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Relato de uma experiência transdisciplinar no Ensino Médio: diálogos entre a Química e a Língua Inglesa

Foto – Mateus Santos

Mateus José dos Santos

Licenciado em Química pela Universidade Federal de Viçosa – UFV. Participou do programa Ciência sem Fronteiras e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Foi assessor de relacionamentos do projeto Embaixadores-UFV e colaborador de Expansão da ONG Rede CsF. Realizou atividades como Líder em Educação Canadá-Brasil, coordenador e co-fundador do Núcleo Viçosa da Rede CsF/Em Rede. Atualmente é professor de Química de escolas públicas e particulares e pós-graduando em Ensino de Química pela Universidade Cândido Mendes.

E-mail: mateusard162@gmail.com

Foto – Jardel Santos

Jardel Coutinho dos Santos

Jardel Coutinho dos Santos é graduado em Letras Português/Inglês pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Atuou como professor de Língua Inglesa no Curso de Extensão em Língua Inglesa (CELIN/UFV), COEDUCAR/Viçosa e EDUCAR/Ervália. Atualmente é professor na Unidad Educativa Benjamin Franklin Quevedo/Equador.

E-mail: jardel_coutinho@hotmail.com

Foto – Vinícius Catão

Vinícius Catão

Licenciado em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais, com especialização em Educação Inclusiva, pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, além de mestrado e doutorado em Educação (Ensino de Ciências), pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi professor do Ensino Médio por 10 anos e atualmente é professor Adjunto no Departamento de Química da Universidade Federal de Viçosa. Possui experiências profissionais com temas relacionados ao ensino de Ciências/Química, espaços não formais de educação, formação inicial e continuada de professores, inclusão de surdos e diversidade na Escola, tendo feito trabalhos voltadas à educação socioambiental, educação e cidadania, metodologias de ensino e de pesquisa, história da Ciência aplicada ao ensino, alfabetização científica e processos aprendizagem na perspectiva inclusiva.

E-mail: vcasouza@ufv.br

INTRODUÇÃO

Concorda-se com Thiesen (2008) que “quanto maiores forem as relações conceituais estabelecidas entre as diferentes ciências, quanto mais desafiantes e dialéticos forem os métodos de ensino, maior será a possibilidade de apreensão do mundo pelos sujeitos que aprendem” (p. 252). Nesse sentido, acredita-se que a busca para a promoção de atividades integradas entre os diferentes componentes curriculares no Ensino Médio pode possibilitar a criação de inúmeras situações de aprendizagem nos espaços escolares e, por consequência, favorecer a compreensão dos estudantes sobre os conceitos que perpassam as Ciências. Logo, ao propor atividades que transcendem os espaços escolares, além de favorecer o processo de aprendizagem, podem estimular os estudantes a terem interesse e curiosidade pelas aulas.

Nesse sentido, entende-se que é importante utilizar estratégias metodológicas que fujam do modelo tradicional de ensino, notoriamente pautado na disciplinaridade, e associando o conhecimento a uma “caixa” onde o estudante deposita as informações transmitidas pelos professores (estudantes = cabeça de aprender Ciências, Matemática, Línguas etc.). Ao discutir estas estratégias, alguns pesquisadores (LAVAQUI; BATISTA, 2007; FAZENDA, 2008; KOLLING, 2017) lançam olhares para diferentes ferramentas que visam unir os diferentes componentes curriculares em prol de uma aprendizagem que permita os estudantes entenderem o sentido do conhecimento (para que e por que aprender determinado conteúdo?).

Durante a busca por estratégias de ensino que visam integrar diferentes componentes curriculares surgem diversos termos que tentam explicar como se dão estas atividades no processo formativo dos estudantes. Assim, emerge o termo interdisciplinaridade e suas variações, tais como, a pluridisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a transdisciplinaridade. No tocante aos prefixos existentes e seus significados, Pombo (1993, p. 12.) ressalta:

Os prefixos são portadores de significativas indicações semânticas: pluri (vários) e multi (muitos) chamando a atenção para a diversidade e quantidade das disciplinas em jogo, trans (para além de), evocando a passagem qualitativa a um estádio de articulação disciplinar.

