Daniel O Que A Familia Espera Da Escola 2

O que a família espera da escola?

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Daniel Pinheiro Caetano Damasceno

Bacharel em Ciência da Educação, Mestre e Doutor em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro;  Professor do Curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Professor Aldo Muylaert (ISEPAM); Professor do Curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá (UNESA) campus Campos dos Goytacazes.

E-mail: danielpcd@gmail.com

O CASO DAS FAMÍLIAS RESPONSÁVEIS POR ALUNOS DO 1º AO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA BARRA-RJ

INTRODUÇÃO

Este artigo é fruto de pesquisa do curso de pedagogia da Universidade Estácio de Sá campus Campos dos Goytacazes – RJ, financiado pelo Comitê Institucional de Pesquisa e Produtividade da Universidade Estácio de Sá – RJ. O objetivo é analisar expectativas educacionais dos responsáveis por alunos de 1º ao 5º ano do ensino fundamental em três escolas públicas do município de São João da Barra – RJ. A metodologia é quantitativa, com a construção de um questionário fechado que contempla a visão familiar acerca da escola. A amostra populacional conta com 174 familiares respondentes. Das três escolas pesquisadas, que atendem do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, duas situam-se nos distritos de Grussaí e uma em Cajueiro, terceiro e quarto distritos de São João da Barra. O critério de escolha das escolas foi populacional, visto que na ocasião da pesquisa de campo foram selecionadas as instituições com maior número de discentes localizadas nos distritos citados.

O PERFIL SOCIOCULTURAL DOS RESPONDENTES

Ao construir o perfil sociocultural dos respondentes, verificou-se que 89% deles são do gênero feminino, o que demonstra que o acompanhamento da vida escolar em reunião de responsáveis dos filhos é uma tarefa predominantemente feminina, o que também pode ser verificado no trabalho de Fevorini e Lomônaco (2009, p. 82):

A “chatice” das reuniões parece ser mais tolerada pelas mães do que pelos pais. Quando a entrevista foi com o casal, apenas um deles disse que vão juntos sempre; outros disseram que vão juntos quando podem, mas em geral a mãe costuma ir mais. Ainda houve um casal em que a marido nunca vai. Talvez por aspectos afetivos e psicológicos e/ou culturais e sociais, o cuidado com a prole ainda parece ser mais uma tarefa feminina do que masculina.

Quanto à idade, quase metade dos respondentes (48,2%) têm entre 31 e 40 anos. Três respondentes têm mais de 60 anos, e somente quatro deles estão entre 0 e 18 anos. Com relação à escolaridade, 28,1% possuem o ensino médio completo. A segunda maior porcentagem – 20% dos respondentes – são os responsáveis que possuem o segundo segmento do ensino fundamental – 6º ao 9º ano – incompleto. Dos 174 respondentes, somente vinte deles (11,5%) tiveram acesso ao ensino superior, e apenas cinco (2,8%) concluíram. Importante ressaltar que 94 dentre os 174 entrevistados (54%) não terminaram o ensino médio. Esses dados nos levam à questão profissional: 63 (36,2%) respondentes declararam ser do lar, 1 entrevistado declarou estar desempregado e 29 (16,6%) não responderam, talvez pelo constrangimento de não possuir emprego no momento da entrevista.

Os dados supracitados apontam que 53,4% da população entrevistada na ocasião da pesquisa encontrava-se fora do mercado de trabalho, dado muito próximo dos 54% que não terminaram o ensino médio. Essa estatística reforça os dados do IBGE (apud RIBEIRO, 2015) de que o ensino médio não é suficiente para garantir melhores posições nos países de baixa remuneração. A maioria da população pesquisada se encontra, portanto, abaixo do nível de escolaridade que o IBGE entende como ainda insuficiente para garantir melhores posições no mercado profissional. Isso nos leva ao índice seguinte: na pergunta sobre faixa salarial, 84% dos entrevistados declararam receber de 0 a 3 salários-mínimos. Constata-se que os 53,4% que estão fora do mercado de trabalho e, consequentemente, não recebem salário, fazem parte desses 84% que dizem receber de 0 a 3 salários-mínimos. Então, recebendo entre 1 e 3 salários-mínimos temos 30,6% da população entrevistada.

Com relação ao grau de parentesco com o(a) aluno(a), 88% dos respondentes são pai ou mãe dos alunos. Visto que 89% do total de entrevistados são do gênero feminino, temos uma grande parcela de mães respondendo o questionário.

