Interfaces entre o ensino de ciências e as práticas formativas
Josiane Aparecida Rodrigues Fialho
Licenciada em Química pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Participou do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Compôs a Diretoria do Centro Acadêmico de Química – UFV. Integrou o projeto de extensão Ensinos Superior e Médio: elo para aprimoramento da Química como parte do Programa Ciência em Ação. Atualmente é professora de Ciências/Química de escolas públicas e particulares. Participa do grupo de pesquisa Scientia Connectiva na UFV. Tem interesse pela Educação de ensino de Ciências/Química com ênfase na formação de professores, metodologias de ensino/aprendizagem de Ciências e Espaços não formais e informais de Educação.
E-mail: josianerodrigues2210@gmail.com
Vinícius Catão de Assis Souza
Licenciado em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais, com especialização em Educação Inclusiva, pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, além de mestrado e doutorado em Educação (Ensino de Ciências), pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi professor do Ensino Médio por 10 anos e atualmente é professor Adjunto no Departamento de Química da Universidade Federal de Viçosa. Possui experiências profissionais com temas relacionados ao ensino de Ciências/Química, espaços não formais de educação, formação inicial e continuada de professores, inclusão de surdos e diversidade na Escola, tendo feito trabalhos voltadas à educação socioambiental, educação e cidadania, metodologias de ensino e de pesquisa, história da Ciência aplicada ao ensino, alfabetização científica e processos aprendizagem na perspectiva inclusiva.
E-mail: vcasouza@ufv.br
INTRODUÇÃO – ALIMENTAÇÃO, SAÚDE E ENSINO DE CIÊNCIAS, ARTICULADOS DE FORMA INTERDISCIPLINAR
O tema alimentação tem sido objeto de preocupação para muitos brasileiros, pois se trata de uma das principais maneiras de promover a saúde e o bem-estar das pessoas. De acordo com Size e Whitney (2003), a alimentação é um dos fatores mais importantes em qualquer fase da vida, pois, quando feita de forma adequada e equilibrada, o nosso organismo obtém energia e os nutrientes necessários ao pleno desenvolvimento. Nesse sentido, a temática assume uma perspectiva interdisciplinar na escola, podendo ser contemplada por diferentes áreas do conhecimento.
Em relação à interdisciplinaridade, ela integra atualmente as principais discussões no campo da educação, em seus diferentes níveis formativos, podendo ser considerada, segundo Pombo (1993), como a capacidade de apontar e definir modos de integração dos conhecimentos nas diferentes áreas. Sendo assim, a interdisciplinaridade pode ser entendida como a combinação entre duas ou mais disciplinas, buscando, a partir delas, evidenciar e desenvolver alguns pontos de convergência (POMBO, 1993). Para que a interdisciplinaridade se efetive na prática educativa, é importante que o professor não assuma a posição de único detentor do conhecimento; ele tem, pois de estar receptivo a novas ideias, flexível e reflexivo acerca da sua atuação como mediador do conhecimento em sala de aula.
Fazenda (2008), tratando do escopo da interdisciplinaridade, ressalta que
mais importante do que defini-la, porque o próprio ato de definir estabelece barreiras, é refletir sobre as atitudes que se constituem como interdisciplinares: atitude de humildade diante dos limites do saber próprio e do próprio saber, sem deixar que ela se torne um limite; a atitude de espera diante do já estabelecido para que a dúvida apareça e o novo germine; a atitude de deslumbramento ante a possibilidade de superar outros desafios; a atitude de respeito ao olhar o velho como novo, ao olhar o outro e reconhecê-lo, reconhecendo-se; a atitude de cooperação que conduz às parcerias, às trocas, aos encontros, mais das pessoas que das disciplinas (FAZENDA, 2008, p. 73).
Dessa forma, a interdisciplinaridade pode possibilitar trocas efetivas que extrapolam os limites da sala de aula, promovendo a integração entre os diferentes saberes. Nessa perspectiva, a discussão sobre saúde e alimentação pode ser favorecida por um trabalho interdisciplinar que aborde a educação alimentar na escola, integrando a comunidade educativa. Além disso, é importante destacar, em diálogo com a discussão aqui posta, que o livro “Ensino de Ciências e Cidadania” (KRASILCHIK; MARANDINO, 2004) destaca a importância e a necessidade de estimular entre os estudantes a postura de tolerância, de respeito e de cooperação diante da diversidade dos povos, costumes e valores. Assim, o espaço educativo pode ser considerado um local privilegiado para abordar questões sobre os hábitos alimentares saudáveis, uma vez que isso ajuda a formar cidadãos críticos, reflexivos e atentos aos diversos assuntos relacionados à vida e à sociedade como um todo.
