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Sobre o uso de jogos no ensino de história

7 – Henry Juchem

Henry Juchem

Graduado em Licenciatura em História pela FAPA- Faculdade Porto-Alegrense (2014). Pós-Graduado Lato Sensu: “Ensino da Geografia e da História” pela Faculdade de Educação (FACED) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2017). É professor de História e Geografia da Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Sul e na Rede ICM de Educação.

E-mail: henry.juchem@gmail.com

7 – Nilton Mullet Pereira

Nilton Mullet Pereira

Professor da área de Ensino de História, da Faculdade de Educação, UFRGS. Professor do Mestrado Profissional em História, UFRGS. Licenciado em História e Doutor em Educação.

E-mail: niltonmp.pead@gmail.com

INTRODUÇÃO

A utilização de jogos como ferramenta pedagógica no ensino de História tem sido cada vez mais frequente na escola básica. Duas razões se destacam nesse contexto: em primeiro lugar, o fato de que há uma série significativa de jogos que abordam temáticas históricas, aproximando a historicidade das realidades dos alunos; em segundo, o grande apelo dos jogos – sejam eles de computador, tabuleiro ou RPG – entre a juventude demonstra a necessidade de pensar formas lúdicas de se ensinar História.

Em uma época em que a comunicação e o envolvimento parecem ser cada vez mais difíceis em salas de aula, a introdução do jogo, bem como de diversas outras experiências das culturas juvenis, pode significar um convite a uma nova dinâmica, que possa fazer com que o tempo da aula coincida com o tempo dos alunos, isto é, que a duração da aula simpatize com a duração dos jovens. Dessa forma, o jogo deixa de ser apenas entretenimento e transforma a sala de aula em um espaço de envolvimento, criação e aprendizagem.

Se usado para fins pedagógicos, o jogo é capaz de mudar a relação do aluno com temáticas históricas. Quando está diretamente ligado a um conteúdo trabalhado em sala de aula, o interesse que desperta passa a ser também interesse pelo conteúdo e pela aula; a atenção, a concentração e o envolvimento exigidos pelo jogo acabam se transferindo para a própria aula, para a própria aprendizagem.

Foi pensando nesse deslocamento proporcionado pelo jogo e no envolvimento dele decorrente que surgiu a ideia de desenvolver um material lúdico que possibilitasse aos alunos compreender a fase política da primeira metade do século XIX no Brasil, o Período Regencial, partindo da análise das revoltas existentes nesse contexto.

OS JOGOS NA HISTÓRIA

Registros mostram que o uso de jogos como atividade de entretenimento é tão antigo quanto as primeiras formações sociais que conhecemos na História. Conforme Vasconcelos (2012), temos registros de jogos na Suméria e Mesopotâmia, há 4.500 anos, no Egito, há 3.500 anos, e nas sociedades clássicas com gregos e romanos. O sociólogo holandês Johan Huizinga (1990, p. 5) vai além e destaca que jogar e brincar não são apenas práticas de socialização inerentes aos seres humanos:

o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação.

Na Europa e nos Estados Unidos, os chamados board games, jogos de tabuleiro, tiveram durante a década de 1990 o período mais aquecido no mercado por parte do público. Na Alemanha, a tradição é ainda de décadas anteriores, desde 1970, tendo se intensificado a partir dos últimos anos do século XIX. No Brasil, foi somente a partir dos anos 2000 que se desenvolveu uma cultura mais forte de consumo desses jogos, quando muitas empresas passaram a traduzir edições estrangeiras, a ponto de surgirem algumas produções nacionais (VASCONCELOS, 2012). Esses jogos tendem a seguir uma classificação conhecida como eurogames (jogos alemães), com as seguintes características em comum: são jogos de curta ou média duração, que estimulam a interação entre os jogadores, que envolvem uma baixa dependência de sorte e não eliminam jogadores ao longo da partida (Ibid.). Além dos board games, existe uma modalidade que substitui o tabuleiro como ferramenta principal pelas cartas: os card games, “jogos nos quais os participantes criam baralhos de jogo personalizados buscando combinar estrategicamente suas cartas com os seus objetivos” (SILVA, 2016, p. 60). Essa categoria conta com um dinamismo e uma criatividade que permitem a liberdade de estratégias. Atualmente, essas duas modalidades disputam espaço com uma terceira: a dos jogos digitais, que têm conquistado a preferência do público (BERNARDES, 2015). Contudo, os board e card games parecem “resistir” a essa era tecnológica, “sobrevivendo” a partir de um público específico que ainda se mantém fiel.

