que a (auto)biografia implica a construção de um sistema de relações e a possibilidade de uma teoria não formal, histórica e concreta, cuja ação incide diretamente no social. (Silva & Mendes, 2009, p. 5)

Para sustentação teórica utilizamos a base histórico-cultural de Vigotski, que discute a relevância do professor no processo de escolarização dos indivíduos como mediador e complementamos com a garantia do direito à educação pela Constituição Federal de 1988 e demais legislações homologadas posteriormente que têm como objetivo facilitar todo esse processo.

O caminhar 

Para ser lembrado é bom lembrar

Para ser amado é só amar

[…]

Pra se ter estrada é bom sonhar

[…]

É preciso história e muito mais

[…]

Faz a gente renascer.

(Ziza Fernandes)

O presente relato de experiência tem como objetivo descrever a prática pedagógica de uma professora da educação básica que, por ocasiões de sua experiência escolar, especializou-se em atuar com alunos público-alvo da educação especial e, posteriormente, direcionou sua prática especificamente para a educação de pessoas com Deficiência Visual.

Para tanto, concordamos com Vigotski (2001, p. 284) ao afirmar que

Tudo no homem pode ser educado e reeducado sob uma correspondente interferência social. Neste caso, o próprio indivíduo não pode ser entendido como forma acabada, mas como uma permanente e fluente forma dinâmica de interação entre o organismo e o meio.

No ano de 1998, iniciou-se minha prática pedagógica como monitora em um laboratório de informática de uma escola privada onde auxiliava a professora responsável e os alunos no desenvolvimento das atividades propostas e, a partir daí, encantei-me pela prática em sala de aula. No ano seguinte, iniciei o curso de pedagogia em uma instituição privada. Já no primeiro período, atuei como professora de informática no turno vespertino em uma escola da rede privada e assim deparei-me com o meu primeiro desafio pedagógico.

Enquanto ministrava a aula para uma das turmas, uma das alunas reagiu de forma violenta, agredindo-me fisicamente, devido a um mal entendido. Lembro-me que fiquei muito assustada e, no outro dia, fui para a faculdade decidida a mudar de curso. Ao chegar, deparei-me com um professor que, vendo minha angústia, primeiramente me ouviu com o objetivo de acalmar-me e, logo em seguida, conversou comigo não no intuito de me fazer aceitar o ocorrido, mas de me tranquilizar e, assim, não me deixar desistir. Por esse diálogo, recordo-me dos ensinamentos de Vigotski (2001, p. 448) que enfatizam a importância do papel do professor na vida de seus alunos.

Sobre o professor recai um papel importante. Cabe-lhe tornar-se o organizador do meio social, que é o único fator educativo. Onde ele desempenha o papel de simples bamba que inunda os alunos com conhecimento pode ser substituído com êxito por um manual, um dicionário, um mapa, uma excursão. Quando o professor faz uma conferência, ou explica numa aula, apenas em parte está no papel de professor: exatamente naquele que estabelece a relação da criança com os elementos do meu que agem sobre ela. Onde ele simplesmente expõe o que já está pronto.

Durante essa conversa, o professor me recomendou a leitura de um livro sobre Educação Especial, com o título: “Inclusão construindo uma sociedade para todos”, pois, segundo ele, nessa leitura eu iria encontrar o início das respostas para alguns dos questionamentos que permeavam minha mente depois do ocorrido. Após essa leitura e muitas outras conversas com esse professor, permaneci no curso com altos e baixos em relação aos anseios da prática pedagógica. Já no sétimo período, fiz o estágio obrigatório na Classe Hospitalar do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória no Espírito Santo, onde ministrei aula para crianças e/ou adolescentes que, por questões clínicas, não podiam frequentar a escola comum. Uma experiência que mudou o meu jeito de encarar a vida e a prática pedagógica visto que tive a oportunidade de vivenciar práticas e experiências inovadoras e que muito contribuíram para o meu modo de pensar a educação bem como a prática escolar.

Nesse momento, já estava com o trabalho de conclusão de curso bem adiantado e, depois de conhecer essa nova prática pedagógica, tomei a decisão de deixar esse trabalho de lado e iniciar a escrita de um novo, com a temática que abordaria o atendimento escolar a crianças dentro do ambiente hospitalar, por acreditar que o papel do professor é de suma importância no desenvolvimento de seus alunos. A partir disso, Drago (2018, p. 29) nos faz refletir que

[…] Vigotski vislumbra uma educação focada no sujeito, uma busca constante pelo ser em toda a sua plenitude, mostrando que TODOS podem aprender e se desenvolver quando esse TODOS são pensados modos de se apropriarem do conhecimento. Quando são pensadas novas outras possibilidades de ação pedagógica.