Com relação ao número de pessoas que moram na residência dos alunos, 57,4% dos respondentes possuem entre quatro e seis pessoas em casa, enquanto 38,5% possuem de uma a três pessoas morando na residência e 4,1% possuem entre 7 e 10 pessoas em casa. Quando perguntados sobre o principal veículo de comunicação utilizado para se informar sobre a atualidade, os respondentes assinalaram mais de uma opção: a televisão foi mencionada 160 vezes, seguida da internet, com menos da metade: 78 menções. Interessante pontuar que dois respondentes afirmaram que não costumam se informar sobre notícias da atualidade. Com relação à existência de livros, 3,1% não responderam, 6,8% afirmaram não tê-los em casa, enquanto 38% dos entrevistados possuem no máximo cinco livros na residência, 28,1% possuem de seis a dez livros, 14,3% possui de onze a vinte livros, enquanto 9,7% dos respondentes afirmou ter mais de vinte livros em casa. Importante ressaltar que, ao estudar os casos de sucesso escolar em famílias de classes populares, as formas familiares de cultura escrita são um dos traços da leitura sociológica de Lahire (1997), que aponta para os esquemas comportamentais e cognitivos da criança como produto das representações que se estabelecem através das relações sociais e socializações na qual está inserida. Lahire mostra que a simples existência dos livros em casa não basta, é preciso o estabelecimento de uma relação positiva com a leitura.

AS EXPECTATIVAS FAMILIARES ACERCA DA ESCOLA

A primeira pergunta acerca das expectativas familiares em relação à escola se referia aos fatores levados em consideração ao escolher a escola das crianças. O questionário apresentou uma lista com doze variáveis e solicitou que os respondentes assinalassem as cinco mais importantes. Os cinco aspectos mais assinalados foram: “uma escola que esteja em constante comunicação comigo, me coloque a par de tudo sobre a vida escolar do meu filho” (126 vezes); “proposta pedagógica da escola” (92 vezes); “professores com boa formação acadêmica” (87 vezes); “professores com experiência em sala de aula” (80 vezes) e “proximidade de casa” (79 vezes). Os resultados mostram que os familiares prezam a comunicação constante e os aspectos pedagógicos da instituição, tais como sua proposta e docentes capacitados com o binômio formação-experiência. No entanto, entre os cinco aspectos assinalados, um fator externo – a proximidade de casa – possui uma importância considerável para os entrevistados.

A segunda questão versava sobre a função da escola na concepção dos familiares entrevistados. O questionário apresentou uma lista com cinco variáveis e solicitou que os respondentes assinalassem no máximo três delas. A tabulação mostrou os responsáveis divididos em conceitos distintos: “preparar para o mercado de trabalho” (101 vezes) “ensinar conhecimentos pedagógicos” (95 vezes) e “ensinar valores de formação de caráter” (95 vezes). As respostas abrem algumas reflexões: ao elencar a preparação para o mercado de trabalho como principal função da escola, os entrevistados reafirmam o estudo de Ojala (2008) que aponta que as camadas mais pobres da população abordam a trajetória escolar a partir de um viés instrumental, uma ponte mais eficiente para o ingresso em melhores condições no mercado de trabalho. Ao apontar o ensinamento de conhecimentos pedagógicos como função da escola, os entrevistados mostram coerência com a questão anterior “O que leva em consideração ao escolher a escola de seu/sua filho(a)?” em que a proposta pedagógica da escola, formação acadêmica e experiência profissional dos docentes estiveram entre os itens mais assinalados. Com relação aos familiares que entendem como função da escola “ensinar valores de formação de caráter”, estes se aproximam de uma concepção de Durkheim (2007) de educação, quando este pensador atribui ao sistema de educação formal a tarefa de racionalizar as regras morais de uma sociedade. Nesse sentido, de educação enquanto formadora de valores humanos para a vida em sociedade, a Proposta de diretrizes para formação inicial de professores de educação básica em cursos de nível superior reforça essa concepção de que a formação de caráter e valores humanos está inclusa no âmbito escolar ao entender que um dos aspectos da formação comum a todos os professores da educação básica deve ser:

Promover a educação dos alunos em sentido amplo, incluindo, além do ensino de áreas e disciplinas escolares e desenvolvimento cognitivo, o cuidado com aspectos afetivos, físicos, socioculturais e éticos, a partir da constituição de valores comprometidos com os princípios estéticos, políticos e éticos. (BRASIL, 2000, p. 69).

No que diz respeito à participação dos familiares em reuniões escolares, 33,3% frequentam bimestralmente e 35,6% comparecem mensalmente, 20,1% comparecem uma vez por semestre, 10,3% não responderam e 1 pessoa não frequenta. Em conversas com as equipes gestoras das escolas participantes da pesquisa, ficou constatado que as reuniões de pais e mestres variam no que diz respeito à periodicidade, sendo mensais em algumas escolas e bimestrais em outras. Dessa forma, pode-se considerar que 68,9% do público entrevistado comparece assiduamente às reuniões em questão. Ainda sobre o comparecimento à unidade escolar, 36,7% dos entrevistados o fazem somente em reuniões de pais e mestres, 24,1% uma vez por semana, 13,2% estão presentes uma vez por mês, 10,9% uma vez por bimestre e 5,7% dos respondentes afirmaram que comparecem à escola somente quando são chamados.  Outros 9,4% não responderam.

