Olhares e escutas dos sujeitos da escola: Convite à leitura, por Maria Cristina Soares de Gouvea

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Maria Cristina Soares de Gouvea

Graduada em Psicologia(1983), mestrado em Educação e Ciências Sociais (1990), doutorado em História da Educação (1997) pela Universidade Federal de Minas Gerais , pós- doutorado em História pela Oxford University (2010), pós- doutorado em História da Educaçao pela Universidade de Lisboa(2005) . Professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, onde atua no Programa de Pós- Graduação, orientando alunos de mestrado e doutorado. Pesquisadora I- B do CNpq, do Centro de Estudos e Pesquisas em História da Educaçao da UFMG (GEPHE), e do Núcleo de Pesquisas sobre Infância e Educação Infantil da UFMG ( NEPEI/ UFMG.

E-mail: crisoares43@gmail.com

Quando se quer apresentar uma obra ao leitor, diz-se que essa leitura é obrigatória, um recurso retórico no convite à sua apreciação. Pois bem, Crianças, professoras e famílias: olhares sobre a Educação Infantil, de Isabel de Oliveira e Silva, Iza Rodrigues da Luz e Maria Inês Mafra Goulart, é, de fato, leitura obrigatória para os envolvidos na educação da infância no Brasil.

Comecemos, assim, pela temática expressa no título, que apresenta uma perspectiva que tem como tema os sujeitos da educação da infância (crianças, professores e família) em suas práticas de cuidado e educação. Mas o que significa tematizar os olhares dos sujeitos? Inicialmente, uma postura ética, isto é, considerar que crianças, professores e famílias são protagonistas da escola (ainda que em diferentes posições de poder) e que, para captar seus olhares, devem ser não apenas observados, mas escutados. Se isso parece banal, afirmo que não o é. A escuta na pesquisa demanda construir estratégias metodológicas de resgate e apreensão da voz do sujeito, não sobrepondo o discurso do pesquisador ao do pesquisado.

Por outro lado, trata-se de construir estratégias de participação. No caso, as autoras apresentam os sólidos resultados de um projeto de intervenção/pesquisa que alia a densidade da reflexão teórica ao caráter inovador da perspectiva metodológica e à fina e competente escuta dos sujeitos.

Ao atuarem em espaços de educação da infância, as autoras buscam refletir com os professores sobre suas práticas, pondo efetivamente em diálogo os saberes da experiência e da reflexão teórica no que denominam pesquisa colaborativa (em que a palavra colaboração expressa uma perspectiva horizontal e democrática de intervenção e produção do conhecimento).

Ao mesmo tempo, entendem a escola como um dos espaços de educação e os professores como um dos educadores, trazendo à cena as famílias, em suas expectativas e projetos de formação da criança. Ressalta-se que, na crescente e significativa produção contemporânea sobre a educação infantil no Brasil, a escuta das famílias tem sido ainda pouco contemplada nas pesquisas. Vimos investigando o que crianças e professores demandam da escola, como entendem a educação infantil. O que sabemos das famílias, especialmente as que fazem uso das escolas públicas?

Nesse sentido, a obra nos indica questões a serem contempladas, não apenas pelos professores, mas também por formuladores de políticas educativas dirigidas à infância. O que esperam os pais da educação de seus filhos? Como considerar suas demandas em relação à escola?

As famílias emergem no livro, não apenas na investigação sobre suas demandas, mas em sua participação nas práticas educativas. Esse é outro aspecto do livro que convida à sua leitura: a descrição e análise de instigantes práticas em que adultos e crianças exploram o mundo e constroem estratégias para melhor conhecê-lo. Como detetives, saem explorando pistas e, assim, se fazem pesquisadores. Como astrônomos, que observam coletivamente o céu, buscando interpretá-lo. A descrição dessas práticas, construídas na colaboração entre professores e pesquisadores, convida-nos a experimentar e ousar. Por que não também brincamos de detetive? Por que não convidamos as famílias para observarem o céu em uma noite estrelada?

Destaca-se também a escuta arguta e sensível das crianças, ancorada em sólida reflexão teórica, que permite apreender como se apropriam das ricas experiências educativas desenvolvidas, produzindo conhecimento sobre o mundo no recurso a diferentes linguagens. Tal apropriação é descrita em seu processo, em que o diálogo entre pesquisadores e professores sobre o vivido viabiliza a progressiva complexificação dos saberes de crianças e adultos na compreensão do mundo.

Esse processo tem como cenário duas escolas públicas de educação infantil da cidade de Belo Horizonte. As escolas são não apenas cenário de práticas, mas também espaços que educam em sua materialidade. Tanto nas potencialidades como nas limitações das condições físicas das escolas, o espaço constitui dimensão fundamental do fazer educativo, sendo analisado em sua complexidade pelas autoras.

Cabe chamar atenção para um aspecto dessa pesquisa: as condições de sua produção. Ela é resultado de um programa de investigação criado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), voltado para educação básica, que busca aliar pesquisa e intervenção nas escolas, com participação efetiva de professores como investigadores (devidamente remunerados). A publicação dessa obra materializa o sucesso desse projeto, em que a Universidade e a escola básica se encontram em diálogo e reflexão sobre suas práticas – no caso, a produção do conhecimento e a atuação na educação da criança pequena.

Bem, depois de descrito meu olhar sobre o livro, falta o seu, leitor.

Boa leitura!

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