Educar O Olhar

(Neste) espelho onde o refletido me interroga: Múltiplos letramentos, literatura e audiovisual no trabalho com projeto em uma turma de EJA

Ana Santos

Ana Rita Santos

Mestra em Educação e Docência pela Faculdade de Educação – UFMG (2020), Especialista em Educação e Cinema pela FaE-UFMG (2015) e em Psicologia Educacional pela PUC – Minas (1997). Professora vinculada à Escola Municipal Professor Paulo Freire da Prefeitura de Belo Horizonte-MG. Atualmente desenvolve projetos com foco em Audiovisual e Literatura, em uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) em processo de alfabetização.

E-mail: anaritasan21@gmail.com

Alida Leal

Álida Angélica Alves Leal

Professora da Faculdade de Educação da UFMG. Doutora em Educação pelo Programa de Pós Graduação Conhecimento e Inclusão Social da FaE/UFMG. Especialista em História da Cultura e da Arte e Licenciada em Geografia pela UFMG. Participa do PRODOC e do Observatório da Juventude. Lecionou na Educação Básica pública por sete anos. Foi Coorientadora da pesquisa que deu origem a este artigo, pelo Programa de Mestrado Profissional Educação e Docência (Promestre) da FaE/UFMG.

E-mail: alidaufmg@gmail.com

INTRODUÇÃO

“ […] vejo a palavra enquanto ela se nega a me ver. A mesma palavra que me desvela, me esconde. Toda palavra é espelho onde o refletido me interroga”.
Bartolomeu Campos de Queirós, em Vermelho Amargo (2011).

Neste texto, cujo título remete à passagem apresentada em epígrafe, considero que a Educação, no espaço da escola, pode contribuir para a inclusão social dos educandos, especialmente quando se buscam estratégias capazes de atender às demandas de seus múltiplos letramentos. Enquanto professora da Educação Básica e em diálogo com as orientadoras deste estudo, desenvolvido no Programa de Mestrado Profissional da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (PROMESTRE FaE/UFMG), pesquisei minha própria prática, na perspectiva da pesquisa-ensino (Penteado e Garrido, 2010), investigando o papel das linguagens audiovisuais e da literatura nos múltiplos letramentos, nos processos emancipatórios e na formação crítica de educandos de uma turma de EJA em processo de alfabetização. Descrevo e analiso a experiência de trabalho com um projeto denominado “Minas, Nordeste & África”, desenvolvido em 2017, que envolveu o trabalho com o livro “Indez”, de Bartolomeu Campos de Queirós, literatura de cordel e audiovisual. Os caminhos metodológicos consistiram na análise de registros em diários de campo, vídeos, fotografias, produções textuais etc.

Em minha experiência docente, a parceria entre a literatura e o audiovisual está presente desde 2014, quando cursei uma Especialização na área de Educação e Cinema, uma parceria da Prefeitura de Belo Horizonte com a FaE/UFMG, e comecei a desenvolver um projeto a respeito na referida turma de EJA em processo de alfabetização. O trabalho representou uma tentativa de potencializar as aprendizagens dos envolvidos e favorecer sua participação social.

Sabemos que a sociedade contemporânea vivencia intenso processo de desenvolvimento das tecnologias, que vem trazendo mudanças significativas na inclusão social dos sujeitos. O educando da EJA (Educação de Jovens e Adultos) volta à escola buscando aperfeiçoar sua participação na sociedade, que, nesses tempos atuais, demanda aprendizagens mais amplas do que ler e escrever. Vivemos na Era digital, numa sociedade impregnada de estímulos visuais em cartazes luminosos e em outros vários meios de comunicação, em que, ao olhar, somam-se complexidades e ambiguidades interpretativas. A inquietação primeira, que me levou a identificar o audiovisual como possibilidade de potencializar aprendizagens, veio da percepção de que vários estudantes da turma de EJA participante desta pesquisa e que estavam em processo de alfabetização, ao serem submetidos a processos avaliativos externos, promovidos pela Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte (SMED-PBH), apresentavam enorme dificuldade em identificar/interpretar imagens básicas contidas nas avaliações. Considerei, então, que uma das estratégias possíveis para a superação da referida dificuldade consistia em fazer uso de imagens e adotar sondagem de forma coletiva do que os estudantes estavam visualizando, buscando socializar a compreensão para que conseguissem resolver as questões propostas. A partir dessa abordagem, passei a compreender a importância de proporcionar experiências audiovisuais no currículo da EJA, posteriormente associadas à literatura, visando à ampliação da leitura de mundo dos educandos.