Considerando estes pressupostos, o trabalho em questão visa discutir a implementação de práticas transdisciplinares nas escolas, visando assim romper com as barreiras do conhecimento disciplinar e propiciar uma compreensão mais ampla dos conceitos científicos e dos contextos aos quais se inserem. Trata-se aqui a transdisciplinaridade como um movimento que vai além das fronteiras das disciplinas e que pode permitir ao estudante uma leitura crítica e reflexiva do mundo a partir dos conceitos trabalhados em diferentes componentes curriculares. Logo, acredita-se que lançar mão de atividades transdisciplinares pode proporcionar um entendimento que vai além do caráter disciplinar, buscando soluções além do alcance da própria interdisciplinaridade (KOLLING, 2017).

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO NA ESCOLA

 O projeto transdisciplinar aqui apresentado foi elaborado conjuntamente pelos professores de Química e de Língua Inglesa de uma escola privada situada na região sudeste do Estado de Minas Gerais. O projeto intitulado “Leitura e escrita científica no Ensino Médio” contemplou trinta e sete estudantes e foi realizado nas três séries do Ensino Médio. O projeto foi dividido em quatro etapas distintas, a saber: (i) leitura de textos científicos que permitissem estabelecer um diálogo da Química com os demais componentes curriculares; (ii) desenvolvimento de um texto dissertativo-argumentativo sobre a importância da Língua Inglesa para a compreensão de pesquisas científicas; (iii) debate sobre os textos científicos escolhidos; e (iv) questionário semiaberto sobre questões pautadas nos artigos lidos e no trabalho realizado em sala de aula.

O Quadro 1 apresenta os temas propostos e discutidos pelos estudantes durante o desenvolvimento do trabalho .  As três turmas foram divididas em duas equipes cada, com textos bases que versavam sobre conceitos distintos, mas que suscitavam debates sociocientíficos contextuais aos estudantes.

Quadro 1: Divisão dos temas discutidos com os estudantes do Ensino Médio
Fonte: elaborado pelos autores

Durante um mês os estudantes fizeram a leitura dos textos e utilizaram outras fontes para complementarem suas pesquisas a respeito do tema central. Concomitantemente com as pesquisas, os estudantes construíram um texto dissertativo-argumentativo demonstrando a importância da Língua Inglesa para a compreensão destes textos.

Pautados nos textos elaborados identificou-se fragmentos que indicavam a importância de pesquisas transdisciplinares, permitindo-os extrapolarem as fronteiras disciplinares no Ensino. Os estudantes, por exemplo, apontaram relevantes contribuições das leituras para o entendimento de questões que permeiam a sociedade, conforme relatou o estudante 4 em sua produção: “Textos científicos tem uma grande importância, pois ele nos ajuda a melhorar nossos conhecimentos para o futuro, a desenvolver nossa opinião e aprimorar o que sabemos sobre um determinado assunto” (Estudante 4, 1.ª Série). Além disso, diversos estudantes elencaram a importância do trabalho para o desenvolvimento de competências e habilidades na língua inglesa, tais como a linguagem e a aquisição de mais vocabulário em uma língua estrangeira, permitindo-os expandir visões sobre o mundo, tal como relata o estudante 8: “Além de aprimorar o idioma para o ambiente de trabalho, podendo abrir espaço para as relações internacionais e viagens para o exterior, [o trabalho] também acarreta o aumento do nosso conhecimento sobre áreas científicas” (Estudante 8, 1.ª Série).

