Opinião | PIBID/UFMG: parceria entre a Educação Básica e Superior na Formação Docente

O debate sobre a formação docente no Brasil, como um dos pressupostos para a garantia da educação básica de qualidade, não é novo. Revela, paulatinamente, a complexidade e os desafios de uma formação fundamentada no desenvolvimento profissional dos sujeitos (SOARES, 2014), formação essa em que se compreende o saber docente no diálogo da formação acadêmica e da experiência/práxis, permitindo que, através dos processos formativos, as relações entre teoria e prática sejam constantemente refletidas e ressignificadas.

Sabemos que a docência requer o “domínio de conhecimentos específicos dos conteúdos da área de conhecimento lecionada” e, também, o “domínio didático-pedagógico” inerente aos processos de ensino-aprendizagem (SAVIANI, 2009, p. 148). Notamos que, por vezes, a fragilidade da formação inicial nos cursos de licenciatura é exposta por nem sempre conseguir associar com êxito as duas perspectivas. Dessa forma, para Saviani (2009, p. 161), uma boa solução seria “considerar o ato docente como fenômeno concreto, isto é, tal como ele se dá efetivamente no interior das escolas”.

Na esteira desse pensamento, refletiremos, neste breve artigo, sobre as potencialidades da articulação entre a educação superior e a educação básica, considerando o diálogo entre as universidades e as redes de educação básica, especialmente pela possibilidade de aproximar a formação inicial e a formação continuada de professores e a profícua confluência entre os saberes científicos e as práticas educacionais, tomando como exemplo a experiência do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) no âmbito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) referente ao Edital CAPES 07/2018, considerando, ainda, o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Sobre o PIBID

O PIBID trata-se de programa de fomento coordenado pela CAPES[1], em regime de colaboração entre o Governo Federal, as Instituições de Ensino Superior (IES) e as redes de ensino básico. Seu objetivo consiste em proporcionar aos licenciandos uma reflexão efetiva entre  teoria e prática, permitindo que, desde o início da graduação, haja uma experiência significativa de aproximação do percurso formativo-acadêmico com as práticas pedagógicas exercidas no cotidiano escolar, numa perspectiva de compreensão da complexidade e dos desafios dos processos educativos, mais especificamente, dos processos de ensino-aprendizagem das crianças, jovens, adultos e idosos que são desenvolvidos nas escolas públicas de educação básica. Tais processos envolvem dimensões múltiplas: didáticas, pedagógicas, políticas, históricas, sociais, culturais e emocionais.

Note-se que o regime de colaboração entre instituições formadoras e redes de ensino forjado pela CAPES para programas como o PIBID, em especial a partir do Edital CAPES 07/2018[2], vai ao encontro do que já preconizavam documentos oficiais do Ministério da Educação (MEC), a exemplo da Proposta de Diretrizes para a formação inicial de professores da educação básica, em cursos de nível superior (2000):

Melhorar a formação docente implica instaurar e fortalecer processos de mudança no interior das instituições formadoras, respondendo aos entraves e aos desafios apontados. Para isso, não bastam mudanças superficiais. Faz-se necessária uma revisão profunda dos diferentes aspectos que interferem na formação inicial de professores, tais como: a organização institucional, a definição e estruturação dos conteúdos para que respondam às necessidades da atuação do professor, os processos formativos que envolvem aprendizagem e desenvolvimento das competências do professor, a vinculação entre as escolas de formação inicial e os sistemas de ensino. (BRASIL/MEC, 2000, pág.12, grifo nosso)

A formação nos moldes do PIBID, em que o licenciando é imerso na prática pedagógica, em um contexto real, é fortalecida pela dimensão crítico-reflexiva, permeada pelo diálogo entre teoria e prática. E é exatamente nesse convívio com o “chão da escola”, com o apoio dos coordenadores e dos supervisores do PIBID[3], que os licenciandos compreendem os desafios dessa relação entre a teoria e a prática (SOARES, 2014), percebendo e constatando a complexidade e as muitas potencialidades do contexto em que estão imersos. Isso demanda o compromisso de desenvolver práticas pedagógicas significativas, fundamentadas no diálogo entre os saberes científicos e os saberes cotidianos da experiência docente e discente.

