Entrevista com Lucas Oliver – Ensinar, pesquisar e divulgar: estratégias de um educador
Para quem acompanha o clima na cidade de Belo Horizonte e sabe que nos próximos dias a primeira frente fria do ano derivada de uma zona de alta pressão vai manter as manhãs frias e as tardes amenas, possivelmente é um dos quase 12 mil seguidores do Lucas Oliver. Muito provavelmente já aprendeu a fazer leituras em aplicativos, está habituado com termos como: zonas de alta e baixa pressão, a famosa zona de convergência do atlântico sul, rios voadores e o debate sobre mudanças climáticas.
O que você aprendeu com o Lucas Oliver em relação ao clima da cidade de Belo Horizonte é uma das faces do trabalho de um professor, pesquisador e divulgador que atua nas redes sociais, sendo este um dos interesses editoriais da Revista Brasileira de Educação Básica. Aqui na RBEB, buscamos compreender como os professores fazem uso de recursos, suportes e elaboram estratégias de circulação do conhecimento que acumulam e desenvolvem no dia-a-dia da sala de aula em diálogo com estudantes.
Além das estratégias de atuação nas redes sociais, vamos conhecer como o Lucas Oliver percebe a própria atuação.
RBEB – Oliver, em que momento, durante a realização de uma aula de Geografia, o seu perfil de pesquisador, divulgador e professor se cruzam? Poderia citar alguns exemplos que se dão no cenário da sala de aula?
Acredito que esses três perfis compõem, na verdade, um triângulo que se retroalimenta enquanto educador. Depois que fiz um mestrado em Educação, pela Faculdade de Educação da UFMG, eu compreendi que para além de professor, o que eu gostava de ser era educador.
E aqui cabe explicar que minha pesquisa foi feita sobre processos educativos em saraus de rua organizados por jovens de periferia. Nesses espaços, percebi que ser professor não é a única maneira de ensinar e aprender.
Ao me tornar um pesquisador durante o mestrado, levei isso comigo para dentro da sala de aula, onde em geral trabalho com uma metodologia voltada ao aprendizado não do conteúdo, mas de ferramentas conceituais da geografia que permitem aos estudantes entenderem o conteúdo e também produzi-lo. A perspectiva Freiriana é a base para a produção das aulas, uma vez que ao trabalhar com o clima, por exemplo, a ideia é para além de decorar quais massas de ar atuam no Brasil; primeiramente é registrar os dias de frio e calor e depois entender porque alguns dias são frios e outros quentes. Daí iniciamos uma pesquisa para entender quais são os fatores climáticos que levam a essas mudanças e que afetam nosso humor, rotina, e tudo mais. Ao fazer um registro ao longo do ano, o estudante tem então dados para que ele os transforme em conteúdo, e a partir disso ser também um pesquisador.
Acredito que o processo ensino-aprendizagem quando feito pelo estudante a partir da sua experiência da coleta e análise de dados com as ferramentas conceituais da geografia, permite que eles aprendam de maneira integral o que seria apenas decorado e esquecido depois da prova.
A partir dessa base do tripé, de ensinar a pesquisar e obter resultados, o lado divulgador científico é trabalhado a partir da apresentação dos conteúdos produzidos para a escola. E não só apresentar, mas perceber a importância que a ciência tem nas nossas vidas; fazer ciência ali na micro escala da escola, provando a partir da pesquisa que a escola não é lugar de achismos e pensamentos religiosos ou obscurantistas.
No meu ponto de vista, ensinar a fazer ciência é a principal maneira de instruir os estudantes a compreender melhor o mundo que eles vivem, que é construído e produzido pelos resultados das ciências e das políticas. Daí sempre trabalhamos o lado político da divulgação da pesquisa, na forma como se fala, valoriza e se entende os resultados.
RBEB – Em que momento você construiu o perfil no instagram como um espaço de reflexão e divulgação sobre o clima?
Eu sempre gostei de estudar climatologia e ver a previsão do tempo, até que no começo da pandemia, quando em março de 2020 ficamos presos em casa, eu fiquei com receio da claustrofobia que os lockdowns poderiam me dar e comecei a olhar cada vez mais para o céu, da janela do meu apartamento e, ao mesmo tempo, a ver também o que os modelos de previsão do tempo mostravam. Comecei a estudar o clima de maneira direta, com observação e análise dos dados das previsões, e comecei a fazer as minhas próprias observações. A escala espacial do Clima é de milhões de quilômetros quadrados, e me sentia menos preso no apartamento quando ficava vendo chuvas que se deslocavam milhares de quilômetros sobre o Brasil até chegar em Belo Horizonte. O Instagram era uma rede social que eu passava pouco tempo do dia, mas comecei, então, a postar essas previsões e análises do clima.
