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Sujeito integral para uma escola em tempo integral: uma visão freireana para a educação integrada em Ibirité-MG

Franciele Novello da Silva Bessa

Coordenação Escola Integrada Fundação Helena Antipoff

E-mail: franciele.novelo@gmail.com

Juarez Melgaço Valadares

Professor da Faculdade de Educação da UFMG, Professor do Curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas.

E-mail: juarezm@ufmg.br

Thaís Marcelle Santana de Andrade

Fundação Helena Antipoff

E-mail: t_marcelleandrade@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Através da Portaria Interministerial nº 17 de 24 de abril de 2007, firmada entre os Ministérios da Educação, do Desenvolvimento Social, dos Esportes, da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, o Programa Mais Educação foi instituído a fim de induzir a construção de uma política educacional que se propunha a transformar radicalmente o universo escolar, com a ampliação da jornada escolar para um tempo mínimo de 7 (sete) horas diárias. Esse programa esteve em vigor até 2016, quando foi instituído o Programa Novo Mais Educação, através da Portaria Interministerial nº 1.144 de 10 de outubro de 2016. Em concordância com Patrícia Mendonça (2017), é possível perceber que, embora ambos sejam planos de ampliação da jornada escolar e haja certa continuidade entre eles, a concepção de educação que trazem é divergente. Na Introdução do Caderno Rede de Saberes (BRASIL, 2009), podemos ler que no Brasil, atualmente, são muitas as concepções de educação integral; dentre elas, uma apresenta como eixo a proposta de levar à escola contemporânea uma ampliação das necessidades formativas do sujeito. Assim, a concepção de educação integral contempla as dimensões afetiva, ética, estética, social, cultural, política e cognitiva, e parte da ideia de que os estudantes são portadores de uma complexa experiência social e merecem atenção diferenciada, porque são frutos de processos igualmente diferenciados (BRASIL, 2009). No que se refere a esses aspectos, estamos próximos aos centros de cultura propostos por Paulo Freire. Para Paulo Freire (1996) aprender é uma experiência criadora, não uma mera repetição de atividades dadas. Ao propor a criação dos centros de cultura, em 1961, já defendia a educação de crianças e adultos numa perspectiva de educação integral: desenvolver as virtualidades plenas do ser humano. Sobretudo, pensar na educação como humanização e libertação, onde aprender é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem se abrir ao risco, ao imprevisto e à aventura do espírito. Paulo Freire (1982) nos escreve que a concepção e a prática “bancária” de educação levam ao desconhecimento dos homens e das mulheres como seres históricos, enquanto a educação problematizada parte justamente do caráter histórico e da historicidade destes. Indagamos: O que ocorre quando o professor descobre que ele não está ali apenas para transmitir um conhecimento herdado, mas é ativo na responsabilização do aluno no processo de aprendizagem, dando vida à sala de aula? Como se apossar da realidade, do território e dos saberes da experiência e trazê-los para o interior da escola? Sem dúvida, uma possibilidade é estimular e permitir a palavra dos educandos, para que a realidade e a experiência vivida por eles sejam integradas aos conhecimentos escolares. Como resposta, Paulo Freire (1982) traz a ideia de contextualização e diálogo: à medida que interagem entre si na problematização da realidade, eles vão recriando e dominando-a realidade, vão humanizando-a, colocando algo ali que vem das práticas e dos discursos dos docentes e dos alunos. Enfim, das diversas culturas. A elaboração dos conhecimentos acadêmicos em conjunto com a cultura local representa um dos desafios da escola na atualidade.