Nesse contexto, o presente trabalho descreve uma sequência de atividades interdisciplinares realizadas com 14 estudantes, entre 15 e 16 anos, da 1ª Série do Ensino Médio de um colégio particular, situado na cidade de Teixeiras (MG). Tais atividades abordavam a temática da alimentação saudável e articularam a construção de ações críticas e reflexivas sobre os aspectos relacionados ao consumo alimentar na atualidade. Dessa forma, buscou-se desenvolver ações que pudessem promover a educação nutricional no âmbito escolar, além de fomentar diálogos com vistas à melhoria dos hábitos alimentares dos estudantes.
QUESTÕES METODOLÓGICAS
A elaboração da sequência de atividades propostas ao longo do trabalho foi realizada pela professora e pautou-se nos conteúdos abordados no início de 2019. Esses conteúdos propostos traziam assuntos, tais como vitaminas, carboidratos, lipídios, glicídios, entre outros. Os 14 estudantes foram divididos em dois grupos, e em cada grupo foi escolhido um líder, responsável por facilitar a comunicação entre os seus membros. O Quadro 1 apresenta uma breve descrição das atividades realizadas ao longo do trabalho.
Quadro 1 – Atividades desenvolvidas no trabalho.Fonte: Os autores.
Em termos metodológicos, tem-se uma pesquisa qualitativa com abordagem exploratória, em que se buscou analisar as respostas coletadas por meio da transcrição do questionário escrito, respondido pelos estudantes em sala de aula, com vistas a refletir sobre a proposta implementada e suas contribuições à formação cidadã.
Destaca-se aqui que a pesquisa qualitativa permite (re)construir reflexões relevantes a respeito das percepções dos sujeitos pesquisados e suas repercussões no processo educativo (GATTI; ANDRÉ, 2010). Nessa perspectiva, a análise dos dados foi realizada por meio de categorizações das respostas transcritas diretamente do material escrito pelos estudantes, baseando-se na análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin, que trabalha com o reconhecimento de palavras ou expressões significativas encontradas no material coletado para a devida sistematização dos resultados. Esse método envolve um conjunto de técnicas para a análise das comunicações, a fim de adquirir indicadores, quantitativos ou não, que possibilitem a compreensão e conclusão sobre os conhecimentos relacionados à produção e / ou recepção das mensagens (BARDIN, 2011). Nessa análise, três fases são fundamentais de serem seguidas: a primeira é a pré-análise, a fase da organização, em que ocorre o contato inicial com o material, por meio de uma “leitura flutuante” e posteriores formulações de hipóteses, objetivos, indicadores para a interpretação e preparação do material; a segunda é a exploração do material, em que há a codificação e categorização dos dados coletados previamente; a terceira e última fase é o tratamento dos resultados, em que ocorre a interpretação e inferência do conteúdo analisado (CÂMARA, 2013). Neste trabalho, emergiram dos dados as seguintes categorias: (i) saúde e qualidade de vida; (ii) conscientização social/cultural; e (iii) saúde e bem-estar. Os dados foram discutidos em um processo de validação conhecido como triangulação, e foram verificados entre os pesquisadores, com base no aporte teórico aqui apresentado.
Para manter o anonimato e o respeito aos preceitos da ética em pesquisa, os estudantes foram identificados pelas letras “Ex”, em que ‘x’ é um número de ordem que foi atribuído aleatoriamente aos participantes do trabalho.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Com base nos dados analisados, foi possível constatar que os estudantes consideraram alguns pontos importantes em relação às contribuições trazidas pelas atividades formativas. E2, por exemplo, evidenciou a contribuição quanto ao aprendizado da relação entre alimentação, saúde e qualidade de vida. Nesse sentido, ele destaca que:
“A alimentação está fortemente associada à saúde. Uma alimentação balanceada pode proporcionar uma melhor qualidade de vida e atuar na prevenção ou na cura de algumas doenças” (E2).
