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A competição pode ser utilizada em sala de aula?

Olavo Fonseca Berger

Graduado em Licenciatura em História e em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Especialista em Metodologia da Interdisciplinaridade pela UniBF. Possui experiência como Professor de História e de Geografia na rede pública e em escolas particulares.

E-mail: olavoberger@gmail.com

A competição na sala de aula é boa ou ruim? Durante muito tempo a competição no âmbito escolar esteve polarizada, de modo que cada lado vive atado aos seus respectivos aspectos positivos e negativos. Dessa forma, qualquer diálogo fica prejudicado (REVERDITO et al, 2008). 

Propõe-se essa reflexão acreditando, de acordo com Ferraz (2002, p. 37), que a “competição em si não é boa ou má, ela é o que fazemos dela”. Ainda assim, é necessário levantar algumas reflexões que Highet expõe sobre a competição (2018, p. 142):

Até que ponto a tendência da competição deve ser utilizada no ensino? Convirá intensificá-la, mediante prêmios e castigos, elogios e repreensões distribuídas cada semana? Pode ser ignorada? Ou o professor deve tentar diminuí-la, ou mesmo aboli-la, tanto quanto isso seja possível?

Apesar da possibilidade de ser um elemento positivo no trabalho escolar, a competição precisa ser bem dirigida. Um instinto tão forte como o da competição é difícil de ser erradicado, portanto, deve ser pensado para ser usado com fins proveitosos. Além disso, a competição “deve ser empregada com moderação e cuidadoso senso de adequação, para que desenvolva as boas qualidades e encoraje a aprendizagem esclarecida – e deve ser reprimida antes que se torne prejudicial” (HIGHET, 2018, p. 143).

A experiência que preconcebeu esse artigo teve como principal objetivo observar o nível de engajamento dos alunos integrantes do 6° ao 9° ano ao participarem de uma dinâmica competitiva entre equipes que buscavam a vitória através de um quiz interativo sobre os conteúdos que estavam sendo trabalhados em sala de aula. As equipes que respondessem corretamente ganhavam determinados pontos e a equipe que fizesse mais pontos ao final da atividade recebia uma recompensa. Proposta com uma dinâmica simples, que, se bem organizada e trabalhada corretamente pelo professor, tem a possibilidade de gerar muitos resultados positivos.

Um dos incentivos quanto à escolha dessa prática pedagógica se deu tomando por base uma demanda dos próprios alunos, que estavam insatisfeitos e queixosos pela retirada das atividades que envolviam competições na disciplina de Educação Física. Essa mudança foi consequência de algumas restrições sanitárias devidas à pandemia de COVID-19. 

Apesar de possuir um grande potencial engajador, o professor deve estar sempre atento para que a competição não se torne obsessiva. É importante utilizar o espírito de competição da forma mais variada possível para engajar os alunos que possuem aptidões e habilidades diferentes entre si. O objetivo da competição pedagógica na escola deverá ser a maximização dos aspectos positivos e minimização dos efeitos negativos, destacando sempre a valorização da humanização nas relações interpessoais e a busca pelo equilíbrio entre as relações de prática e resultado (REVERDITO et al, 2008).

Vencer, perder, participar de competições e dinâmicas colaborativas são experiências saudáveis e necessárias ao desenvolvimento humano. Perdendo ou ganhando, sempre há espaço para o aprendizado. O educador deve estar atento à necessidade de mediação nas situações de competição. Atividades que trabalham dessa forma se tornam ricas oportunidades de se trabalhar valores, “já que o engajamento dos alunos é sempre maior nas propostas em que os grupos se desafiam. Nesses momentos, é importante o professor cuidar para que todos tenham oportunidades de participação”(VIVALDI, 2014).