Se na educação bancária ocorre a cassação da subjetividade que anula todo o questionamento da implicação dos sujeitos envolvidos, na educação emancipadora deparamos com a pluralidade das lógicas, a subjetividade e a problematização da cultura local. Façamos mais uma pergunta: O que ocorre quando toda essa diversidade e pluralidade se fazem presentes na escola? Nossos pressupostos de uma escola integral e integrada parte, sobretudo, na diversidade educacional e da pluralidade cultural existente no País. Nessa concepção, o homem é sujeito de sua própria educação e não objeto dela. Instala-se, na escola, uma pedagogia do conflito e do diálogo, em direção ao ser mais (FREIRE, 1982). É na maneira com que nos relacionamos uns com os outros que aprendemos a ouvir e a falar, nos conscientizamos que somos sujeitos inacabados, isto é, aprendemos a ser interculturais. Acreditamos que vale a pena pensar nos diversos saberes presentes na vida cotidiana quando em contato com os saberes disciplinares.

Este trabalho se propõe a investigar a jornada escolar ampliada em escolas públicas no município de Ibirité, pertencentes à Rede Municipal de Ensino e à Rede Estadual de Educação do Estado de Minas Gerais (REE-MG). Após caracterizar as mudanças ocorridas nos currículos, nas organizações administrativas e as preocupações educativas decorrentes da implantação da jornada ampliada através do Novo Mais Educação, iremos pesquisar como os alunos das escolas vivem essa experiência, e quais seriam as atividades determinantes na construção de uma nova aliança com a aprendizagem e com a formação humana. E, acreditamos que essas palavras representam bem as atividades na Escola de Helena.

O POLO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL INTEGRADA EM IBIRITÉ, MINAS GERAIS – ESCOLA DE HELENA

A Escola de Helena foi criada em setembro de 2015, e se assemelha, em sua forma de funcionamento, com as Escolas Parques sugeridas por Anísio Teixeira, por volta de 1950. Ela Tem como objetivo atender alunos no contra turno do período regular das escolas públicas do entorno da Fundação Helena Antipoff, local onde é desenvolvido o Polo de Educação Integral Integrada. Atualmente, a Escola de Helena atende a 8 (oito) escolas estaduais e 13 (treze) escolas municipais, totalizando 48 (quarenta e oito) turmas com aproximadamente 800 alunos frequentes. Os critérios para escolha desses alunos são: Cadastro ao programa Bolsa-Família, vulnerabilidade social e notas baixas nas disciplinas escolares. A equipe é formada por cerca de 60 (sessenta) professores de orientação pedagógica (Português, Matemática e Esporte e Lazer) e 20 (vinte) arte-educadores (Capoeira, Teatro, Dança, Educação Ambiental, Rádio Escola, Informática, Artesanato, Artes, Cultura, Música, Higiene e cuidados do corpo, Artes Maciais, Xadrez, Slackline e Circo). Diariamente os alunos têm uma carga horária de uma orientação pedagógica e uma oficina de arte-educação, 03h e 20m de formação. A Escola de Helena ainda possui um grupo de professores responsáveis pela coordenação do trabalho pedagógico e administrativo desenvolvido no polo, além de uma psicóloga, uma fonoaudióloga e duas assistentes sociais que visitam as famílias.

As atividades desenvolvidas na Orientação Pedagógica têm uma carga horária obrigatória definida pelo Novo Mais Educação. As oficinas de arte-educação foram escolhidas em função dos macro campos cadastrados pelas escolas ao fazerem a adesão do programa. Os arte-educadores responsáveis por essas oficinas são pessoas da comunidade, com experiências nas temáticas, contratados pela Fundação. As oficinas são ofertadas aos alunos de maneira em que eles podem escolher de acordo com a sua preferência, sendo que essas as escolhas são feitas trimestralmente. O desenvolvimento das atividades não ocorre apenas em salas de aulas, mas também nos diversos espaços disponíveis na Fundação (Jardins, Quadras, Auditório, Biblioteca, Piscina Olímpica, Campo de Futebol, Telecentro e Horta), e no município (Poliesportivos, Estádio, Praças e Sambódromo).Uma das formas que a coordenação pedagógica encontrou para a organização do trabalho escolar refere-se às rodas de conversa que ocorrem mensalmente em cada uma das turmas do Polo; tais rodas são momentos de investigação temática, cuja essência é o diálogo entre alunos e docentes na busca de um tema a ser desenvolvido em toda a escola. Após essa discussão nas salas, é realizada uma plenária geral com todos os alunos, professores e arte educadores, de forma a unificar e decidir o que será trabalhado ao longo do mês. Essas rodas são momentos em que os alunos se envolvem bastante, por meio da sugestão de ideias, conteúdos e problemas relacionados à vida social. No final de cada trabalho ocorre a sistematização das práticas realizadas, e o tema é finalizado por meio de mostras, passeatas, campanhas educativas e apresentações, tanto no bairro quanto para a comunidade.