Após a leitura e a pesquisa realizada, foi feito um debate com as turmas sobre a temática central que permeava o texto destinado a cada grupo vide Quadro 1. Os estudantes foram os protagonistas do trabalho e apresentaram argumentos consistentes e pautados no texto base. Primeiramente, os estudantes trouxeram um apanhado geral das principais ideias presentes nos textos. Em seguida, foram apresentadas por eles outras pesquisas que completavam o tema abordado. O importante da atividade foi perceber que durante a explanação dos estudantes era nítida a percepção de que o conhecimento em discussão possibilitava intercâmbio entre as diferentes áreas do conhecimento e não só a Química e a Língua Inglesa, disciplinas envolvidas diretamente neste trabalho. Tal relação pode ser evidenciada pelas falas dos estudantes “Acredito que os textos sejam de utilidade pública, pois ampliam nosso conhecimento sobre algo que ingerimos diariamente, nos possibilitando melhor cuidado com a nossa saúde” (Estudante 1, 1.ª Série) e “O texto lido é de grande importância para aumentar o conhecimento sobre o assunto. Ele ajuda a analisar e entender o assunto além do senso comum e observar os danos  que a intervenção humana causa e como é escondido da população” (Estudante 28, 3.ª série).

O Quadro 2 apresenta um cronograma das aulas, de acordo com as atividades implementadas.

Quadro 2: Descrição das atividades realizadas no trabalho em sala de aulaFonte: elaborado pelos autores

Após a apresentação do trabalho os estudantes responderam a um questionário que abordava as questões gerais do que foi discutido na atividade. Os questionários foram analisados de maneira qualitativamente, visando interpretar os resultados e enumerar as contribuições da atividade realizada para a formação dos estudantes envolvidos. Assim, serão analisadas neste trabalho as duas primeiras questões.

O primeiro questionamento lançado aos estudantes foi: “Você acredita que trabalhos como este que foi desenvolvido ajuda na sua formação e contribuição para o aprendizado da Química?” Para esta questão, trinta e seis  estudantes afirmaram que o trabalho contribui para uma boa compreensão dos conceitos químicos abordados. Apenas um estudante relatou que o trabalho não o ajudou nesta relação. A seguir são apresentadas algumas respostas dos estudantes que elucidam esta questão:

  • “Através desse trabalho, pude perceber que a Química está mais presente em nosso cotidiano do que imaginávamos e passei a ter uma visão crítica das coisas” (Estudante 14, 1.ª Série)
  • “Não trouxe uma experiência Química ou algo que eu possa aprender” (Estudante 13, 1.ª Série)
  • “Esse trabalho ajudou a ampliar os meus conhecimentos químicos, apresentando experiências e processos que contribuiu para os meus entendimentos” (Estudante 30, 3.ª Série)

Os estudantes demonstraram conseguir perceber a importância das atividades realizadas para a sua formação crítica de mundo, permitindo-os estabelecer interconexões que vão além do conteúdo ensinado na escola. Entretanto, apenas um estudante indicou que não conseguiu perceber a importância da relação de trabalhos desta natureza para a sua formação, relatando a falta de experimentação na Química. Ainda existem muitos estudantes que correlacionam a Química como uma Ciência que necessita apresentar experimentos para a explicação dos diferentes conceitos. Com isso, não compreendem que existem diversos outros recursos que os propiciam entendimentos tão satisfatórios quanto à experimentação, tais como as leituras de textos científicos, debates em aulas, dentre outros.

Outro ponto relevante desta atividade foi a interação promovida entre os estudantes. Eles organizaram a apresentação das ideias contidas no artigo de uma maneira clara e objetiva. Além disso, durante o trabalho, eles não dividiram as ideias em disciplinas, ou seja, os estudantes correlacionaram os conceitos de uma maneira transdisciplinar, buscando pela unidade sem que ocorresse uma fragmentação de conceitos em disciplinas (FLORES, OLIVEIRA, 2017).

Em relação ao segundo questionamento: “Você acredita que projetos como este ajuda na sua formação e contribui para o aprendizado da Língua Inglesa?”, um grupo de 35 estudantes respondeu que a atividade contribuiu para diferentes aprendizados em língua estrangeira. Dois estudantes, por sua vez, apontaram que não perceberam importância na aprendizagem da Língua Inglesa a partir deste trabalho. Os relatos a seguir ilustram algumas das respostas apresentadas.

  • “Ajuda a aprofundar no estudo do inglês, buscando o desempenho para ler, traduzir e escrever em inglês.” (Estudante 11, 1.ª Série)
  • “Porque ajuda a aumentar o vocabulário e por ser algo que atrai a curiosidade, aumenta a vontade de ler.” (Estudante 20, 2.ª Série)
  • “Contribui para o meu aprendizado em inglês e um melhor aperfeiçoamento da lí” (Estudante 30, 3.ª Série).

Com base nos relatos dos estudantes e na vivência da atividade em sala de aula, constata-se a importância no desenvolvimento deste trabalho e das múltiplas (inter)conexões que ele pode estabelecer entre o conhecimento com as diferentes áreas. Os estudantes que não conseguiram ver importância neste trabalho podem ainda estar presos aos métodos tradicionais de ensino, em que as disciplinas são abordadas isoladamente e ao trabalhar em conjunto sentem-se pouco confortáveis para expor suas ideias aos pares, não tendo o engajamento desejável com a proposta formativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhar em uma perspectiva transdisciplinar requer um planejamento ainda maior das aulas, visando a estabelecer conexões consistentes entre o conhecimento e as diferentes áreas que perpassam a sociedade atual. No entanto, por meio desse trabalho constatou-se a importância de estabelecer atividades que vão ao encontro de uma discussão que fuja de ações educativas isoladas, de modo que os estudantes percebam a conexão que existe em tudo que eles aprendam e atribuam um maior sentido ao conhecimento.

Nesse sentido, a maioria dos estudantes se envolveu com as atividades propostas e demonstraram perceber a importância do trabalho integrado para a sua formação. Além disso, foi possível perceber que a argumentação dos estudantes evoluiu no decorrer do trabalho, tendo posicionamentos mais críticos e bem fundamentados, com base na investigação realizada dos temas propostos.  Além de contribuir com novas informações, conclui-se que o trabalho propiciou um amadurecimento de ideias relativas ao sentido do conhecimento em nossas vidas e contribuiu para a leitura crítica dos estudantes sobre o mundo a sua volta.

Logo, apesar das disciplinas Química e Língua Inglesa estarem diretamente envolvidas nesta proposta, os estudantes demonstraram correlacionar os conhecimentos adquiridos com outras áreas das Ciências, percebendo a importância do trabalho transdisciplinar na Escola. Assim, com base nesta experiência aqui relatada, acredita-se que é imprescindível o desenvolvimento de trabalhos que proporcionem maior integração entre os diferentes conhecimentos, de modo que o estudante aprenda conjuntamente o sentido dos distintos saberes e argumente/debata com os seus pares, na busca por uma formação que o torne capaz de interagir de maneira profícua com a sociedade como um todo.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

POMBO, O. Interdisciplinaridade: conceitos, problemas e perspectivas. In.: POMBO, O. (Org.). A Interdisciplinaridade: reflexão e experiência. Lisboa, Portugal: Universidade de Lisboa, pp. 8-14, 1993.

THIESEN, J. S. A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação,  v. 13, n. 39, pp. 545-598, 2008.

FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade de professores. Revista do Centro da Educação em Letras da Unioeste,  v. 10, n. 1, pp. 93-103, 2008.

LAVAQUI, V.; BATISTA, I. L. Interdisciplinaridade em ensino de ciências e matemática no Ensino Médio. Ciências & Educação,  v. 13, n. 3, pp. 399-420, 2007

FLORES, J. F.; OLIVEIRA, L. D. Transdisciplinaridade. In.: GALLO, M. S.; DOPICO, I. B.; Filho, J. B. R. (Orgs.).  Transdisciplinaridade no Ensino de Ciências. Santa Cruz do Sul, Porto Alegre: EDUNISC, 2017, pp. 12-22, 2017.

KOLLING, D. Como a transdisciplinaridade se manifesta no Ensino de Ciências e Matemática na licenciatura em pedagogia EAD. 67 p.Dissertação. (Mestrado em 29/03/1018), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC – RS, 2017.

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