Verificou-se com essa transcrição que o estudante ressaltou as contribuições da temática em relação à conscientização de relevantes aspectos pautados na saúde e no bem-estar físico, sobretudo quando destacou que a alimentação saudável pode favorecer uma melhor qualidade de vida, prevenindo e curando eventuais doenças.
A partir das respostas apresentadas por E5, verificaram-se indícios de que as atividades voltadas aos aspectos psicológicos, vivenciadas durante a realização do trabalho feito nas rodas de conversas com as especialistas em comportamentos alimentares, mostraram-se relevantes para a conscientização social dos estudantes, conforme destacou E5:
“Mudou minha concepção sobre o modo que eu via as pessoas na questão do estereótipo imposto pela sociedade, na qual pessoas magras são saudáveis e pessoas gordas não são. Mas, isso na realidade são características e não tem relação com ser ou não saudável. Gordo não é sinônimo de não saudável. Existem pessoas que por fatores genéticos (ou não) são gordos, mas seguem uma alimentação balanceada e vivem muito bem” (E5).
Desse modo, com base nos relatos trazidos, é possível inferir que o trabalho pode ser considerado uma proposta formativa interdisciplinar que buscou alcançar melhorias na saúde e no bem-estar dos estudantes, além de contribuir para o desenvolvimento do caráter crítico e reflexivo desses participantes, tal como relatou E12:
“Todas as etapas do trabalho me ajudaram a compreender melhor o assunto, me fez entender que uma alimentação saudável é aquela em que há equilíbrio. Que a privação de certos alimentos não é necessária, o importante mesmo é consumi-los com moderação. A alimentação saudável, aliada à prática de atividades físicas são fatores essenciais para viver bem” (E12).
Figura 1 – Pirâmide alimentar construída pelos estudantes participantes do trabalho.Fonte: arquivo de pesquisa.
Baseando-se nos dados analisados, o Diagrama 1 apresenta o quantitativo de estudantes que se encaixam em cada uma das categorias que emergiram neste trabalho. É importante destacar que alguns deles se encaixam em mais de uma categoria.
Diagrama 1 – Número de estudantes em cada categoria, com base na Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2011).Fonte: Os autores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliamos que o presente trabalho proporcionou aos estudantes novos conhecimentos e relevantes reflexões a respeito dos aspectos biológicos, culturais e psicológicos relacionados à alimentação saudável e à qualidade de vida, além de promover conscientização social e cultural sobre a temática em pauta. Conclui-se que o ambiente escolar, lócus primordial para desenvolver ações formativas que podem articular relevantes conhecimentos para mobilizar atitudes na vida, permitiu promover atividades e discussões em diálogo com o Ensino de Ciências, que, nesse caso, permitiram aos estudantes desenvolver visões críticas e conscientes sobre os diversos hábitos alimentares e seus impactos para o desenvolvimento humano e a saúde como um todo.
REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução: Luiz Antero Reto; Augusto Pinheiro. 3ª reimpressão da 1ª edição de 2011. São Paulo: Edições 70, 2011.
CÂMARA, R. H. Análise de conteúdo: da teoria à prática em pesquisas sociais aplicadas às organizações. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, v. 6, n. 2, p. 179-191, jul-dez, 2013.
FAZENDA, I. O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Editora Cortez, 2008.
GATTI, B. A.; ANDRE, M. E. D. A. A relevância dos métodos de Pesquisa Qualitativa em Educação no Brasil. In: WELLER, W.; PFAFF, N. (org.). Metodologias da pesquisa qualitativa em Educação: Teoria e Prática. Petrópolis: VOZES, 2010. p. 29-38.
KRASILCHIK, M.; MARANDINO, M. Ensino de Ciências e Cidadania. São Paulo: Moderna, 2004. p. 65-69.
POMBO, O. Interdisciplinaridade: conceito, problema e perspectiva. In: POMBO, O.; LEVY, T.; GUIMARÃES, H. A interdisciplinaridade: reflexão e experiência. 2ª edição. Lisboa: Universidade de Lisboa, 1993. p. 8-14.
SIZER, F.; WHITNEY, E. Nutrição: conceitos e controvérsias. 8ª ed. Barueri: Manole, 2003. p. 32-769.