POR QUE USAR JOGOS?

Nem sempre o jogo foi visto com grande valor. De acordo com as análises de Fortuna (2013, p. 70), houve, em diferentes sociedades, aqueles que lançavam sobre o jogo um olhar desdenhoso em razão da falta de seriedade proveniente do seu aspecto de “faz de conta”, que ia de encontro aos valores prezados pelas sociedades mais pragmáticas. Recentemente, diante da necessidade de buscar novas linguagens para o desenvolvimento de aprendizagens significativas, é que o jogo passou a ser resgatado como ferramenta lúdica. Segundo Antoni e Zalla (2013, p. 149):

professores e pesquisadores da educação têm proposto e analisado práticas de ensino adequadas às novas linguagens e tecnologias, buscando construir aprendizagens significativas a partir de situações de interação; logo, neste cenário, os jogos têm sido recuperados como estratégias de transmissão/construção do conhecimento.

Dessa forma, o jogo deixa de ser meramente um entretenimento e passa a ser utilizado como ferramenta na busca do desenvolvimento de habilidades e da capacidade de construir conceitos. Quando usado em sala de aula, o jogo estimula a empatia, permitindo uma melhor compreensão de distintos contextos históricos. Uma vez envolvidos com a atmosfera fictícia criada pelo jogo, os jogadores/alunos passam a considerar as variáveis existentes na conjuntura apresentada por ele. Contribuindo para essa ideia, Bernardes (2015, p. 29-30) destaca que “a dinâmica e as regras do jogo podem exemplificar as relações sociais de determinada sociedade, construindo elementos para a realização das análises de conjunturas”.

CANASTRA REGENCIAL, O JOGO PARA COMPREENSÃO DO PERÍODO REGENCIAL BRASILEIRO

A proposta aqui visa a criação de um jogo de cartas com a temática do Período Regencial brasileiro (1830-1841), que tem como objetivo despertar nos jogadores/alunos novos interesses pelo assunto, desenvolvendo habilidades para que possam estabelecer formas distintas de apropriação do conteúdo trabalhado. O período estudado diz respeito às revoltas regenciais no contexto do Período Regencial brasileiro e suas demandas políticas e sociais.

Esse novo jogo é inspirado na Canastra. A partir da criação de cartas próprias, a Canastra Regencial se apoiará na compreensão das cinco revoltas ocorridas durante a regência brasileira: Cabanagem, Sabinada, Balaiada, Malês e Farroupilha. Esses cinco conflitos serão desmembrados em sete categorias que estarão representadas nas cartas: nome da revolta, ocorrência geográfica, perfil social dos envolvidos, aporte ideológico, reivindicações, desfecho do conflito e personagens da revolta. Desse modo, o aluno terá por objetivo a “montagem” de uma sequência de cartas em que sejam todas a respeito de uma única revolta.

Para que a Canastra Regencial seja possível, houve – e ainda há – uma série de análises a respeito da dinâmica do jogo, de modo que tanto o número de cartas e suas distribuições como as regras estivessem em sincronia com a mecânica proposta. Assim, o baralho foi pensado com 75 cartas, podendo ser jogado em partidas com duas, três, quatro ou cinco pessoas. Serão cinco revoltas, cada uma classificada a partir de sete categorias, o que resulta em 35 cartas. Para uma melhor dinâmica de jogo, cada revolta terá duas sequências de cartas completas, dobrando, assim, o número de cartas para 70 e possibilitando que dois jogadores distintos possam completar seus jogos com a mesma revolta. Além disso, haverá cinco curingas (Poder Moderador), que poderão substituir uma única categoria na hora de “fechar” a sequência.

Os jogadores sairão todos com sete cartas nas mãos e terão que trocar suas cartas até que consigam todas as categorias de uma única revolta, vencendo a partida. Após todos alunos estarem com as cartas em mãos, as que sobrarem ficarão viradas para baixo, em um “monte”. O primeiro a jogar deverá comprar uma carta do monte e descartar uma de sua mão (a carta descartada nunca poderá ser a mesma que recém foi comprada), colocando-a em outro monte, virada para cima. O jogador seguinte poderá escolher entre comprar a carta descartada ou uma nova e assim se darão os movimentos dos outros jogadores. Outro ponto importante a salientar é que somente a última carta do monte de descarte poderá ser comprada. As demais ficarão impossibilitadas e só “voltarão” para o jogo quando as cartas de compra terminarem.