Metodologias desinteressantes usadas pelos docentes fazem com que os aprendizes percam o interesse pelas aulas. É importante que o educador revise seu trabalho e acione as ferramentas que estimulem a atuação e o engajamento dos alunos. Sendo assim, são desejadas atividades que constroem uma relação entre o educando e o conteúdo estudado, que promovam interações e a descoberta de valores individuais e coletivos. Desse modo:

Os jogos educativos podem contribuir de forma significativa, criativa e dinâmica no cotidiano escolar. […] Os jogos interpessoais são considerados ferramentas interessantes a serem usadas em sala de aula, pois promovem o conhecimento, a sensibilidade e a socialização entre os alunos por meio de uma didática interativa que vai além dos livros escolares (MOREIRA; MOREIRA; SILVA, 2017, p. 152-153).

Os jogos educativos e a competição em sala de aula são considerados, portanto, elementos que promovem uma maior interação e engajamento dos alunos em sala de aula. Importante ressaltar que a competição é um dos elementos da gamificação, que há muito vem sendo utilizada como um instrumento para aumentar a interatividade dos alunos nas dinâmicas escolares. De maneira geral, pôde-se observar, durante todo o processo de aplicação da dinâmica proposta, o aumento do engajamento dos alunos e também do interesse pelo conteúdo trabalhado.

A gamificação aplicada na educação

Com o objetivo de obter um maior grau de envolvimento e motivação dos alunos nas atividades escolares, a gamificação vem ganhando espaço no cenário educacional. A gamificação não é simplesmente o uso de jogos a fim de ajudar na aprendizagem de determinados conteúdos, ela é a utilização de elementos encontrados nos games, como narrativa, sistema de feedback, sistema de recompensas, cooperação, competição, entre outros. A finalidade é obter o mesmo grau de motivação que vemos nos jogadores quando estão interagindo com os games (FARDO, 2013).

O crescente uso da gamificação na área da educação pode ser justificado devido ao potencial que esse conjunto de ferramentas tem de engajar, motivar e influenciar os alunos (KAPP, 2012). Ela se apresenta com uma grande potencialidade de aplicação nas atividades escolares, visto que o método e a cultura dos games são bem conhecidos pelo público estudantil. 

A escolha dos elementos que vão ser aplicados depende do contexto, dos objetivos do projeto e da análise do professor. Pode-se construir sistemas gamificados utilizando apenas alguns elementos ou pode-se também elaborar uma experiência mais completa que vai além do uso dos elementos mais simples (FARDO, 2013). O uso da competição foi um dos elementos gamificados usados na experiência relatada neste trabalho justamente com o intuito de trazer um maior engajamento e participação dos alunos na sala de aula. Sabemos que motivar e engajar os alunos não são tarefas fáceis e são alguns dos maiores desafios para os educadores atualmente.

Relato de experiência

A dinâmica consistiu na aplicação de um quiz (questionário) referente ao conteúdo de História e também de Geografia para as turmas do 6° ao 9° ano do ensino fundamental II de uma escola particular. As respectivas turmas foram divididas em dois grupos oponentes que buscariam acertar o máximo de questões do questionário. Cada questão valia certo número de pontos. O grupo que acertasse o maior número de questões e fizesse o maior número de pontos ganharia uma determinada pontuação extra na próxima avaliação trimestral como recompensa. 

Os grupos foram divididos de modos distintos em cada turma. Em uma turma foi feita uma divisão aleatória entre todos os alunos utilizando a lista de chamada. Em outra, a divisão se deu entre os gêneros dos alunos (masculino e feminino) – importante ressaltar que essa divisão foi de comum acordo com os alunos e que também não havia nenhum aluno ou aluna que se identificava com algum gênero não binário. Em determinadas turmas (6°ano), não houve divisão e a competição entre os grupos se deu entre turmas diferentes (6° A contra o 6°B). Em outra turma também não houve divisão em grupos a turma inteira se empenharia para acertar o máximo de questões e fazer uma pontuação mínima que o professor estabeleceu para ganharem a recompensa. Ou seja, não haveria competição entre alunos, seria um sistema apenas de cooperação entre a turma para alcançar a pontuação no quiz. 