Para consolidar e ampliar a extensão formativa do trabalho com audiovisual e literatura, têm sido intensificados os diálogos culturais como o reconhecimento dos signos e sentidos presentes em vídeos, que demandam novas aprendizagens por parte dos sujeitos. Em paralelo, a busca daquela parceria para o desenvolvimento dos processos pedagógicos tem contribuído para o envolvimento dos educandos, especialmente quando as escolhas são pautadas em obras literárias e fílmicas que apresentam afinidades com o leitor/espectador/educando de turmas de EJA, situadas em regiões de periferia e constituídas, majoritariamente, por sujeitos de baixa renda e de origem afrodescendente.

Esse cenário em que vivemos, marcado por mudanças sociais e sob efeito da globalização e avanço das tecnologias, gera demandas por novos letramentos ou multiletramentos que, conforme definição de BARBOSA (et. al., 2016, p.632):

Vão além das habilidades de ler e escrever, e, ainda, não ficam restritos ao campo das linguagens, mas envolvem o domínio e a capacidade de desempenhar diferentes habilidades e competências, adentrando, cada vez mais, os contextos sociais, políticos e culturais, portanto, não mais restritos ao âmbito educacional.

Esse desafio está posto de forma incisiva na escola, quando nós mesmos, como docentes, ainda não nos apropriamos dessas tecnologias, apenas tateando essas competências demandadas atualmente, o que dificulta a mediação com nossos educandos. Neste sentido, voltar os olhos para a própria prática nos possibilita colocar em questão a nossa trajetória docente, os acertos e os equívocos cometidos, tecendo uma reflexão mais consistente não só à luz das teorias, mas também de novas formas de pensar e fazer, para, assim, ir trilhando continuamente na docência. A abordagem da pesquisa-ensino, segundo PENTEADO (2010, p.11), “produz mudanças nos alunos, qualificando seus processos de aprendizagem, e também no docente pesquisador, em sua prática de ensino, tornando-o mais confiante, autônomo e compromissado com o que faz. Produz, ainda, conhecimentos sobre a docência”. A este respeito, BRAGA (2013, p.52) nos diz que

a narrativa é uma forma de comunicar ou contar as experiências vividas por uma pessoa ou por um grupo, portanto, entendo que, ao narrar minha história de formação em consonância com o que eu faço, estarei colocando minha prática à mostra com o objetivo de compreender e saber por que eu faço o que faço.

Para contextualizar a pesquisa, sou professora unidocente vinculada à Escola Municipal Professor Paulo Freire (EMPPF) da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, localizada no Bairro Ribeiro de Abreu, Região Nordeste, território marcado por grande vulnerabilidade social e segregação socioespacial. A turma pesquisada é composta por 24 educandos – 15 mulheres e 09 homens na faixa etária de 36 a 86 anos. Quanto ao quesito raça/cor, se autodenominam pretos (10); pardos (7); brancos (6); indígenas (1); sendo predominantes negros e negras (71%). No mundo do trabalho, os homens estão inseridos como pedreiro (1), serviços gerais (1), gari (3), aposentado (2), servente de pedreiro (2); as mulheres como empregada doméstica/diarista (4), serviços gerais (1), doula (1), do lar (4) e aposentada (5).

Cabe destacar que tais profissões trazem a marca da marginalização social, especialmente entre a população negra de nosso país. São ocupações menos valorizadas, que representam traços diretos da ausência de escolarização, refletidos em baixas remunerações. Estes sujeitos também trazem, em suas histórias de vida, resquícios de outras privações às quais foram submetidos, como o acesso a moradias em locais de precarização dos serviços públicos, negação do direito à saúde, a transporte de qualidade, a saneamento básico, à cultura e ao lazer (OLIVEIRA, 2017, p. 2). Assim, estes sujeitos chegam à EJA buscando ler a bíblia, ler receitas, placas de rua e de ônibus, ansiosos por ampliar a leitura deste mundo em que vivem.

AUDIOVISUAL E LITERATURA NA EJA: EM CENA, O PROJETO “MINAS, NORDESTE & ÁFRICA”

Se pensarmos na gama de recursos de comunicação envolvidos na escrita, principalmente a literária, com seu enredo personalizado, percebemos o quanto precisamos contextualizar o ambiente e dispor de pistas importantes que possam favorecer o entendimento das entrelinhas do texto. A linguagem audiovisual apresenta outro universo de comunicação, no qual vários elementos de percepção sensorial estão envolvidos, além da necessária contextualização. Sobre esse emaranhado de linguagens, BARBOSA (2016, p. 625) nos apresenta o conceito de multimodalidade ao explicar que,

em nossas práticas sociais, nos comunicamos não apenas por meio de palavras, mas também de sinais, gestos e imagens, entre outros recursos semióticos, configurando a comunicação como um evento multimodal, que agrega diversos modos e recursos semióticos, independente do meio pelo qual ela se realize – oral ou escrito, impresso ou digital.

