Turma B 13

Investigando doenças veiculadas pela água

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Leonardo Oliveira Barbosa

Mestrando em Educação e Docência pela Faculdade de Educação da UFMG, especialista em Ensino de Ciências por Investigação pela UFMG (2010) e em Gestão Educacional pela Faculdade Pitágoras (2011), possui graduação em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix (2002). Atualmente é Professor de Ciências Naturais do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino do Município de Contagem (EM do Bairro Tropical e EM Vereador Benedito Batista).

E-mail: leonardociencias@gmail.com

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Nilma Soares da Silva

Professora adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora e Mestre em Educação e também Licenciada em Química pela mesma universidade. Atua como coordenadora e professora do Mestrado Profissional em Educação e Docência; como professora nos cursos de Especialização em Ensino de Ciências por Investigação; na Licenciatura em Química presencial e a distância para as disciplinas de estágio e didática de ensino de química; como vice-diretora do Centro de Ensino de Ciências e Matemática (CECIMIG) e coordenadora do PIBID de Química na Faculdade de Educação da UFMG.

E-mail: nilmasoares@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

A sequência de ensino (SE) com viés investigativo abordando as doenças de veiculação hídrica surgiu como atividade da disciplina Atividades investigativas nas aulas de ciências do curso de mestrado profissional em educação e docência, ofertado pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (PROMESTRE/FAE/UFMG) em 2016. A atividade consistiu em pesquisar três artigos que abordassem temas relacionados ao ensino por investigação e que pudessem auxiliar no planejamento de aulas de algum tema e conteúdo de interesse dos cursistas.

Desse modo foi eleito o tema “Doenças de veiculação hídrica”, desenvolvido com alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola da rede pública do município de Contagem/MG. Essa escola situa-se em uma região onde residem famílias de baixo poder econômico e para as quais os autores deste artigo consideram o tema eleito de grande importância.

PERCURSOS METODOLÓGICOS E DISCUSSÃO

Durante as aulas da disciplina Atividades investigativas nas aulas de ciências, pesquisamos os três artigos para a atividade. Na análise do primeiro artigo “Resolução de problemas de lápis e papel numa abordagem investigativa” (CLEMENT; TERRAZZAN, 2012), nos ocorreu o seguinte questionamento: como trabalhar esse tema com lápis e papel, sem memorizar os ciclos de doenças? Em estudos sobre os objetivos da atividade investigativa nos ancoramos na ideia de que quando os alunos realizam atividades com essa característica na área de ciências, eles precisam “argumentar, pensar, agir, interferir, questionar, fazer parte da construção de seu conhecimento.” (AZEVEDO, 2015, p. 25). Definimos então que os alunos fariam levantamentos, por meio de entrevistas, de quais doenças de veiculação hídrica eram mais comuns na comunidade. Assim, ficou definida a pergunta para investigação: “Quais são as doenças de veiculação hídrica mais comuns em nossa comunidade”?

A leitura do segundo artigo “Ensinar ciências por investigação: um desafio para os formadores”, escrito por Lima, David e Magalhães (2008), nos indicou que “a análise de resultados aparentemente errados constitui a força motora para novas investigações práticas e conceituais, criando um ciclo virtuoso de aprendizado” (p. 24). Isso nos alertou para o risco de os alunos cometerem equívocos durante as entrevistas e a tabulação dos resultados devido à faixa etária (10 e 11 anos), podendo gerar dados inverídicos. Entretanto, apesar dos riscos, valorizamos os benefícios do ciclo virtuoso de aprendizagem. A análise de resultados aparentemente errados aponta para uma concepção de ciência em que existem falhas no processo de produção do conhecimento, o qual estaria em permanente construção.

Esse apontamento foi reforçado no terceiro artigo “Sequências didáticas para a promoção da alfabetização científica: relato de experiência com alunos do ensino médio”, de Vinturi et al. (2014, p. 12), quando cita Chassot (apud VINTURI et al., 2014) ao dizer que: “muitos alunos apresentam dificuldades de entender que a ciência é um construto humano, portanto, mutável e falível”.

A SE foi desenvolvida em quatro turmas do 6º ano do ensino fundamental de uma escola da Rede Municipal de Ensino de Contagem/MG, e teve duração de oito aulas de 60 minutos previstas no planejamento. As escolas municipais de Contagem possuem uma matriz de referência curricular (CONTAGEM, 2010), na qual os professores se orientam para definir o conteúdo a ser trabalho. O Quadro 1 apresenta o descritor que trata sobre o tema Doenças de veiculação hídrica abordada na SE.