Quando perguntados de que forma costumam se informar sobre a vida escolar das crianças pelas quais são responsáveis, o questionário apresentava seis possibilidades de respostas e muitos respondentes assinalaram mais de uma. As respostas mais assinaladas foram: “conversa com os professores” (106 vezes), seguida de “conversa, em casa, com meu filho(a)” (52 vezes). Outras respostas foram “conversa com pedagogo(a)/diretor(a)” (12 vezes) e “através de site, e-mail ou telefone, sem comparecer à escola” (1 vez). Nota-se que a procura pelos professores tem mais que o dobro de respostas do que a segunda opção, que foi a conversa em casa com o(a) próprio(a) estudante. A procura maciça pelos docentes e a baixa consulta ao coordenador pedagógico e ao gestor escolar indicam que os responsáveis entrevistados desconhecem ou não se sentem seguros ao consultar a equipe gestora da escola sobre o rendimento escolar de sua criança, preferindo uma abordagem mais tradicional, se limitando aos professores e suas avaliações acerca dos alunos a partir do convívio cotidiano estabelecido entre professor e aluno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos dados coletados, foi possível traçar o seguinte quadro: as entrevistadas são mulheres (89%), com idade entre 31 e 40 anos (48,2%), não concluíram o ensino médio (54%) e encontram-se fora do mercado de trabalho (53,4%) ou trabalhando com baixa remuneração – de 1 a 3 salários-mínimos – (30,6%). Percebe-se, portanto, que as escolas públicas pesquisadas prestam atendimento educacional aos filhos da classe popular, passo fundamental para a universalização do acesso à educação básica. Quanto às expectativas educacionais dos familiares entrevistados, nota-se que a família espera da escola a comunicação constante (126 menções), boa proposta pedagógica (92 menções) e a presença de professores experientes (80 menções) e com boa formação acadêmica (87 menções). Os professores são também a principal fonte de informação acerca da vida escolar dos estudantes (106 menções). Esses dados mostram que as demandas e expectativas familiares em relação ao trabalho dos docentes são elevadas: o professor precisa ser experiente, com boa formação pedagógica e constante fonte de comunicação e informação sobre a vida escolar de seus alunos. Ainda sobre as expectativas familiares em relação à escola, a proximidade de casa (79 menções) também é um fator considerado pelos respondentes, provavelmente pela fácil possibilidade de acesso. A pesquisa apurou – através de conversa com as equipes gestoras das escolas – que muitos alunos vão à escola de bicicleta ou caminhando, o que torna fundamental que a escola esteja no mesmo bairro da comunidade atendida.

Talvez a partir do desejo de proporcionar aos filhos uma ascensão social em relação à vida que possuem, os entrevistados apontam expectativas que supervalorizam e sobrecarregam as possibilidades escolares, já que atribuem à escola as funções de preparar para o mercado de trabalho (101 menções), formar pedagogicamente (95 menções) e construir valores humanos (95 menções). Assim, ao enviar seus filhos para a escola, os familiares entrevistados esperam que essa instituição desenvolva uma tarefa múltipla, de formação em três diferentes aspectos. Importante ressaltar que, na opinião dos entrevistados sobre a função da escola, preparar para o vestibular (65 menções) é menos importante do que proporcionar um local seguro para o(a) filho(a) enquanto estão no trabalho (78 menções). Esses dados mostram que, para a população pesquisada, a escola é um instrumento de colocação no mercado mais imediato, que não necessariamente passa pelo ensino superior. À medida que a preparação para o mercado de trabalho é valorizada e a preparação para o vestibular nem tanto, entende-se que os entrevistados possuem uma concepção tecnicista de educação, que é vista como formadora de mão de obra. Por fim, a solução para o dilema que se configura entre satisfação das altas expectativas familiares e possibilidades de atendimento escolar diante da escassez de recursos passa pela comunicação com as famílias – outra demanda familiar – para assim definirem estratégias conjuntas de atuação educacional que aperfeiçoem os recursos disponíveis tanto na família quanto na escola.

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Proposta de diretrizes para a formação de professores da educação básica em nível superior. Brasília, DF: MEC, maio 2000.

DURKHEIM, E. O ensino da moral na escola primária. Trad. Raquel Weiss. Novos Estudos, São Paulo, n. 78, p. 59-75, jul. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/nec/n78/ 08.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016.

FEVORINI, L. B.; LOMÔNACO, J. F. B. O envolvimento da família na educação escolar dos filhos: um estudo exploratório com pais das camadas médias. Psicol. Educ., São Paulo, n. 28, p. 73-89, jun. 2009. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752009000100005>. Acesso em: 25 maio 2016.

LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São Paulo: Ática, 1997.

OJALA, R. M. P. Projeto de futuro de jovens universitários no Distrito Federal: um estudo de caso. 2008. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

RIBEIRO, A. Encontrar o primeiro emprego está cada vez mais difícil. Seel, 20 jan. 2015. Disponível em: <http://seel-sp.org.br/site/noticias/encontrar-o-primeiro-emprego-esta-cada-vez-mais-dificil/>. Acesso em: 25 maio 2016.

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