Imagem Número 6 Destaque 09 RBEB Redimensionada

Experimentar para demonstrar

Denise de Assis Paiva

Aluna do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal de São João Del-Rei. Atua como bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) desde 2015.

E-mail: denisekpela@hotmail.com

Keityelle dos Santos Carvalho

Graduanda em Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de São João del Rei – UFSJ. Foi bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência entre 2014 e 2016.

E-mail: keityelle.18bj@hotmail.com

Viviane Cristina Almada de Oliveira

Graduada em Matemática com bacharelado em Informática pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1998), licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1999), mestrado (2002) e doutorado (2011) em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp/Rio Claro. Professora adjunta da Universidade Federal de São João Del Rei. Atua como coordenadora da área de Matemática do PIBID/UFSJ desde 2011. Tem experiência na área de Ensino, com ênfase em Educação Matemática, atuando principalmente nos seguintes temas: educação matemática, produção de significados e formação de professores.

E-mail: vialmadaoliveira@gmail.com

INTRODUÇÃO

Desde o início de nossa atuação como bolsistas de iniciação à docência e também das observações por nós realizadas em escolas da região como estagiárias, percebemos que existe um relativo abandono em relação ao ensino de Geometria. Essa não é uma constatação recente nem um fenômeno regional; autores como Pavanello (1993), Pereira (2001) e Sena e Dorneles (2013) relatam esse abandono em seus trabalhos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (BRASIL, 1998, p. 126) enfatizam que “as atividades de Geometria são muito propícias para que o professor construa junto com seus alunos um caminho que a partir de experiências concretas leve-os a compreender a importância e a necessidade da prova para legitimar hipóteses levantadas”. Nesse sentido, construímos um material que nos permitisse realizar experiências concretas com alunos de nonos anos na abordagem do teorema de Tales. Embora reconheçamos o quanto experimentos com material manipulável podem ajudar no convencimento dos alunos quanto à veracidade de uma conjectura, os primeiros não se constituem provas matemáticas. Por isso, é desejável que, nos anos finais do ensino fundamental II, a observação/manipulação do concreto sirva como desencadeadora de processos que levem a justificativas formais (BRASIL, 1998).

DESENVOLVIMENTO

A escolha do teorema de Tales para desenvolvermos nossa intervenção junto aos nonos anos III e IV foi realizada por nós junto à professora responsável por essas turmas. À época, este era o conteúdo que estava sendo trabalhado pela professora; por isso, a escolha deste tema. Além da professora regente, participaram dessa intervenção 35 alunos no 9º ano III e 20 alunos no 9º ano IV.

O teorema de Tales diz que se duas retas transversais interceptam um feixe de retas paralelas, então a razão[1] entre as medidas de quaisquer dois segmentos determinados em uma das transversais é igual à razão entre as medidas dos segmentos correspondentes da outra transversal.

Nossa intenção, antes do desenvolvimento da demonstração desse teorema, foi realizar uma atividade que auxiliasse os alunos na compreensão de ideias nele envolvidas. Para isso, produzimos materiais, com palitos de picolé e de churrasco, que simulavam a posição relativa entre retas paralelas e retas transversais, para serem manipulados e observados pelos alunos.

Figura 1 – Materiais confeccionados

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (XXXX)

Figura 2 – Material

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (XXXX)

A simulação do feixe de retas paralelas foi feita com palitos de picolé e a das retas transversais a esse feixe com palitos de churrasco. Para garantir o paralelismo entre os palitos de picolé, utilizamos folhas pautadas e posicionamos os palitos sobre as linhas, de forma que ficassem com a mesma distância uns dos outros; em relação aos palitos de churrasco, tivemos apenas o cuidado de colocá-los com inclinações tais que a razão não fosse a mesma quando os alunos medissem os segmentos determinados. No mesmo material, poderiam ser identificados os segmentos de reta obtidos sobre as transversais a partir das suas interseções com as retas paralelas (Figura 2).

