O hino de Capela Nova/MG como ferramenta na educação e resgate da cultura local
Ana Maria Barbosa Damasceno
Possui graduação em Ciências pela Universidade Federal de São João Del-Rei, licenciatura em Biologia pela Universidade Vale do Rio Verde, pós-graduação em Biologia pela Universidade Federal de Lavras, mestrado em Ensino de Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e doutoranda em Saúde Pública tendo como foco de pesquisa a formação acadêmica dos profissionais da saúde para Atenção Básica. Atualmente é professora da Universidade Presidente Antônio Carlos Campus-Barbacena e da Escola Estadual São Miguel Arcanjo. Elabora e participa de projetos de extensão atrelando teoria com a prática acadêmica em saúde bem como em projetos que favoreçam a parceria universidade e escola. Participou do grupo de pesquisa “Sistema de Gerenciamento Ambiental” que tem como objetivo assegurar a melhoria contínua do desempenho ambiental o Campus Universitário da UNIPAC. Promove visitas técnicas a laboratórios voltados para o aprendizado em saúde com foco na Genética, Citologia e Imunologia, Parasitologia, Embriologia e Microbiologia Básica.
E-mail: anadamasceno@unipac.br
Claudia de Vilhena Schayer Sabino
Possui Bacharelado e Licenciatura em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado em Ciências Técnicas Nucleares pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutorado em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalhou 32 anos como pesquisadora da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Atualmente é professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Leciona no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática e na graduação. Tem experiência na área de Química, com ênfase em Meio Ambiente e Radioquímica, atuando principalmente nos seguintes temas: meio ambiente, ensino/aprendizagem, quimiometria e radioquímica.
E-mail: sabinoc@pucminas.br
A educação está em crise,Morin (2000) certamente tem razão ao dizer que a educação desintegrou o ser humano da sua dimensão integral. Maturana (2002) completa que a educação também não vê o entrelaçamento entre razão e emoção que constitui o viver humano sem se dar conta que todo viver racional tem um fundamento emocional.
Nessas circunstâncias, o ato educacional não está fazendo sentido aos nossos alunos porque está fragmentado e, igualmente, desvinculado de um fazer amoroso não atingindo o indivíduo em sua complexidade, não consegue encaminhar o ser humano para a sua plena realização. O aluno só aprende quando vê na aprendizagem algum sentido ou coloca emoção no que está aprendendo (GADOTTI, 2003). Nesse caso, se determinado saber não provoca mudanças no interior do sujeito, tornando-o um pouco mais autônomo, capaz de atuar positivamente no meio em que vive, conseguindo valorizar melhor sua cultura, então, pode ser considerado sem relevância.Morin (2000) acrescenta que o ser humano é,a um só tempo, plenamente biológico e cultural, trazendo em si a dualidade originária. Completa referindo-se à cultura como acúmulo em si do que é conservado, transmitido, aprendido, e comporta normas e princípios de aquisição.
No contexto da educação ambiental, quanto mais se conhece, mais se aprende a cuidar e a valorizar seu local de moradia como conjunto pleno. Nesse sentido, Leonardo Boff (1999, p. 135) ensina que:
Cada pessoa precisa descobrir-se como parte do ecossistema local e da comunidade biótica, seja em seu aspecto de natureza, seja na dimensão de cultura. Precisa conhecer os irmãos e irmãs que compartem da mesma atmosfera, das mesmas fontes de nutrientes, do mesmo solo, dos mesmos mananciais, das mesmas fontes de nutrientes; precisa conhecer o tipo de plantas, animais e micro-organismos que convivem naquele nicho ecológico comum; precisa conhecer a história daquelas paisagens, visitarem aqueles rios e montanhas, frequentar aquelas cascatas e cavernas; precisa conhecer a história das populações que aí viveram sua saga e construíram seu habitat, como trabalharam a natureza, como a conservaram ou a depredaram, quem são seus poetas, heróis e heroínas, santos e santas, os pais/mães fundadores da civilização local. […] esse cuidado com o nicho ecológico só será efetivo se houver um processo coletivo de educação, em que a maioria participe, tenha acesso a informações e faça troca de saberes.
Este trabalho teve como objetivo desenvolver uma sequência didática utilizando o Hino de Capela Nova como fonte motivadora de curiosidade e interesse pelo estudo da história, dos costumes e da cultura do município.
A utilização do hino da cidade se justifica, pois, a escola como espaço de democratização do conhecimento deve integrar a música na pauta de discussões, não apenas desenvolvendo debates internos, mas procurando aproximar também a comunidade em que está inserida. Discussões de natureza micro social são essenciais quando se entende que mudanças efetivas têm mais probabilidades de se efetivarem quando coordenadas de “baixo para cima” (SEBBEN; SUBTIL, 2010).
METODOLOGIA
A pesquisa realizada se caracteriza como qualitativa. Entende-se que essa abordagem pressupõe o contato direto do pesquisador com a situação investigada, envolvendo a obtenção de dados descritivos e procurando compreender a perspectiva dos participantes, conforme Lüdke e André (1986), sendo que,ainda de acordo com as autoras, “a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto. O interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas” (Ibid., p. 12).
A sequência foi aplicada a quarenta alunos cursando o 2º e o 3º ano do Ensino Médio, da Escola Estadual “Chiquinho de Paiva”, localizada em Capela Nova, Minas Gerais. A idade dos participantes variava entre16 e 17 anos. A sequência didática teve início com a entrega da letra da música. Foi feita uma breve descrição de como seria a aplicação e apresentado o objetivo da sequência.Desse modo, foi solicitado aos alunos pesquisar sobre a cidade, conversar com pais, avós, vizinhos e conhecidos para conseguir fotos e fatos sobre a região. Os alunos trouxeram a pesquisa para apresentação e discussão, sendo que a avaliação foi feita por meio de relatos escritos e desenhos. O uso de desenhos por alunos em sala de aula é interessante: “Uma metodologia pedagógica na base da representação ou imagem integra melhor o conhecimento, através do tempo histórico, possibilitando uma maior consciência na formação dos alunos” (AGAMBEN, 2009, p. 18).
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
- Objetivos: Reconhecer e compreender o poder das relações no ecossistema local e entre os indivíduos e seu meio, considerando que todos podem fazer a diferença a fim de melhorar o lugar onde vive.
- Conteúdos abordados: As características da cidade, de seus moradores e da região; relatos sobre como uma pessoa com ações criativas pode fazer diferença em qualquer lugar; e valores éticos e a visão de um modo de vida sustentável.
- Introdução: Solicitar que cada educando relate suas percepções quanto à cidade e seus moradores. Depois, tocar o hino e solicitar que os alunos cantem a música. Em seguida, relembrar heróis locais e seus feitos. Discutir sobre como assumir uma postura cívica em relação ao seu lugar de moradia.
- Perguntas-chave: Você valoriza sua região, sua cultura e seu povo?Você acredita que as relações que são mantidas entre os indivíduos e o seu meio podem ser mudadas para que o ambiente possa ser mais equilibrado?
- Canção:“Hino de Capela Nova”, de Mozart Bicalho, 1940.
Capela Nova das Dores/ Terra mimosa e gentil/ Feita de risos e flores/ E de atrativos mil/ Teu povo é muito piedoso/ Tem alma primaveril/ É patriota ardoroso/ De Minas pelo Brasil/ O lindo rio Pedroso/ E suas lindas cachoeiras/ Atavio esplendoroso/ Destas colinas mineiras/ É uma terra bendita/ Que muita gente adora/ Por ser dileta e bendita/ Da virgem Nossa Senhora.(MOZART BICALHO, 1940)
- Materiais utilizados:Fotos da região, desenhos da cidade colados nas paredes da sala de aula, pensamentos de autores da própria região, painel com figuras dos instrumentos musicais utilizados na música.
- Trabalhos solicitados:Relatos e desenhos.
RESULTADOS E CONCLUSÕES
Os alunos participaram ativamente das atividades. Entre os fatos pesquisados e trazidos para sala de aula se destacam: localização geográfica; lutas pelas terras com os índios Puris; fundação da cidade; principais atividades econômicas no passado e no presente; influência dos acirramentos políticos e da religiosidade na história e cultura do município;crenças e lendas;festas típicas; e desenvolvimento da educação. Alguns exemplos das fotos apresentadas em sala de aula estão nas Figuras 1 a 4.
Figura 1 – Vista da praça de Capela Nova (1920)
Fonte: Adelmo da Fonseca, arquivo pessoal.
Figura 2 – Instalação da cidade de Capela Nova, no dia 1º de janeiro de 1954
Fonte: Arquivo da Escola Estadual “Chiquinho de Paiva”.
Figura 3 –Banda de música da cidade (1979)
Fonte: Arquivo da Escola Estadual “Chiquinho de Paiva”.
Figura 4 – Local onde funcionavam as escolas reunidas
Fonte: Arquivo da Escola Estadual “Chiquinho de Paiva”.
Todos os alunos conseguiram perceber que as pessoas e o meio ambiente estão em íntimas relações das quais dependem para a melhoria da qualidade de vida. Essa melhoria pode atingir o global a partir da melhoria nas relações mantidas com seu próprio entorno. Relataram que o hino ressalta as belezas de Capela Nova como: o povo, as colinas e os rios, além de destacar uma intensa espiritualidade representada pela devoção a Nossa Senhora das Dores. No relato de avaliação, os alunos manifestaram a opinião sobre a atividade:
A redescoberta da nossa cultura marcou a todos de um jeito muito especial.
Tudo se relacionou à minha vida e ao meu lugar de moradia.
Nesta linda história, pudemos perceber a interdependência dos seres vivos e os não vivos que estão envolvidos em um ciclo, que também nós fazemos parte.
Todos nós, cidadãos de Capela Nova, não devemos esquecer dos nossos valores que estão sendo deixados para trás e que são os valores que devemos dar à nossa terra natal e à nossa cultura.
Todo ser humano colhe o que plantar, se então ele escolheu mal, colherá todo o mal para si.
Os participantes, após aprenderem a letra do hino, cantaram juntos com alegria e entusiasmo. A adolescência pode ser considerada como uma das etapas da vida mais ativas quando se trata de música, que se constitui não apenas como objeto de consumo, mas também promotora de formas de ser e ver o mundo (SEBBEN; SUBTIL, 2010).
Exemplos de desenhos dos alunos ilustrando a cidade e o hino estão apresentados na Figura 5.
Figura 5 – Exemplos de desenhos dos alunos na Oficina
Fonte: Dados da pesquisa.
A maioria dos alunos incluiu em seu desenho a figura de Nossa Senhora das Dores. Isto sugere que as tradições, transmitidas desde as mais antigas gerações, ainda fazem parte das raízes capelanovenses, sendo que entre elas está a religiosidade. Os alunos participam da principal festa local, a Festa da Padroeira, realizada em 15 de setembro, que é um dos marcos principais na vida da comunidade. Cabe ressaltar o quanto a devoção a Nossa Senhora das Dores é fundamental aos indivíduos da região, sendo atribuídos a ela muitos milagres. Segundo César (1966), a imagem é venerada e, ao mesmo tempo, considerada misteriosa, pois o título “Senhora das Dores” não se refere ao seu semblante, que em nada transmite sofrimento ou angústia, pelo contrário, demonstra alegria e serenidade. A Figura 6 apresenta uma foto da imagem trazida pelos alunos para sala de aula.
Figura 6 – Imagem da padroeira Nossa Senhora das Dores
Fonte: Adelmo da Fonseca, arquivo pessoal.
A presença da imagem nos desenhos é interessante, pois foi percebido que as reminiscências religiosas permanecem aparentemente estáveis. Quando verificados os processos sociais relativos à própria constituição social no Brasil, a religião e a religiosidade se apresentam ainda como um considerável expoente de ação formadora e transformadora. (ROSSI, 2015)
O Rio Piranga, um dos formadores do Rio Doce, que banha a cidade, esteve também presente na maioria dos desenhos dos alunos. A influência do rio na sociedade vem desde a fundação da cidade: em meio à mata virgem, existia uma pequena lagoa, onde foi construída a ermida de Nossa Senhora das Dores, atrás da Pedra Menina, quando o município passou a se chamar Capela Nova das Dores (CÉSAR, 1966).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível compreender o quanto a raiz cultural local serve de fonte inspiradora para qualquer conteúdo escolar, como a educação ambiental, valorizar melhor a cidade e todas as suas belezas,e o poder da música em mudar rotinas,ligando novamente a força divina expressa em músicas ao nosso lugar no mundo.
Isso significa comprovar que existem maneiras muito especiais de fazer educação, que permitem maior vivência de sentimentos como a alegria, os quais são proporcionados pela música ouvida, interpretada e, ao mesmo tempo, contextualizada ao conteúdo escolar pretendido. Dessa forma, foi possível aprendizagem significativa, considerando o educando como um ser inteiro, já que priorizou a sua cultura singular e de sua região, como recomendado sempre por Paulo Freire.Foram consideradas as características dos alunos, suas histórias de vida, seus saberes anteriores. Todo o trabalho foi baseado em Paulo Freire, que é um dos grandes colaboradores na construção da cultura e da educação libertadora.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, G. Nudez. Lisboa: Relógio d’Água, 2009.
BOFF, L. Ética da vida – a nova centralidade. Belo Horizonte:Letraviva, 1999.
CÉSAR, V. A história de Capela Nova: o inesperado. Capela Nova,Capela Nova, n. 20, 1966.
GADOTTI, M. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. Novo Hamburgo: Feevale, 2003.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
MATURANA, H. R. A ontologia da realidade. Organização e tradução Cristina Magro, Mirian Graciano e Nelson Vaz. 3. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
MORIN, E. Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.
MOZART BICALHO. Hino de Capela Nova. Capela Nova, 1940. Disponível em:<https://goo.gl/AMVLT6>. Acesso em: 12 maio 2017.
ROSSI, P. V. Religião e identidade: a religiosidade como um processo de formação identitária na Universidade Estadual de Londrina. In:SIMPÓSIO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES, 14., 2015, Juiz de Fora.Anais… Juiz de Fora: ABHR, 2015
SEBBEN, E. E.; SUBTIL, M. J. Concepções de adolescentes de 8ª série sobre música: possíveis implicações para a implementação das práticas musicais na escola. Revista da ABEM,Porto Alegre, n. 23, p. 48-57, 2010