Conforme mencionado, cada revolta se repetirá. Desse modo, é importante acentuar que o aluno precisará ter todas as diferentes categorias em mãos para completar o jogo, não podendo repetir qualquer carta. A única exceção será a utilização dos curingas. A carta “Poder Moderador” poderá substituir qualquer carta que estiver faltando para fechar uma sequência, mas cada sequência contará com apenas um curinga.

Algumas considerações são necessárias. Como o baralho todo será confeccionado para esse fim, nenhuma das cartas contará com alguma anotação indicando para qual revolta pode ser usada. Assim, o aluno que estiver envolvido na partida precisará ter estudado previamente os contextos dos cincos conflitos, de modo que saiba onde usar a carta que tiver em mãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com sua proposta pedagógica, a Canastra Regencial poderá ser uma ferramenta facilitadora da aprendizagem, permitindo aos professores de História trabalhar com os alunos diferentes contextos. O que representou o período regencial brasileiro, em geral, para a manutenção da unidade territorial do então Império do Brasil, assim como o que significaram os movimentos políticos e econômicos pós-independência nas províncias. Os professores poderão encontrar, portanto, na Canastra Regencial, uma ferramenta para despertar o interesse dos alunos nesse período, mesmo que esse interesse seja, inicialmente, apenas um meio para obter sucesso no jogo.

Figura 1 – As duas sequências com sete cartas cada da Balaiada

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

 

Figura 2 – Carta com a ocorrência geográfica: Maranhão

Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2017.

 

Figura 3 e 4 – Cartas com o aporte ideológico das revoltas

Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2017.

 

Figura 5 – Cartas com as reivindicações das revoltas

Fonte: Arquivo pessoal dos autores

 

Figura 6 – Cartas com os desfechos dos conflitos

Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2017.

 

Figura 7 – Cartas com os personagens das revoltas

Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2017.

 

Figura 8 – Cartas com a sequência completa da Revolta Balaiada

Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2017.

 

Figura 9 – As cinco cartas curingas (Poder Moderador)

Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2017.

 

 

REFERÊNCIAS

ANTONI, E.; ZALLA, J. O que o jogo ensina: práticas de construção e avaliação de aprendizagens em História. In: GIACOMONI, M. P.; PEREIRA, N. M. (Orgs.). Jogos e ensino de História. 1. ed., 2. reimpr. Porto Alegre: Evangraf, 2013. v. 1, p. 117-146.

BERNARDES, M. P. Análise de conjuntura no ensino básico: uma proposta metodológica a partir de um jogo de tabuleiro sobre a greve geral de 1917. 2015, 54 f. Dissertação (Pós-Graduação em Ensino de História) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.

FORTUNA, T. R. Brincar é aprender. In: GIACOMONI, M. P.; PEREIRA, N. M. (Orgs.). Jogos e ensino de História. 1. ed., 2. reimpr. Porto Alegre: Evangraf, 2013. v. 1, p. 63-98.

GIACOMONI, M. P. Construindo jogos para o ensino de História. In: GIACOMONI, M. P.; PEREIRA, N. M. (Orgs.). Jogos e ensino de História. 1. ed., 2. reimpr. Porto Alegre: Evangraf, 2013. v. 1, p. 117-146.

HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1990.

SILVA, P. P. Reflexões sobre o consumo do card game: “magic: the gathering” a partir dos depoimentos dos jogadores. Revista Observatório da Diversidade Cultural, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 59-73, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/bPfDbQ>. Acesso em: 15 jun. 2017.

VASCONCELOS, E. Uma breve história dos jogos de tabuleiro. Pipoca e Nanquim, [S.l.], 14 jan. 2012. Disponível em: <https://goo.gl/4NXdfy>. Acesso em: 7 maio 2015.

This Post Has 4 Comments
  1. Gostei muito dessa proposta. Vou divulga-la e tentar incorporar à prática dos professores de História e Geografia que coordeno na Escola Jean Christophe de Uberaba(MG).Pois, embora o relato se refira a uma experiência realizada com um determinado assunto, no caso, os movimentos do Período Regencial, podemos fazer variações, adaptações, outras versões que se adequem a vários outros temas e conteúdos. É preciso usar a criatividade, mas é muito importante ter inspiração. E esse relato me inspirou. Obrigada!

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