Nesse sentido, vivenciar e compreender a complexidade e as potencialidades desse diálogo permite que os licenciados tornem-se mais preparados para o exercício da docência, tendo como centralidade de suas futuras práticas a formação humana, sensível, crítica, democrática, participativa, inclusiva e comprometida com ampliação de referenciais éticos, estéticos e culturais dos sujeitos envolvidos no processo educativo.

Importante ressaltar, também, que o próprio movimento de ter licenciandos no interior das escolas e suas interações com os professores que ali lecionam, bem como a participação desses professores que atuam como supervisores  nas atividades do PIBID (e que, por consequência, também têm a oportunidade de participar de outras atividades acadêmicas oferecidas pelas universidades) também faz repensar a prática docente atual, colocando-a em constante processo de ressignificação.

PIBID/UFMG: Fortalecimento da relação entres as redes de ensino e a universidade

 

Embora o PIBID tenha sido instituído desde 2007, novas diretrizes foram estabelecidas em 2018 (cf. Edital CAPES 07/2018), trazendo novas perspectivas à implementação da política.

Na UFMG, os princípios estruturantes do PIBID referentes ao Edital supramencionado foram assim descritos:

  1. a) conhecer, sistematizar e discutir a realidade social do entorno das escolas parceiras e demandas geradas nas políticas educacionais de âmbito federal, estadual e municipais;
  2. b) desenvolver processo formativo que coloque em diálogo as demandas sociais e as políticas públicas com as práticas escolares;
  3. c) incentivar a produção de mediações (como materiais didáticos) que possibilitem práticas contextualizadas em salas de aula;
  4. d) ampliar vínculos entre UFMG, escolas e órgãos públicos de gestão escolar;
  5. e) garantir o exercício prático da gestão democrática. (UFMG, 2018, p.04. Grifos nossos).

Novamente destaca-se o intuito de aproximação da universidade e as redes públicas de ensino.  Atendendo aos requisitos da CAPES, a UFMG inaugurou um marco importante para ressignificar sua relação com a educação básica, convidando representantes das redes de ensino a participar, como membros permanentes, da Comissão para Discussão e Elaboração das Políticas de Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica (COMFIC), discussões entre as quais se configura o PIBID. A COMFIC:

[…] é o órgão que faz a ponte entre a formação de professores na UFMG e as demandas das redes de educação básica, estabelecendo bases e diretrizes para a formulação de políticas.

Como órgão consultivo e assessor, a Comfic é vinculada às pró-reitorias de Graduação (Prograd) e Extensão (Proex) da Universidade e, por isso, estabelece a articulação entre as licenciaturas, a pesquisa e as atividades de extensão[4].

Como representantes das redes de ensino estadual e municipal, tivemos a oportunidade de participar das reuniões da COMFIC nos últimos anos e testemunhar as articulações internas da comissão, com forte apoio da Reitoria, em prol da aproximação entre a universidade, as secretarias de educação e as escolas de educação básica.

Desde então, além das atividades de campo (nas escolas), o PIBID/UFMG tem realizado seminários, oficinas e outras atividades formativas com a participação de sua comunidade acadêmica, além de professores e técnicos das secretarias de educação. Assim, para além do estágio na docência, a parceria entre a educação básica e o ensino superior se amplia e se consolida também pela possibilidade das discussões coletivas dos processos formativos promovidos na universidade, articulando a formação inicial e a continuada.

Nessa organização, oportuniza-se o desenvolvimento de uma cultura colaborativa (DALBEN, VIANNA e BORGES, 2013), que resulta não só na melhoria da qualidade do ensino e da produção no âmbito do ensino superior, mas também promove o fortalecimento de processos formativos docentes e a melhoria da prática educativa na educação básica, através do diálogo constante entre ensino, pesquisa e extensão. Esse diálogo, além de demonstrar uma parceria muito significativa entre educação básica e ensino superior e, de fato, possibilitar a apropriação de uma cultura colaborativa, fortalece a nossa capacidade contínua de denunciar e anunciar, como já enfatizava Paulo Freire (1992), considerando, mais do que nunca, ser indispensável, no momento presente da educação brasileira, anunciar as possibilidades, as ideias, as ações e os sonhos e, ao mesmo tempo, denunciar os desafios, as injustiças e a necessidade de garantir o direito à educação pública de qualidade para todos, de forma equitativa.