Quadro 1 – Trecho da Matriz de Referência Curricular de Ciências da Natureza para o 2º ciclo do ensino fundamental.

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Fonte: Contagem (2010).

PRIMEIRA E SEGUNDA AULA

Inicialmente fizemos um alinhamento conceitual com os alunos, abordando:

  • o que são águas servidas (também chamadas de águas residuais, despejos líquidos ou resíduos líquidos) e qual o seu destino;
  • coliformes fecais e qualidade das águas;
  • doenças de veiculação pela água (esquistossomose, cólera, amebíase e giardíase);
  • higiene pessoal;
  • fossa séptica e estação de tratamento de esgoto.

Optamos pela leitura de textos no livro didático (CANTO, 2012) e discussão sobre os temas em sala de aula antes de introduzir a questão a ser investigada.

TERCEIRA AULA

As duas primeiras fases da atividade investigativa[1] foram: problematização e produção de hipóteses.[2] Os alunos foram organizados em quartetos ou quintetos, e ficaram nessa organização até o término da SE. Na fase de problematização propusemos a seguinte pergunta:

  • Quais são as doenças de veiculação hídrica mais comuns em nossa comunidade?

Após breve debate nos grupos, entramos na fase de produção de hipóteses com as perguntas:

  • Quais os hábitos de higiene mais comuns que podem impedir que uma pessoa se contamine com microrganismos causadores de doenças?
  • Como é feita a coleta de esgoto em nossa comunidade?
  • Como podemos cuidar da água e evitar pegar doenças provenientes dela?

Durante as discussões, muitos alunos ainda estavam com dificuldades em relação ao tema abordado nas duas primeiras aulas. Essa dificuldade pode ser justificada devido ao fato de que “no ensino expositivo toda a linha de raciocínio está com o professor, o aluno só a segue e procura entendê-la, mas não é o agente do pensamento” (CARVALHO, 2013, p. 2). A partir da terceira aula da SE o foco foi direcionado para os estudantes e suas ideias, sendo o professor o mediador das relações entre a ciência escolar e o contexto real dos mesmos. Assim as dificuldades também mudaram de foco. Os estudantes tiveram que expor suas dúvidas no grupo para produzir hipóteses que seriam divulgadas posteriormente para a turma.

QUARTA AULA

Perguntamos aos alunos: Como podemos responder às questões da aula anterior? Dentre as várias respostas dadas, em todas as salas surgiu um grupo que disse: Perguntando às pessoas. Nesse momento, entregamos a todos os alunos o procedimento de investigação, que consistia em uma folha com um roteiro de entrevista. Explicamos aos alunos como conduzir a entrevista. Instruímos que cada aluno entrevistasse dez pessoas e trouxessem as respostas na aula seguinte. Cada aluno foi orientado a retomar as leituras do livro didático antes de entrevistar as pessoas.

QUINTA E SEXTA AULA

Fizemos uma discussão dos principais aspectos de cada pergunta a partir das entrevistas dos alunos. Chamamos essa fase de uso de procedimentos de pesquisa. Raciocinamos conjuntamente sobre as informações obtidas fazendo pequenos registros dessas informações com o intuito de elaborar as primeiras percepções sobre os dados.

Na sexta aula (fase de análise de dados e avaliação de resultados) os alunos foram orientados a tabular as entrevistas. Percebeu-se certa dificuldade nesse processo em relação ao preenchimento dos quadros e à fidelidade das respostas. Conversamos com a professora de matemática sobre a dificuldade e ela se prontificou a retomar a tabulação com os alunos.

SÉTIMA E OITAVA AULA

Os grupos receberam as folhas com as perguntas das fases de problematização e produção de hipóteses. Eles analisaram os dados coletados (Figuras 1 e 2) para responder às questões (fase de síntese e avaliação final) com o auxílio do professor.

Os gráficos foram desenvolvidos, e os dados compilados com a orientação de que cada quadrinho correspondia a dez respostas das entrevistas.

Figuras 1 e 2 – Alguns dos gráficos finais de tabulação de dados preenchidos por uma turma.

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Fonte: Dados da pesquisa

Após o preenchimento dos gráficos, os alunos responderam às perguntas iniciais e elaboraram uma conclusão para o trabalho sob a mediação do professor (Figuras 3 e 4). Nessa etapa de sistematização do conhecimento, os alunos respondem à pergunta de pesquisa a partir dos gráficos gerados, levando-os a tomar consciência da própria ação. Segundo Carvalho (2013, p. 12), a conclusão:

É a etapa da passagem da ação manipulativa à ação intelectual. E como ação intelectual os alunos vão mostrando, por meio do relato do que fizeram, as hipóteses que deram certo e como foram testadas. Essas ações intelectuais levam ao início do desenvolvimento de atitudes científicas como o levantamento de dados e a construção de evidências.