É importante ter em mente que esses diferentes recursos, como texto verbal, imagens em movimento ou não, sons e música, se articulam visando à comunicação, ainda que as interpretações não sejam únicas, pois os indivíduos têm experiências diferenciadas, que levam a interpretações diferenciadas.

A escolha do projeto “Minas, Nordeste & África” para aprofundamento das análises deve-se ao fato de ele ter representado um marco para os educandos em termos de novas possibilidades de envolvimento nas aprendizagens desses múltiplos letramentos. Depois de vivenciar, em 2016, um projeto focado intensamente nas questões étnico-raciais, que dialogava com o livro “Quarto de despejo-diário de uma favelada” de Carolina Maria de Jesus (Projeto “Carolina: a catadora de palavras”), penso que elementos distintos convergiram para um novo patamar identitário no grupo dos estudantes, que passou a ser trabalhado desde então. Neste novo projeto, foi possível contemplar a cultura nordestina (visando atender a seis estudantes oriundos desta região do país) e, também, a cultura indígena, tão invisibilizada no cotidiano escolar. Também foi possível abordar os cuidados maternos presentes na obra “Indez”, de Bartolomeu Campos de Queirós, para um grupo formado, em sua maioria, por mães. Esta temática foi aliada a referências da cultura interiorana mineira, dada ser esta a origem de muitos educandos, cujas vidas são marcadas pelo êxodo rural.

O audiovisual também esteve presente neste projeto, potencializando saberes e propiciando reflexões coletivas sobre a nossa condição humana. No decorrer da proposta, pequenos vídeos foram trabalhados envolvendo conhecimentos de História com as questões étnico-raciais (“Consciência Negra: um caminho longo para a liberdade”: encurtador.com.br/dVYZ2; “Povos Originários”: encurtador.com.br/gIJLN), conhecimentos de Geografia envolvendo países de África (“África de A a Z”: encurtador.com.br/zMU39), conhecimentos de Ciências contemplando a cultura nordestina e o bioma Caatinga (“Caatinga TV Educativa de Alagoas”: encurtador.com.br/tuEP1; stop-motion “O Cangaceiro”: encurtador.com.br/ehmzX), além de vídeos de músicas associadas às temáticas (“Cidadão”, de José Geraldo: encurtador.com.br/cfjvK; “Mestre-sala dos Mares”, de João Bosco: encurtador.com.br/mtxKT; “Asa Branca”,  de Luiz Gonzaga: encurtador.com.br/fiIQV). Com estes materiais, a estratégia junto à turma consistiu em estimular a educação do olhar, ao fazer inferências de forma coletiva, representando, também, um incentivo à desinibição para adultos mais tímidos.

Destaco, ainda, o trabalho com a “competência para ver” (DUARTE e ALEGRIA, 2008), desenvolvida em exibições de três filmes de longa-metragem: “Central do Brasil”: encurtador.com.br/djlFV; “O Auto da Compadecida”: encurtador.com.br/mnyBZ e “Narradores de Javé”: encurtador.com.br/BDJO0. Os enredos propiciaram vivências de análise estética das obras, por meio de reflexões quanto aos movimentos de câmeras e as interpretações das imagens ou mesmo comparações entre as obras fílmicas e os recursos imagéticos utilizados pelos diretores para representação da memória.

No projeto, cinema e literatura se entrecruzaram enquanto catalizadores dos processos de autoconhecimento dos sujeitos, possibilitando reflexões sobre nossa condição humana, nossos papéis sociais e o quanto estamos (ou não) conscientes sobre eles. Além disso,  o ato dos estudantes produzirem vídeos e textos configurou uma apropriação do fazer para além de um processo passivo de apenas ler e assistir, remetendo a outro patamar cognitivo dos sujeitos. Sobre a produção textual, ao longo do ano, cada educando se dedicou à elaboração de um livro individual, no qual cada um/a anotou seus aprendizados, especialmente em versos rimados, a partir da leitura semanal de trechos das obras literárias trabalhadas dentro do projeto. Quanto aos vídeos, ganhou destaque a produção de vídeos com celulares, pelos educandos, sobre procedimentos medicinais caseiros difundidos pela sabedoria popular, após a leitura do livro Indez, que culminou na elaboração de um documentário.