METODOLOGIA DE PESQUISA E COLETA DE DADOS

A pesquisa é de cunho qualitativa, uma vez que investigamos questões ligadas à vida das pessoas e os significados que as mesmas atribuem ao mundo. Também caminha na direção de uma pesquisa-ação, em função dos processos dialógicos e transformações que se espera durante a execução da mesma. Parte-se da consideração da existência de uma relação dinâmica entre o sujeito, o grupo e o contexto, geradora também de uma interdependência entre o mundo objetivo que se deseja conhecer e a subjetividade do pesquisador.

Como instrumento de coleta de dados entrevistamos, em áudio, dois alunos do ensino médio e um do ensino fundamental, todos maiores de 18 (dezoito) anos. A entrevista foi transcrita a posteriori, com os alunos assinando o termo de livre consentimento para a realização da pesquisa, mantido o sigilo dos mesmos.

ANÁLISE DOS DADOS

Todos os alunos entrevistados têm um histórico marcado por múltiplas reprovações, provocador de uma aversão pelos conteúdos escolares e consequente afastamento das escolas. Para cada um deles, a tentativa de retornar ao espaço escolar sempre foi nomeada pela agressividade com os colegas e com os professores. Nesse caso, as dimensões históricas desumanizam. A denúncia dessas condições iniciais nos impulsiona de maneira a percebemos a condição humana segundo outro modo de pensar a existência humana. É pensar a educação na/pela/para a cidadania.São essas dimensões do sujeito que são trabalhadas no exercício das atividades docentes na Escola de Helena. Certamente não por todos os docentes e arte- educadores. Espera-se um comportamento ético dos docentes na execução das práticas e nas reflexões sobre seus conteúdos. Esse espírito utópico ficou bem evidenciado nas entrevistas; o aluno J1, com 4 (quatro) reprovações, aluno da EJA no Ensino Médio. Durante a entrevista citou como era seu comportamento na escola anterior: agressivo, gritava com qualquer pessoa, batia nos colegas, e fazia muita bagunça. Não respeitava os professores, diretores. Segundo ele, antes do Polo a minha vida era um lixo, nunca fumei não, mas já vendi, já fiz coisa errada demais na minha vida. Voltei a estudar, estou quase formando, e gostaria que meus filhos estudassem aqui. Está no Polo desde 2015, e gosta principalmente da oficina de rádio. Segundo seu professor, sentiu a necessidade de estudar por causa dos textos que tinha que produzir para falar na rádio. A possibilidade de continuar como monitor do projeto motivou bastante seus estudos. Para J1, sua mudança ocorreu devido ao tipo de atividade desenvolvida no Polo: diferente da escola, não ficava na sala só sentado ouvindo o professor falar, mas participando. Se sente parte do espaço, se sente respeitado como ser humano. A metodologia participativa em sala, em conjunto com o respeito como ser humano, foram determinantes na mudança de J1.

Todos os alunos entrevistados reconhecem, por diferentes motivos, a importância da ampliação da jornada escolar como provocadora de mudanças em suas vidas. E1, aluno do Ensino Fundamental, tomou 2 bombas. Ele chegou ao Projeto no início deste ano, 2017. Segundo ele, eu era muito ruim, e melhorei bastante. Ficava na rua, e o projeto me tirou da rua. É diferente da sala de aula. Segundo a sua entrevista, o projeto me ensinou coisas novas, coisas que não sabia, outras questões sobre o racismo e bullyng. Segundo seu professor, E1 era um aluno pacato, tímido e de baixo rendimento escolar. Atualmente é falador, e sua liderança atual fez com que propusesse e coordenasse dois concursos na escola: Miss e Mr. Projeto. Aqui temos uma mudança em função de uma aprendizagem específica, relacionada à totalidade dos processos de formação humana; qualquer discriminação é imoral, e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a se enfrentar (FREIRE; 1996).