Figuras 3 e 4 – Conclusões dos trabalhos de duas turmas.

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Fonte: Dados da pesquisa

Percebemos, pelas conclusões dos alunos, que eles conseguiram responder às perguntas iniciais fazendo uma relação com os dados dos gráficos criados por eles a partir das entrevistas realizadas. De posse dos gráficos e das conclusões, os alunos elaboraram um painel com as seguintes partes: título, pergunta da pesquisa, procedimentos, gráficos, conclusão e desenhos. Os painéis com os resultados de cada turma foram fixados no mural da escola (Figuras 5, 6, 7 e 8).

Figuras 5, 6, 7 e 8 – Painéis das turmas contendo informações sobre a pesquisa realizada.

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Fonte: Dados da pesquisa

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aos professores que tiverem acesso ao nosso artigo, indicamos que o desenvolvimento da SE investigativa com seus alunos pode se dar com adaptações necessárias a este ou a outros temas, considerando que:

É o professor que propõe problemas a serem resolvidos, que irão gerar ideias que, sendo discutidas, permitirão a ampliação dos conhecimentos prévios; promove oportunidades para a reflexão, indo além das atividades puramente práticas; estabelece métodos de trabalho colaborativo e um ambiente na sala de aula em que todas as ideias são respeitadas. (CARVALHO et al., 1998, apud AZEVEDO, 2015, p. 25).

A SE com abordagem investigativa mostrou novas possibilidades de aprendizagem para todos os envolvidos. Percebemos que a elaboração e aplicação da atividade: (1) estimulou a criatividade em buscar outras maneiras de conduzir o tema com os alunos (considerando as fases de uma atividade investigativa) e (2) nos alertou sobre como introduzir questionamentos como base para desenvolver um conteúdo escolar. Para os alunos ficou claro o desafio, a responsabilidade e o estímulo por serem sujeitos ativos no processo de aprendizagem enquanto tentaram responder às perguntas de investigação com base em dados que foram conseguidos por eles mesmos. A escola teve acesso a dados reais da comunidade escolar, podendo relacioná-los a futuras ações planejadas com a escola.

Consideramos que a abordagem investigativa contribuiu para a discussão sobre o tema e mostra-se como uma possibilidade de estratégia didática para além das aulas expositivas.

 

 

 

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, M. C. P. S. Ensino por investigação: problematizando as atividades em sala de aula. In: CARVALHO, A. M. P. (Org.). Ensino de ciências: unindo a pesquisa e a prática. São Paulo: Cengage Learning, 2015. p. 19-33.

CANTO, E. L. do. Ciências naturais: aprendendo com o cotidiano: 6º ano: ensino fundamental. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2012. p. 108-116.

CARVALHO, A. M. P. O ensino de Ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (Org.). Ensino de Ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.

CLEMENT, L.; TERRAZZAN, E. A. Resolução de problemas de lápis e papel numa abordagem investigativa. Experiências em Ensino de Ciências, Cuiabá, v. 7, n. 2, p. 98-116, 2012. Disponível em: <http://if.ufmt.br/eenci/artigos/Artigo_ID185/v7_n2_a2012.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2016.

CONTAGEM (Município). Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Matrizes de Referência Curricular. Contagem: SEDUC, 2010. 214 p.

LIMA, M. E. C. C.; DAVID, M. A.; MAGALHÃES, W. F. de. Ensinar ciências por investigação: um desafio para os formadores. Química Nova na Escola, São Paulo, n. 29, p. 24-29, ago. 2008. Disponível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc29/06-RSA-7306.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2016.

PAULA, H. F. As tecnologias de informação e comunicação, o ensino e a aprendizagem de ciências naturais. In: MATEUS, A. F. (Org.). Ensino de química mediado pelas TICs. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015. p. 169-195.

VINTURI, E. F. et al. Sequências didáticas para a promoção da alfabetização científica: relato de experiência com alunos do ensino médio. Experiências em Ensino de Ciências, Cuiabá, v. 9, n. 3, p. 11-25, 2014. Disponível em: <http://if.ufmt.br/eenci/artigos/Artigo_ID251/v9_n3_a2014.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2016.

[1] As fases de uma atividade investigativa (fluxograma e aprofundamentos teórico-metodológicos) são abordadas por Paula (2015, p. 187-193).

[2] As fases de uma atividade investigativa estão destacadas em negrito durante a descrição da sequência didática.

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