Durante o estágio, as práticas vivenciadas me permitiram entender o quão importante é o papel do professor dentro do processo de ensino-aprendizagem dos alunos e, após sua conclusão, em setembro de 2003, ainda tinha muitos questionamentos sobre a prática pedagógica. Em abril de 2004, fui contratada pela Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo para voltar a atuar como professora na Classe Hospitalar. Nesse espaço, a função era a mesma, porém a prática precisou ser alterada, pois deparei-me com uma aluna que, por questões clínicas em relação ao seu tratamento médico, perdeu totalmente a visão. Assim, mais uma vez, estava diante de um novo desafio: desenvolver uma proposta pedagógica com uma aluna que não enxergava e que, independentemente do ocorrido, manifestava vontade de continuar os seus estudos visto que suas condições clínicas não podiam ser revertidas, mas o seu humano é constituído de muito mais que sua questão física.

Desse modo, nos remetemos a Vigotski (2001, p. 289), que diz:

A criança não é um ser acabado, mas um organismo em desenvolvimento, e consequentemente o seu comportamento se forma não só sobre a influência excepcional da interferência sistemática no meio, mas ainda em função de certos ciclos ou períodos de desenvolvimento do próprio organismo infantil, que determinam, por sua vez, a relação do homem com o meio.

Por entender que todas as pessoas têm o direito a uma educação de qualidade e acesso ao currículo escolar, procurei, através de um diálogo com a coordenação da época, fazer o curso de professora especializada em deficiência visual, que seria ofertado pelo Centro de Apoio ao Deficiente Visual do Estado. No final desse mesmo ano, fiz o curso de professora especializada em Deficiência Visual para que pudesse atuar como professora desses alunos e, desde então, tenho desenvolvido algumas práticas nesse âmbito, principalmente no que se refere à produção de material didático e assim garantir que o acesso a educação seja garantido a esses indivíduos independentemente do espaço ou situação vivenciada no momento. Dessa forma, Vigotski (2001, p. 476) nos lembra de que,

[…] a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. Em essência a escola nunca começa no vazio. Toda aprendizagem com que a criança depara na escola sempre tem uma pré-história. […], muito antes de ingressar na escola ela já tem certa experiência no que se refere à quantidade: já teve oportunidade de realizar essa ou aquela operação de dividir, de determinar grandeza, de somar e diminuir.

Recordo-me que, no decorrer do curso, pouco foi abordado sobre esse processo de produção de materiais pedagógicos, pois o maior enfoque se deu no Sistema de Leitura e Escrita Braille e no manuseio do Sorobã. Ao chegar à escola, me deparei, na prática, com esses alunos e entendi que se fazia necessária essa produção. A fim de suprir essa demanda, procurei alternativas de como aprimorar o desenvolvimento dessa prática pedagógica, visando favorecer o processo de escolarização desses alunos. Muitas foram as divergências dentro do ambiente escolar, pois pude observar que, quando esse indivíduo é matriculado em uma escola regular, a primeira referência que se faz é à deficiência e não ao aluno fazendo com que esse indivíduo seja visto pela sua deficiência e não como um ser com plena capacidade de aprendizado.

De acordo com Vigotski (2001), essa é uma prática errônea dentro do ambiente escolar, pois esse indivíduo tem os mesmos direitos e capacidades de aprendizagem que qualquer outro aluno e, por isso, todo o seu processo de escolarização deve se dar da mesma maneira que os processos dos demais alunos. No ano de 2009, tive a oportunidade de atuar como professora e participar da inauguração da Classe Hospitalar do Hospital Infantil de Vila Velha. Nesse mesmo ano, atuei como professora contratada pela Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo como especialista em deficiência visual para atuar em uma instituição especializada em ofertar atendimento a alunos com deficiência visual. Após diversas leituras e novos entendimentos da prática pedagógica como professora, voltei minha atuação para as escolas comuns, por entender que esse é o melhor espaço para a inserção de todos os alunos pois o direito a uma educação de qualidade deve ser garantido para todos os indivíduos.

Nesse ambiente, sempre procurei elaborar os planejamentos de forma prévia com os professores regentes e pedagogos, a fim de que tivessem tempo hábil  para efetivar as ampliações e definições dos caminhos alternativos necessários para que os alunos tivessem acesso ao currículo de forma plena.  Ressalto que, antes de todo esse processo, sempre realizei uma avaliação pedagógica inicial individualizada, objetivando compreender qual a melhor maneira de elaborar os recursos didáticos. No intuito de garantir o acesso e a permanência desses alunos nas escolas comuns, todo início de ano letivo sempre desenvolvi um trabalho de intervenção pedagógica com os discentes, bem como com os profissionais da unidade escolar e com as famílias, com o propósito de garantir algumas ações necessárias, visando assegurar de forma plena o processo de escolarização desses alunos e o entendimento por partes dos demais que o acesso à educação é um direito de todos.