A dinâmica funcionaria da seguinte forma: cada pergunta do questionário seria exposta, através do datashow, no quadro para todos os alunos. Elas foram numeradas e expostas uma de cada vez. O grupo A, por exemplo, ficava responsável por responder as perguntas ímpares e o grupo B ficava responsável pelas perguntas pares. Cada pergunta tinha um enunciado e cinco alternativas, sendo uma delas a correta, sendo a resposta dada  de comum acordo com todos os integrantes do grupo. Além disso, os integrantes deveriam explicar o porquê da escolha da resposta. Essa dinâmica ,além de revisar o conteúdo da matéria, trabalhou a capacidade argumentativa dos alunos ao defenderem suas escolhas. Nas vezes em que os alunos não conseguiam chegar a uma conclusão, o professor intervinha para auxiliar na escolha da resposta sem atrapalhar a competividade da dinâmica.

De maneira geral, observou-se que as turmas que mais se engajaram na atividade foram as que tinham o aspecto da competição inserido na dinâmica. Na turma em que não houve divisão de grupos e que trabalhou-se apenas a cooperação entre os alunos para alcançar o número de pontos proposto não obteve-se o mesmo nível de participação que as demais. Importante frisar que onde há competição entre os grupos também há cooperação interna nos próprios grupos, ou seja, uma coisa não anula a outra.

Foi uma experiência simples, sem muitos elementos gamificados, porém com a presença da competição, que trouxe muitos resultados positivos. Foram observados o aumento da participação dos alunos (inclusive com grande parte dos alunos já pedindo a repetição da atividade o quanto antes) e também a melhoria no aprendizado (visto que os alunos se esforçavam mais nos estudos em busca da vitória na atividade).

Considerações finais

O debate sobre a utilização da competição dentro da escola é amplo e contínuo. Argumentos contra e a favor de seu uso sempre estarão presentes nos debates sobre o tema. Pode-se observar que o uso da competição na atividade apresentada trouxe maior engajamento e participação dos alunos, favorecendo assim a aprendizagem dos conteúdos.

Em vista da experiência relatada, cabe ressaltar a importância de se explorar os elementos da gamificação como forma de aumentar o engajamento e o interesse dos alunos. A competição, portanto, é um elemento que pode, com os devidos cuidados e a supervisão do professor, ser bem aproveitado nas salas de aula.

Referências

FARDO, Marcelo Luis. A gamificação aplicada em ambientes de aprendizagem. RENOTE, Porto Alegre, v. 11, n. 1, p.1-9, jul. 2013. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/renote/article/view/41629/26409>. Acesso em: 10 dez. 2021. 

FERRAZ, Osvaldo Luiz. O esporte, a criança e o adolescente: consensos e divergências. In: DE ROSE Jr., Dante. (Org.). Esporte e atividade física na infância e na adolescência: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2002.

HIGHET, Gilbert. A arte de ensinar. 1. ed. Campinas: Kírion, 2018.

KAPP, Karl. The Gamification of Learning and Instruction: Game-basedMethods and Strategies for Training and Education. Pfeiffer, 2012.

MOREIRA, Carolina de Paula; MOREIRA, Gabriela de Paula; SILVA, Renata Teixeira da. Jogo interpessoal: cooperação, competição e reconhecimento. SynThesis, Pará de Minas, v. 8, n. 1, p 152-162, dez. 2017. Disponível em: <https://periodicos.fapam.edu.br/index.php/synthesis/article/view/163>. Acesso em: 13 dez. 2021. 

REVERDITO, Riller Silva et al. Competições escolares: reflexão e ação em pedagogia do esporte para fazer a diferença na escola. Pensar a prática, Goiânia, v. 11, n. 1, p. 37-45, jan./jul. 2008. Disponível em: <https://revistas.ufg.br/fef/article/view/1207> . Acesso em: 13 dez. 2021.

VIVALDI, Flávia. Refletindo sobre a competitividade. Nova Escola. 2014. Disponível em: <https://gestaoescolar.org.br/conteudo/977/refletindo-sobre-a-competitividade>. Acesso em: 17 dez. 2021.

Imagem de destaque: Photo by Ismail Salad Osman Hajji dirir on Unsplash

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