Assim, o desenvolvimento de uma cultura colaborativa entre educação básica e ensino superior permite um bordado em que os laços, pontos e linhas se entrecruzam no fortalecimento das relações teoria e prática, fomentando (i) nas redes de ensino, um projeto coletivo de desenvolvimento profissional constante e  articulado em torno de práticas pedagógicas e dos conhecimentos científicos, (ii) na universidade, o desenvolvimento de pesquisas e de produção do conhecimento científico em que a escola, com suas práticas, seus sujeitos, seus processos e suas socializações, se torna um espaço privilegiado de reflexões sobre a educação e suas múltiplas dimensões e relações e, (iii) mais especificamente no âmbito do PIBID, um compromisso com uma formação inicial que permita efetivamente uma experiência dos sujeitos com o diálogo entre teoria e prática. Nas palavras de Soares (1991):

[…] enquanto as pesquisas vão sendo feitas, porém, propostas concretas podem, desde já, ser apresentadas. Não se trata de esperar que as pesquisas configurem uma teoria que venha orientar a prática; trata-se de procurar teorias que vão esclarecendo os fatos e nossas ideias sobre os fatos, e, ao mesmo tempo, exercer uma ação efetiva que possa ir transformando os fatos [..] (SOARES, 1991, p. 113).

Observamos que, se, por um lado, as redes de ensino se beneficiam do conhecimento acadêmico na formação continuada de seus profissionais, por outro, a universidade é subsidiada por diversificadas situações do cotidiano escolar que fomentam novas pesquisas, novos achados, olhares diferenciados e novos saberes na formação inicial.

Nesse sentido, a nosso ver, a formação para o exercício da docência, especialmente nos moldes propostos pelo PIBID/UFMG, constitui-se como prática discursiva importante de desenvolvimento de uma formação crítico-reflexiva, que envolve as redes de ensino e a universidade em prol de um objetivo comum: elevar a qualidade da educação brasileira, articulando a formação docente inicial e continuada, fomentando pesquisas e diálogos constantes entre a teoria e a prática.

Entendemos, ainda, que a proposta formativa promovida por meio do PIBID apresenta-se como uma oportunidade particularmente favorável ao exercício da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, conforme preceito constitucional[5], o que significa a articulação da dimensão formativa (ensino), da produção do conhecimento científico (pesquisa) e da compreensão ética, política e social desse conhecimento (extensão)” (MOITA e ANDRADE, 2009).

Referências

BRASIL. Ministério da Educação (MEC), 2000. Proposta de diretrizes para a formação inicial de professores da educação básica, em cursos de nível superior. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/basica.pdf. Acesso em 02 jan. 2020.

 DALBEN, Ângela I. L; VIANNA, Paula C; BORGES, Edna M. Formação dos profissionais da educação em Minas Gerais: diálogos com a prática. Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | No 12 | P. 21-53 | jul/dez 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

MOITA, Filomena M. G. S; ANDRADE, Fernando C. B. Ensino-pesquisa-extensão: um exercício de indissociabilidade na pós-graduação. In: Revista Brasileira de Educação v. 14 n. 41 maio/ago. 2009.

SAVIANI, Demerval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. In: Revista Brasileira de Educação v. 14 n. 40 jan./abr. 2009.

SILVA, Maria das Graças. Universidade e sociedade: cenário da extensão universitária. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, Caxambu: ANPEd, 2000. Disponível em: http://www.anped11.uerj.br/23/1101t.htm . Acesso em: 02 de jan. 2020.

SOARES, Magda B. MetamemóriaMemórias: Travessia de uma educadora. São Paulo: Cortez Editora, 1991.

_____________. Formação de Rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores (as).  Cadernos Cenpec | São Paulo | v.4 | n.2 | p.146-173 | dez. 2014.

UFMG. PROJETO INSTITUCIONAL PIBID – UFMG: Edital CAPES 2018. Belo Horizonte, 2019 (no prelo)

 ___

[1] Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC).

[2] Disponível em: https://www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/01032018-Edital-7-2018-PIBID.pdf, Acesso em: 20 nov. 2021 , Acesso em 20 nov. 2021

[3] Supervisores são docentes lotados em escolas públicas, selecionados por meio de edital da IES, que acompanham os licenciandos nas atividades do Programa. Coordenadores são professores designados pela IES para apoio e suporte tanto aos licenciandos quanto aos próprios supervisores.

[4] Disponível em https://www.ufmg.br/comfic/apresentacao/a-comfic/ . Acesso em 20 nov. 2021.

[5] Vide art. 207 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

Imagem de destaque:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *