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Programa de rádio educação em debate: Desafios e estratégias para consolidação de uma prática educomunicativa

Valdeci Reis

Pedagogo, Especialista em Orientação Educacional, Mestre em Educação, Doutorando em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Produtor do Programa Educação em Debate (Emissora 98,3 Campeche FM – Florianópolis). Integrante do Grupo de Pesquisa EDUCOMFLORIPA (UDESC), atuando principalmente nos temas: Educomunicação, Mídia Alternativa, Juventude, Ciberespaço, Cultura Digital.

E-mail: valdeci.reis@ifsc.edu.br

Nádia Nardi Martins

Licenciada em Letras e Especialista em Práticas Pedagógicas interdisciplinares: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio pela Universidade Federal de Santa Catarina, Professora de Ensino Fundamental de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Santa Catarina.

E-mail: italiano.nnardi@gmail.com

A PERSPECTIVA EDUCOMUNICATIVA

Há um consenso na academia de que o ciberespaço oferece inúmeras possibilidades aos internautas, alternativas para o bem e para mal. É diante dessa constatação que a prática pedagógica educomunicativa se apresenta como uma possibilidade para instigar o educando a refletir criticamente sobre os labirintos do ciberespaço, uma vez que os adolescentes têm acesso, por meio do seu smartphone, a uma avalanche de informações. Na atual difusão tecnológica, o educador precisa estar atento, em sala de aula, aos comentários referentes ao universo virtual que esses discentes trazem para a escola. Nesse sentido, a obra de Paulo Freire ainda é muito atual. O educador brasileiro já defendia na década de 1970 uma prática pedagógica dialógica: “Ser dialógico é vivenciar o diálogo, é não invadir, é não manipular, é não ‘sloganizar’. O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizado pelo mundo, o pronunciam, isto é, o transformam e, transformando-o, o humanizam”. (FREIRE, 1976. p. 43).

Esse livro, escrito durante o exílio do educador brasileiro no Chile, tornou-se mais tarde uma das literaturas-base da educomunicação, um campo de intervenção que visa refletir, dialogar e pesquisar a interface educação/comunicação.

Adilson Odair Citelli e Maria Cristina Castilho Costa esclarecem que o campo epistemológico da educomunicação vai muito além de pontos e intersecções entre as áreas educação e comunicação. Para os autores, as novas tecnologias que estão adentrando os espaços educacionais, as redes sociais digitais – amplamente difundidas entre os jovens, as narrativas tecidas pelos meios de comunicação tradicionais e alternativos são objetos de estudo da educomunicação. Em síntese, os autores afirmam:

A educomunicação como área busca pensar, pesquisar, trabalhar a educação formal, informal e não formal no interior do ecossistema comunicativo. Posto de outro modo, a comunicação deixa de ser algo tão somente midiático, com função instrumental, e passa a integrar as dinâmicas formativas, com tudo o que possa ser carreado para o termo, envolvendo desde os planos de aprendizagem (como ver televisão, cinema, ler jornal, revista; realização de programas na área do audiovisual, da internet), de agudização da consciência ante a produção de mensagens pelos veículos; de posicionamento perante um mundo fortemente editado pelo complexo industrial dos meios de comunicação. (CITELLI; COSTA, 2011, p. 8).

Uma prática educativa na perspectiva da educomunicação pressupõe outra postura nos processos de ensino-aprendizagem. Adotando uma postura mais atuante no exercício da cidadania, o estudante deixa de ser apenas um receptor de informações, passando a refletir ética e esteticamente, além de ser protagonista na produção do conhecimento com o professor.

Jesús Martín-Barbero, um importante pesquisador e difusor da educomunicação na América Latina, já alertava no final do século XX que a instituição educacional deixou de ser o único espaço de produção e legitimação do saber. Para o autor, sobretudo os jovens têm acesso a uma ampla difusão de informação em canais que circulam fora da escola.

Esses canais alternativos que difundem informações são chamados pelo teórico colombiano de “ecossistemas comunicativos”, um espaço onde o saber pode ser disperso e fragmentado. Um ambiente que pode circular fora das instituições que tradicionalmente produzem e legitimam o saber, um organismo que pode se consolidar longe dos atores sociais que tradicionalmente administram e decidem o que deve ser ensinado aos jovens.

Nesse sentido, o autor defende que a educomunicação é um campo interdisciplinar estratégico para mobilizar os jovens a refletirem criticamente essa sociedade complexa e simbólica que estamos atravessando. Para o sociólogo, uma cidadania plena significa gente:

capaz de saber ler a publicidade e entender para que serve, e não gente que deixa massagear o próprio cérebro; gente que seja capaz de distanciar-se da arte que está na moda, dos livros que estão na moda; gente que pensa com a própria cabeça, e não com as ideias que circulam ao seu redor. (MARTÍN-BARBERO, 2011, p. 134).

Maria Cristina Castilho Costa (2012), seguindo as reflexões tecidas por Martín-Barbero, constata em sua pesquisa que o Brasil é o país da América Latina com o maior índice de pessoas filiadas a redes sociais. De acordo com a pesquisadora, em 2011, 70 milhões de brasileiros interagiam em alguma rede social, sendo que 63% dos usuários estavam concentrados na faixa etária de 15 a 35 anos.

Para a autora, a educomunicação é uma área estratégica para conscientizar o internauta das especificidades que envolvem a tríade mercado, publicidade e manipulação da informação no ciberespaço. Segundo suas palavras: “trata-se não apenas de incluir as redes como recurso tecnológico na relação professor-aluno, ou de fazer das informações que por ela circulam referências no processo educativo, mas de fazer uso consciente e crítico de seu potencial comunicativo”. (COSTA, 2012, p. 10).

Seguindo a vertente da teoria das mediações formulada por Martín-Barbero, os atores envolvidos no projeto de extensão reconhecem que a escola não é o único local de produção e legitimação do saber. A produção do conhecimento se dá pelas várias relações que o sujeito estabelece na esfera social, bem como com os aparelhos hegemônicos do Estado: igrejas, meios de comunicação, sindicatos, instituições de ensino.

NAS ONDAS DA COMUNICAÇÃO

O programa Educação em Debate entrou no ar em fevereiro de 2016, sendo apresentado todas as quartas-feiras, das 10 às 12 horas, com reprise as segundas-feiras das 20 às 22 horas. A produção radiofônica segue os pressupostos da educomunicação, área do conhecimento que busca pensar, pesquisar e problematizar a educação formal, informal e não formal a partir de ecossistemas educativos. Nessa perspectiva a comunicação deixa de ser vista como um fenômeno midiático, para integrar dinâmicas formativas e planos de aprendizagem para o exercício da cidadania. (CITELLI; COSTA, 2011).

A proposta inclui ainda a consciência diante das narrativas desenvolvidas pelos veículos de comunicação comercial. Em 2016 foram produzidos e apresentados quarenta programas pelas ondas da 98,3 FM. Além da transmissão pelo sistema de radiofusão, o programa pode ser acompanhado ao vivo pelo site da emissora. Ao final do programa, todas as edições ficam disponíveis ao público na rede social SoundCloud.

O programa é dividido em quatro blocos: 1) Entrevista do dia, onde a equipe recebe um especialista para debater temas relacionados à educação. Em 2016 os temas abordados foram: educação ambiental, turismo como fator de desenvolvimento urbano, arte e cinema, políticas públicas, os movimentos sociais na contemporaneidade, o papel da mídia alternativa no país, feminismo, educação sexual em uma perspectiva emancipatória, políticas para primeira infância, reforma do ensino médio; 2) Momento da prosa, quadro desenvolvido por adolescentes dos anos finais do ensino fundamental que discute pautas juvenis; 3) Dialogando com classe trabalhadora, coluna desenvolvida em parceria com o Sindicato Sinasefe, com o objetivo de discutir pautas trabalhistas; e 4) Momento cultural, quadro que recebe bandas locais.

Figura 1 – Fotografia sobre a formação de professores em mídias e educação

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Fonte: Acervo dos autores

Figura 2 – Fotografia de estudantes que produzem o quadro “Momento da prosa” e de professores que participam do projeto na Escola de Educação Básica Porto do Rio Tavares

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Fonte: acervo dos autores

Outra linha de intervenção do projeto é a formação continuada, que é oferecida aos professores de duas escolas estaduais no município de Florianópolis, com o objetivo de estimular os docentes a integrarem as mídias na prática pedagógica. No decorrer de 2016 a equipe do projeto também ministrou oficinas de produção de rádio aos alunos dos anos finais do ensino fundamental das escolas envolvidas.

A seleção de conteúdos abordados no programa demonstra claramente o viés contra- hegemônico do projeto. Pautas como feminismo, meio ambiente e política foram abordadas sempre em contraponto às pautas de rádios comerciais. Procuramos dar voz a intelectuais e profissionais de diversas áreas que não teriam espaço nos veículos de comunicação tradicional. Desafiando a estrutura monopólica da comunicação comercial no país, o programa Educação em Debate contribui para a democratização das mídias, bem como para o exercício da cidadania.

Na edição de número 39, que foi ao ar em 30 de novembro de 2016, os estudantes responsáveis pela produção do quadro “Momento da prosa” entrevistaram uma docente de história sobre as votações em tramitação no Congresso Nacional. Temas como reforma do ensino médio, proposta de Emenda Constitucional 55 e a atuação do Supremo Tribunal Federal foram problematizados a partir da inquietação dos adolescentes que estudam na Escola de Educação Básica Porto do Rio Tavares. (Figura 2).

Já na coluna “Dialogando com a classe trabalhadora” da referida edição, a coordenadora de pessoal do Sinasefe discutiu os impactos da terceirização no mundo do trabalho. No quadro “Entrevista do dia”, o programa recebeu o presidente do Conselho Estadual das Populações Afrodescendentes no Estado de Santa Catarina. O programa terminou com a entrevista dos integrantes da banda Oliver, uma banda de pop punk formada por jovens secundaristas de Florianópolis.

RESULTADOS

Entre os principais resultados do projeto, destacamos a integração entre rádio Campeche FM, Instituto Federal de Santa Catarina e escolas estaduais de educação básica. Essa parceria proporcionou ações de formação continuada aos professores da rede estadual de Santa Catarina, difundindo formas de apropriação pedagógica para o uso das mídias na escola, atentando para elementos didático-pedagógicos que revelam sua relação com possíveis inovações curriculares durante os processos de ensino e aprendizagem, e com base nesse diagnóstico foi possível fomentar e gerar mudanças curriculares, bem como incentivar aprendizagens colaborativas entre as escolas envolvidas no projeto de extensão.

A participação dos estudantes dos anos finais do ensino fundamental na produção da coluna de rádio “Momento da prosa” proporcionou aos discentes o exercício da comunicação oral, aperfeiçoando a objetividade e clareza de exposição do pensamento. A atividade pedagógica favoreceu a convivência e o trabalho em grupo, respeitando as diferenças, níveis de conhecimento e ritmos de aprendizagem de cada integrante da equipe. (Figuras 3 e 4).

O programa Educação em Debate ao longo de 2016 se tornou um espaço de divulgação e de produção cultural para todos os estudantes do sul da ilha de Santa Catarina. Além de consolidar o processo de ensino-aprendizagem da comunicação sob o ponto de vista linguístico, permitindo a realização de um trabalho fonético intenso, o projetou aproximou os discentes de diferentes meios tecnológicos e audiovisuais e fomentou a educação entre diversos agentes educativos (alunos, professores, família, escolas e emissora de rádio).

Figura 3 – Fotografia da equipe produtora do programa Educação em Debate

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Fonte: acervo dos autores

Nota: Da esquerda à direita: Isaac Garcia Ribeiro, bolsista de extensão; Valdeci Reis, coordenador do projeto; Elaine Tavares, jornalista; Arnaldo Prudêncio, diretor da rádio; Valquíria Ferreira, bolsista de extensão.

 Figura 4 – Estudantes do 8º ano da Escola de Educação Básica Porto do Rio Tavares na oficina de Educomunicação

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Fonte: acervo dos autores

O leitor interessado em conhecer outros projetos educacionais na perspectiva educomunicativa pode conferir o vídeo A Prática Educomunicativa do IFSC Campus Gaspar, desenvolvido com os alunos do ensino médio, e o canal Imprensa Jovem, desenvolvido em parceria com a Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Os dois projetos, partindo do referencial teórico do campo da educomunicação, tentam estimular jovens a refletirem criticamente como as narrativas são construídas e disseminadas através dos meios de comunicação de massa, além de estimular o protagonismo juvenil.

REFERÊNCIAS

CITELLI, A. O.; COSTA, M. C. Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

COSTA, M. C. C. Educação e comunicação: textos, imagens e redes. Comunicação & Educação, São Paulo, v. 2, n. 17, p. 7-13, jul./dez. 2012.

FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

MARTÍN-BARBERO, J. Desafios culturais: da comunicação à educomunicação. In: CITELLI, A. O.; COSTA, M. C. Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

[1] “Desenvolvendo ecossistemas educomunicativos em escolas públicas mal avaliadas pelo IDEB: desafios e estratégias para a consolidação de uma política pública para a educação básica” trata-se de um projeto de extensão financiado pela Pró-Reitoria de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.

This Post Has 14 Comments
  1. Conheço o trabalho da professora Nadia. Profissional capacitada, competente e compromissada com a educação e com os educando. Este tipo de professora faz a diferença na vida do educando; eles têm a oportunidade de aprender e apreenderem para o resto de suas vidas seus ensinamentos e vivências. Parabéns à rádio que teve esta brilhante idéia (projeto) de firmar parceria com a escola. Mudanças e transformações começam assim.

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