Por fim, temos o aluno L1. Ele cursa o Ensino Médio, tem duas repetências, e está no Projeto desde 2015. Mencionou em sua entrevista: aqui é minha casa. Orientação pedagógica, português e matemática são importantes para a vida. Se sente parte do Polo, e quando não está em casa, está no projeto: não gosta da escola não, se sente respeitado, saiu alguns meses para trabalhar e sentiu falta da convivência das pessoas. A grande mudança é que agia por si próprio, mas agora age por companheirismo. Temos aqui uma formação científica coincidindo com uma retidão ética, sem descompasso entre elas. Uma aprendizagem visível após vivenciar o projeto refere-se à sua capacidade de viver e de aprender com o diferente (FREIRE, 1996). Essa mudança também foi corroborada pelo seu professor: já tentou me agredir, era um aluno que andava sozinho, conversava o necessário, todos tinham medo e aversão, negro, alto, hoje já se comunica, faz parte dos grupos, e também desenvolveu a capacidade de liderar, ajuda nos trabalhos de monitoria.

CONCLUSÕES PLELIMINARES

Segundo Freire (2005), os estudantes terão maiores chances de sucesso nas escolas à medida que estas se aproximam da comunidade e da cultura local. É interessante notar, quando nos referimos às trocas culturais, que as diferenças poderiam ser experimentadas como espaço de enriquecimento (BRASIL, 2009).

Não temos dúvidas de que, apesar das dificuldades inerentes à construção de uma escola integral e integrada, principalmente no que se refere ao uso dos novos tempos e espaços, além de novas disciplinas e oficinas no currículo escolar, há uma convergência para a busca de alternativas para alunos que chegam à escola marcados pelos processos de exclusão social. O que ficou explicito nas falas dos alunos foi a construção e transformação de cada sujeito dentro de uma pedagogia humanizadora. Essa satisfação e melhoria no aproveitamento dos alunos também foram percebidas nas pesquisas sobre o Mais Educação (BRASIL, 2013). As vozes dos alunos surgem em conjunto com as dos docentes e oficineiros, tornando-os protagonistas dessa nova escola que vai sendo gestada. E assim, o debate sobre a Educação Integral vai, sobretudo, ampliando a participação de todos os segmentos da comunidade escolar. Esperamos que, apesar das dificuldades, uma nova concepção de educação esteja se desenvolvendo gerada no recolhimento e na articulação entre essas experiências nas escolas e no Polo. Assim, captar essas novas lógicas implica em desenvolver uma sensibilidade política “grávida de uma nova ideologia” (FREIRE, 2005).

REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério da Educação. Mais Educação: pressupostos para Projetos Pedagógicos de Educação Integral. 1 Edição, Brasília. MEC, 2009.

BRASIL. Ministério da Educação. Programa Mais Educação: Impactos na Educação Integral e Integrada. Brasília, DF, 2013.

FREIRE, Paulo: Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa.

– São Paulo. Paz e Terra, 1996.

FREIRE, P: A Educação na Cidade. – São Paulo. Cortez, 2005. 144 pp.

FREIRE, Paulo: Pedagogia do Oprimido. 11 Ed. – Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982. MENDONÇA, Patrícia Moulin. O DIREITO À EDUCAÇÃO EM QUESTÃO: astensões e disputas no interior do Programa Mais Educação. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da UFMG. Belo Horizonte, 2017.

Bessa,Franciele Novello da Silva; VALADAREZ, Juarez Melgaço; ANDRADE, Thaís Marcelle Santana. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 2, Número Especial Educação e Democracia, outubro, 2018, ISSN 2526-1126. Disponível em: . Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).

Crédito da imagem destacada: Thiago Rosado/Escola Municipal Maria das Mercês Aguiar

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