Percebi que logo os stories do Instagram serviam como uma lousa, e que era possível explicar, como em sala de aula, um pouco sobre os fenômenos climáticos aqui de Belo Horizonte.
Aos poucos percebi que as pessoas gostavam desse tipo de conteúdo, e logo passei a ter mais de 100 seguidores diariamente nos meus stories. Na época, com todo mundo em casa, as redes sociais se tornaram um fenômeno de uso incessante, e o consumo de conteúdo se tornou muito maior. Nisso, o fato de o clima variar ao longo do ano permite que meu conteúdo nunca acabe, porque eu não preciso inventar ou criar conteúdo; faço apenas a leitura do clima.
A partir daí comecei a estudar cada vez mais sobre climatologia, modelos de previsão, e também a parte de design dos stories, uma estética que fosse mais fácil de ser interpretada e também na qualidade das explicações.
Hoje em dia a publicação de stories com as previsões e análises do clima se tornaram não só um hobby, com mais de 1000 visualizações por dia, mas de certa forma minha profissão, ao iniciar esse ano o doutorado em geografia, com a temática da climatologia.
RBEB – As/os professoras/es têm muito o que falar sobre suas práticas, reflexões e investigações. O diagnóstico de pesquisadores da área de Educação e Comunicação é que esses canais de comunicação estão sendo criados, ressignificados e usados pelo professorado, mas ainda assim não vemos os professores definindo os rumos do debate. O que você acha que falta para que as vozes dos professores sejam reconhecidas no espaço público?
Bem, esse é um ponto muito importante, porque aqui temos que pensar que o espaço do debate público tem se tornado cada vez mais dominado pelo debate no espaço virtual privado das redes sociais. O que as redes sociais nos fazem acreditar é que ao postar qualquer conteúdo, milhares de pessoas podem acessá-lo, curtir, comentar, e cria-se a ilusão daquele local ser um espaço público. Mas as redes sociais são espaços privados, como se você fosse em uma igreja, e achasse que o que se diz ali é o que deve ser dito também nos espaços públicos. Por mais que as redes sociais sejam de fato ferramentas de troca de opiniões e conhecimento, as ruas ainda são o verdadeiro espaço do debate público. Desde a pandemia, as manifestações e grandes aglomerações nas ruas têm se tornado cada vez mais raras. Na década passada, vivemos esse debate sobre redes sociais e espaço público, sendo guiado pelo Facebook, como ferramenta necessária para se marcar as manifestações nas quais centenas de milhares de pessoas confirmavam virtualmente a presença e realmente iam e ocupavam as ruas. Atualmente, esse fenômeno reduziu-se drasticamente,
apesar das redes sociais ainda serem o espaço do debate público, mas fora do espaço público.
Além disso, as redes sociais se constroem a partir da ideia dos likes, então os conteúdos só são espalhados se as pessoas gostarem dele, ou claro, se você pagar. Muitas pessoas me falaram para produzir conteúdo, os estudantes gostavam às vezes de uma aula e me diziam para gravar e postar conteúdos.
O problema é que ser esse personagem professor fora da sala de aula não é uma tarefa simples.
Primeiro que é preciso de certa forma atuar nas redes sociais, e aí toda vez que gravava vídeos, por exemplo, eu achava que tinha ficado ridículo e muito distante das aulas de verdade. Acredito que os professores em geral, como toda a geração adulta, não foram preparados para se lançar nas redes sociais como a juventude faz com muito mais facilidade. A imensa maioria dos professores ainda é ensinada nas faculdades de maneira muito tradicional, de forma que existe um curto-circuito entre as gerações, o que torna hoje em dia a sala de aula ser ainda mais difícil de trabalhar. Em geral jovens e adolescentes preferem assistir a um vídeo no Youtube sobre o assunto da aula, do que a própria aula. Isso porque no Youtube existem profissionais da produção de conteúdo virtual, o que em geral não é o caso do professorado que tem de corrigir atividades, produzir provas, dentre todo o trabalho burocrático que é basicamente invisível para todos, inclusive dentro das próprias escolas.
A meu ver, hoje em dia, o espaço de debate público está totalmente pulverizado com a infinidade de conteúdos possíveis de serem consumidos, o que por um lado é bom pela pluralidade, mas por outro é ruim porque não conseguimos, por exemplo, pautar a necessidade de valorização dos professores.
Existe ainda a ideia de que professor não serve mais, uma vez que temos as inteligências artificiais para substituí-los. Mas quem trabalha com Educação sabe que a inteligência artificial não é capaz de perceber o processo educativo como um professor consegue e deve perceber. O processo educativo passa principalmente pela troca professor-estudante, na qual a confiança mútua deve ser construída e mantida durante todo o processo. Por mais que a inteligência artificial facilite o aprendizado, como um calculadora faz na Matemática, aprender sempre será um processo no qual só se aprende por si só, a partir também da troca com o outro. Com isso, a pauta de valorização de uma profissão que inclusive deve ensinar sobre como usar as inteligências artificiais, por exemplo, é relegada ao espaço de não precisar mais porque posso aprender pelas redes sociais, pelo Youtube, e outras plataformas. Vivemos a era do EAD. O Ensino à Distância é uma ferramenta de último caso, só quando há total impossibilidade de ocorrer presencialmente. Mas a indústria da educação, os grandes conglomerados que tomaram as escolas, faculdades, com um modelo totalmente desestimulante, coloca o professor como um funcionário comum do processo educativo, e não como o motor desse processo; transforma ainda mais a imagem do professor como algo descartável.
O paradoxo do professor no Brasil é o fato de que se você perguntar a qualquer pessoa se ela acha importante a Educação, ela provavelmente dirá que sim, e quando se fala sobre o professor ganhar mais, nem todos concordam.
Além disso, a maioria das pessoas não gosta dos professores, uma vez que suas experiências na infância e adolescência na escola foram permeadas por diversos traumas em que o professor, como um limitador de liberdade, é visto como um sujeito ruim. Esse paradoxo leva a cultura brasileira que defende a Educação, mas se orgulha dos jeitinhos que deu para passar de ano, das colas, dos modelos educacionais que o aprovaram indefinidamente sem aprender nada. Tenho diversos alunos que numa perspectiva aparentemente inversa, vangloriam-se de terem sidos aprovados no Ensino Médio sem terem aprendido nada. A escola do século XIX, com professores do século XX e estudantes do século XXI, está fadada ao fracasso se não for refeita a pergunta básica: Por que estamos ali e para que estamos ensinando?
RBEB – Por fim, as questões do clima são uma agenda fundamental para as atuais gerações tendo em vista o adiamento do fim do mundo. O que você prioriza na pauta sobre o clima?
Voltando lá na primeira resposta, me vejo antes de tudo como um Educador, e penso que a melhor maneira de chamar a atenção para as mudanças climáticas e os processos que elas trarão para nossas sociedades é ensinando realmente sobre o clima, o que é o clima, como ele funciona e como ele te afeta aqui na sua micro-escala urbana. A previsão do tempo é uma boa ferramenta para chamar a atenção das pessoas para entenderem o clima, o porquê de estar frio, calor, chuva ou sol.
Acredito, como disse no começo, que se as pessoas passarem a olhar para o tempo e perceber que ele faz parte de uma imensa dinâmica que afeta o mundo todo, elas podem passar a entender o tamanho do problema que estamos enfrentando e como iremos resolvê-lo. Talvez assim, de alguma forma poderemos agir para transformar nossa forma de ver o mundo.
Acredito que a emergência climática global é, antes de tudo, um aviso da ciência sobre o que devemos mudar na nossa forma de viver nesse planeta, se quisermos manter um equilíbrio ao qual estávamos acostumados a viver nos últimos milênios. Eu não gosto muito dos termos “aquecimento global” e “mudanças climáticas”, por alguns motivos: o primeiro porque se torna um argumento aos negacionistas devido a qualquer frio que ocorra. O fato das pessoas não pensarem dentro de uma perspectiva ecológica de que tudo está interligado faz com que seja difícil para a imensa maioria perceber que o aquecimento global pode sim trazer frio extremo. O segundo conceito – mudanças climáticas – é uma forma real de entender o que está acontecendo, uma vez que foi só agora, ao fim do século XX, que estudamos a história do clima nos últimos milhões de anos e percebemos que o clima está sempre mudando, mas numa escala de tempo muito lenta, e que agora no século XXI, nos demos conta que a civilização humana iniciou a aceleração desse processo de uma forma que nunca tinha acontecido antes. O mais importante de tudo isso não é mais o antigo e inútil debate sobre o aquecimento global ter sido criado pela humanidade ou se é natural, ou se o planeta está aquecendo ou esfriando. O fato é que estamos vivenciando um rápido aquecimento do planeta e isso implicará numa série de consequências nas próximas décadas, como aumento do nível do mar, diminuição das áreas de plantio, aumento de eventos climáticos extremos, etc.
A humanidade só “descobriu” o clima há pouco mais de cem anos, quando começou a registrá-lo em padrões internacionalmente reconhecidos. Até então ninguém percebia as mudanças do clima porque elas aconteciam lentamente. Com quase dois séculos de registros podemos perceber essas mudanças e, sabendo delas, cabem aos governos freia-las, e também pensar em se adaptar a elas.