Tudo isto foi realizado sem deixar de revisitar conhecimentos vivenciados no projeto anterior, por meio de visitas ao Museu de Artes e Ofícios (MAO) e à cidade de Ouro Preto. Estas atividades catalisaram conhecimentos posteriormente trabalhados em sala de aula, por exemplo, sobre a naturalização do racismo em nossa sociedade, que exige intervenções constantes junto aos educandos da EJA no cotidiano da escola. Além disso, o desenvolvimento do projeto contou com parcerias de estudantes de Pedagogia, o que representou uma ampliação no atendimento das demandas dos educandos, por exemplo, através da realização de oficinas de Cinema, favorecendo o desenvolvimento de múltiplas aprendizagens.

MÚLTIPLOS LETRAMENTOS E EMANCIPAÇÃO DE EDUCANDOS DA EJA

Durante o desenvolvimento do projeto, foram evidentes as possibilidades de aprendizagens significativas propiciadas pela reinvenção das memórias. Lembranças puderam ser reconstruídas pelos estudantes ao serem trazidas para um presente, em que somos outros sujeitos, vivenciando novas experiências. Além disso, a partilha das vivências aglutinou identidades, ajudando a construir empatias e reflexões sobre a condição humana.

Quanto ao trabalho desencadeado pelos saberes tradicionais, particularmente sobre as plantas medicinais, saliento que a familiaridade das vivências da personagem apresentada no livro literário e dos educandos favoreceu não apenas a imersão no universo da narrativa, mas também um desprendimento maior dos estudantes para outras perspectivas de aprendizagens para além desses saberes abordados. Ademais, este foi um caminho profícuo de construção do protagonismo dos educandos e de reforço de sua autoestima. Esse conhecimento, que era de domínio desse grupo, se apresentava como um elemento de escambo na relação com a professora, que desconhecia esses saberes. O contexto escolarizado, quase sempre é desfavorável para o sujeito em processo de alfabetização, quando ignora seus conhecimentos .

Além da afinidade identitária proporcionada pelo livro Indez aos adultos de EJA, ressalto a oportunidade de explorar a escrita poética de Bartolomeu junto aos educandos. Essa referência diz respeito ao uso de metáforas, traço marcante em seu estilo. Tal figura de linguagem e elemento de democratização do texto, conforme QUEIRÓS (2012), mostrou-se bastante compreensível aos educandos. Durante as aulas, procurava ressaltar todas as metáforas nas reflexões das leituras semanais. Conversava com eles sobre o sentido corriqueiro que empregávamos para determinada palavra e, a partir daí, estimulava-os a explicitar o sentido que poderia ser aplicado no contexto da escrita do autor. Este exercício foi sendo ampliado para outras leituras feitas junto à turma e, com o passar do tempo, alguns estudantes passaram a incorporar as metáforas em suas produções textuais, ampliando a fluidez na escrita.

Outro aspecto marcante no desenvolvimento do projeto foi a descontração no processo de escrita dos educandos. Na escola, a descontração se apresenta geralmente associada às artes. No projeto, o fator preponderante para essa desinibição da escrita foi a parceria com a literatura de cordel, que surgiu a partir da oficina “Criações Poéticas Populares” que vivenciei no 11º Festival de Verão 2017-UFMG. Com isto, a ludicidade passou a estar mais presente no processo coletivo e nas produções textuais registradas no livro individual construído por cada estudante, que trazia releituras de trechos do livro Indez. O teor engraçado de várias produções dos estudantes, partilhadas coletivamente nas aulas, tinha grande receptividade do grupo. Foram momentos em que escrever estava em um contexto de descontração, desprendimento, favorecendo o avanço no processo da escrita dos educandos, conforme o caminhar de cada um.   Quanto ao processo emancipatório dos sujeitos pesquisados, analisando o cotidiano da sala de aula, na qual “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1999), considero que a estruturação de uma prática pedagógica focada em processos dialógicos, por meio de uma relação educador/educando mais democrática e respeitosa, foi um importante pilar na construção dos processos educativos junto à turma. É nessa alteridade que construímos nossas teias de conhecimento, apropriando-nos de nossos atributos humanos, nossa dignidade. A tradução dessa teia da cena da aula expressa-se nos dizeres de TEIXEIRA (2007, p.432), para quem “o que mais importa é que ali existam, que ali estejam, na relação, os sujeitos socioculturais que nela se constituem como docentes e discentes, numa interação intencionalmente mediada pelos processos de transmissão e de reinvenção da cultura e do conhecimento”.