Dessa forma, nos remetemos a Vigotski (2001, p. 168), que destaca:

Para garantir o êxito do ensino e da aprendizagem, o mestre deve assegurar não só todas as condições do desenvolvimento correto das reações, mas, o que é mais importante, uma atitude correta. […] Em função disso o mestre deve sempre levar em conta se o material que ele oferece corresponde às leis básicas da atividade da atenção.

No decorrer dos anos letivos, procurei confeccionar materiais e até mesmo reconstruir outros já construídos e reconstruídos, pois no momento da avaliação eles não atingiram seus objetivos plenamente. Diversas vezes, esses recursos desenvolvidos como caminhos alternativos favoreceram não só o processo de escolarização dos alunos com deficiência visual, mas também o processo dos demais alunos visto que esses oportunizam um entendimento mais concreto do conteúdo ministrado pelos professores responsáveis pela turma. Procurei apresentar um recurso didático com boa funcionalidade, estética e aparência. Uma prática à que sempre me atentei foi a construção de caminhos alternativos objetivando o não contemplar de uma grande leva de informações e/ ou informações desnecessárias, pois este fato pode acabar atrapalhando ou até impedindo o aluno de compreender o conteúdo proposto pelos professores regentes visto que para alunos com baixa visão as imagens devem ser postas de forma mais nítida.

Em relação à elaboração desses recursos didáticos, outro ponto sempre observado foi o material utilizado na sua confecção, visto que algumas particularidades devem ser levadas em consideração, como, por exemplo: o tamanho e o tipo de texturas empregado. Devemos estar atentos ao fato que alguns materiais mal utilizados e manipulados podem acarretar diversas situações desagradáveis para os alunos com deficiência visual, por isso devemos nos atentar ao material que utilizamos para a sua confecção.

Um dos aspectos mais relevantes em relação ao processo de escolarização dos alunos com deficiência visual se refere ao fato de que estes devem ser construídos objetivando proporcionar a autonomia e a independência desses indivíduos no que se refere a sua vida e não somente ao seu processo de ensino-aprendizagem.

Vale ressaltar que, no ano de 2015, fui efetivada como professora especializada em deficiência visual na cidade de Vila Velha, no Espírito Santo. Em Janeiro de 2018 fui convidada para atuar como assessora técnica nessa área no Núcleo de Educação Especial, que é um setor da Secretaria de Educação dessa prefeitura onde estou até a presente data.

Mais uma vez concordamos com Vigotski (2001, p. 65), ao salientar que,

Se o mestre é imponente para agir imediatamente sobre o aluno, é onipotente para exercer influência imediata sobre ele através do meio social. O meio social é a verdadeira alavanca do processo educacional, e todo o papel do mestre consiste em direcionar essa alavanca.

Assim, como o intuito de aprimorar minha prática pedagógica e aliá-la cada vez mais à teórica, em 2018 fiz o processo seletivo para o Mestrado Profissional em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, iniciando as aulas em agosto do mesmo ano, o que tem me oportunizado diversas trocas de experiências e consequentemente novos conhecimentos.

Referências 

SILVA, F. C. R.; MENDES, B. M. M. (2009). (Auto)biografia, pesquisa e formação: aproximações epistemológicas. GT 2. V Encontro de Pesquisa em Educação . Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação. 18 a 20 de março de 2009. Universidade Federal do Piauí (UFPI), 2009.

SOUSA, C. P. Percursos de formação nas memórias de docentes universitários: In: SOUSA, C. P. Educação e Linguagem, São Bernardo do Campo, ano 8, n. 11, p. 105-122, jan./jun. 2005.

VIGOTSKI, L. S. Psicologia Pedagógica. São Paulo. Martins Fontes, 2001.

DRAGO, Rogério. Conversando com Vigotski: poesia, bíblia e profecia. In: DRAGO, Rogério; ARAÙJO, Michell Pedruzzi Mendes (Org). Educação Especial e Educação Inclusiva: teoria, pesquisa e prática. São Carlos: Pedro & João Editores, 2018.

RIMOLO, Annelize Damasceno Silva; MELO, Douglas Christian Ferrari de.Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 4, Número Especial Educação Especial Escolar,março,2021, ISSN 2526-1126. Disponível em: . Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).

Imagem de destaque: Myriams-Fotos via Pixabay

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