A docência na EJA traz um fio diferencial nessa teia, a vivência do adulto, que representa uma demanda específica em termos de postura, concepção e compromisso do educador com os sujeitos da aprendizagem. Os reflexos se fizeram notar na autonomia dos educandos em direcionar os temas a serem estudados, proporcionando que os conhecimentos estivessem conectados aos interesses, valores e possibilidades do grupo, encaminhados para o objetivo de atender aos processos de desenvolvimento dos multiletramentos, em que cinema e literatura dialogaram enquanto linguagens artísticas propulsoras de aprendizagens diversas na teia das possibilidades que a sensibilidade e a liberdade enredaram.

Ainda que as possibilidades antes citadas sejam cruciais, reconheço que a ação educativa que desenvolvemos na escola, que propicia a emancipação dos educandos, não se apresenta concluída entre as quatro paredes da sala de aula. Conhecimentos são construídos e difundidos pelos sujeitos nas diferentes esferas sociais das quais participam. Além disso, a efetivação das aprendizagens ou, mais especificamente, a construção de experiências, também pode ser ressignificada a partir de novas oportunidades. Só o tempo dirá sobre outros desdobramentos e repercussões do trabalho, aqui e acolá, nas vidas dos educandos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletindo sobre a parceria entre literatura e os recursos audiovisuais como potencializadores do ensino e da aprendizagem de educandos da EJA, alguns aspectos referentes a este encontro no projeto “Minas, Nordeste & África” (2017) ganham destaque. O exercício intensivo de diálogos vivenciados nos processos cotidianos aconteceu por meio da leitura coletiva de uma imagem, da realização de uma roda de conversa sobre o fragmento do livro lido ou das impressões partilhadas a partir de um pequeno vídeo, que suscitavam reflexões e subsidiavam a sistematização posterior de cada temática. Tais exercícios se entrelaçaram durante as aulas, representando considerável contribuição na construção de conhecimentos por parte dos educandos. Destaca-se, ainda, o prazer que a literatura nos oferece, aliada ao encantamento que as imagens em movimento produzem em nós. Estes são elementos que, ao estimular nossa sensibilidade, favorecem aprendizagens significativas.

De modo geral, o processo de emancipação dos educandos começou a se constituir a partir do exercício da liberdade e da imaginação proporcionado pelo encontro entre audiovisual e literatura. Este foi um ponto de inflexão importante no percurso educativo da turma ao longo de todos estes anos em que trabalhamos juntos, pois foi naquela ocasião que começaram a se apropriar com mais leveza da literatura e a escrever com mais fluidez. Os estudantes protagonizaram um jogo de cena, mostrando-se mais à vontade nesse fazer, sem impedimentos e inibições, atitudes muitas vezes inesperadas do sujeito analfabeto, que apresenta “uma corrosão da auto-estima”, que cala sua própria voz diante do outro (OLIVEIRA, 2019).

Por fim, indico que uma das intenções deste texto é a de socializar a experiência da pesquisa com outros colegas de docência, visando encorajá-los a se engajarem nesse processo de investigar a própria prática, buscando, também, consolidar novos conhecimentos, visando a uma ação pedagógica menos excludente e mais democrática para os educandos da EJA, mesmo diante dos desafios que a modalidade enfrenta no cenário de desmonte da educação no país.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Vânia S.; Araújo, Antonia D.; Cleudene de O. Multimodalidade e multiletramentos: análise de atividades de leitura em meio digital. Revista Brasileira de Língua Aplicada, Belo Horizonte, v. 16, n.4, p.623-650, 2016.

BRAGA, Nádia Helena. Pesquisando a própria prática: narrativa de uma professora de Matemática. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Ouro Preto, 2013.

DUARTE, Rosália, ALEGRIA, João. Formação estética audiovisual: um outro olhar para o cinema a partir da educação. Revista Educação & Realidade jan/jun p.59-80. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

OLIVEIRA, Heli Sabino de. Do conceito de “periferia”: primeiras aproximações teóricas. Circulação Interna. Belo Horizonte: 2017.

OLIVEIRA, Míria Gomes de. De leitor para leitor: relações raciais no ensino da literatura infantil e juvenil no Brasil. Belo Horizonte: 2019.

PENTEADO, Heloísa D.; GARRIDO, Elsa (orgs.). Pesquisa-ensino: a Comunicação Escolar na Formação do Professor. São Paulo: Paulinas, 2010. – (Coleção educação em foco).

QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Indez. São Paulo: Global, 2005.

__________________________.Sobre ler, escrever e outros diálogos. Júlio Abreu (organizador). Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

__________________________. Vermelho amargo. 2ª ed. São Paulo: Global, 2017.

TEIXEIRA, Inês de Castro. Da condição docente: primeiras aproximações teóricas. Educ. Soc., Campinas, vol.28, n.99, p.426-443, maio/ago. 2007.

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