Na primeira aula, dividimos a turma em duplas e trios. Entregamos aos alunos os materiais por nós produzidos e perguntamos se eles conseguiam identificar qual conteúdo seria trabalhado durante a aula. Prontamente os alunos disseram que trabalharíamos com o teorema de Tales, conteúdo já abordado anteriormente pela professora responsável pelas turmas.

Pedimos aos alunos que utilizassem a régua para medir os segmentos de reta (AB, BC, DE, EF) sobre as transversais e que registrassem as medidas obtidas, para que a partir delas pudessem escrever e calcular cada uma das razões[2] entre as medidas dos segmentos localizados sobre a mesma transversal, conforme indicado na Figura3.

Figura 3: Segmentos

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (XXXX)

Para esse material, em particular, a proporção obtida foi:

Cada aluno recebeu um material como esse, no qual poderia fazer as medidas dos segmentos sobre as transversais e verificar a relação de proporcionalidade entre eles. Durante a realização desse procedimento de medição e verificação, os alunos expunham suas observações.

Dois alunos disseram: “Se este resultado é meio, então todos vai ser meio” e “Todos os segmentos possuem a mesma medida igual a esta que acabei de medir”. As falas desses dois alunos indicavam que, apesar de eles já terem estudado o teorema de Tales nas aulas de Matemática, eles ainda não haviam compreendido sua ideia. Pela manipulação que fizeram, ambos obtiveram medidas que acreditavam ser as medidas obtidas pelos demais colegas nos materiais que também manipularam. Pedimos então àqueles alunos que utilizassem outro material e repetissem o mesmo procedimento, de medida dos segmentos e cálculo das razões entre os segmentos sobre a mesma transversal. A partir dessa nova manipulação, um dos alunos concluiu: “O resultado final depende da medida dos segmentos, então cada material tem uma medida”. Desse modo, todo o grupo pôde observar que, para cada material manipulado, as razões obtidas entre as medidas dos segmentos eram iguais entre si, mas diferentes daquelas obtidas em outros materiais, manipulados pelos colegas. Assim, foi possível inferir, e para os alunos fazer mais sentido, que sempre valerá essa relação de igualdade entre as razões das medidas dos segmentos obtidos pelas interseções de transversais a um feixe de paralelas.

Na sequência da intervenção, numa segunda aula, iniciamos o desenvolvimento de uma demonstração do chamado teorema de Tales. Para fazê-la, construímos, a partir de duas retas transversais a um feixe de paralelas, três triângulos semelhantes, conforme indicados na Figura4:

Figura 4: Construção auxiliar à demonstração

Fonte: Arquivo pessoal das autoras construído no GeoGebra (XXXX)

Nesse desenho, destacamos com os alunos a relação de semelhança entre os triângulos OAD e OCF, chegando à igualdade:

Em seguida, deduzimos, a partir da semelhança entre os triângulos OAD e OBE, outra relação de igualdade:

Partindo dessas duas últimas igualdades e de propriedades das proporções, obtivemos a validade da relação:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O abandono do ensino de Geometria nas escolas, apontado por trabalhos como os de Pavanello (1993), Pereira (2001) e Sena e Dorneles (2013), revela que há muito esse descaso está posto. Todos eles sugerem a necessidade de discussão de novas abordagens e metodologias que promovam o ensino de Geometria, bem como do desenvolvimento de práticas educativas na formação de professores, que proporcionem discussões e proposições também sobre esse ensino. Nesse sentido, a experiência escolar aqui relatada apresenta uma abordagem para o estudo de um tópico específico de Geometria, que é o teorema de Tales, ao mesmo tempo que consistiu em uma prática educativa na formação de professores ocorrida no âmbito do Pibid.

No decorrer das duas aulas, nas quais desenvolvemos o trabalho relatado, ao manusear os materiais confeccionados, os alunos puderam tirar suas conclusões quanto à relação de proporcionalidade entre as medidas dos segmentos e esclarecer suas dúvidas quanto ao teorema de Tales. Para a professora responsável pela turma, a manipulação dos materiais confeccionados pelos alunos foi a parte mais interessante da intervenção, pois assim eles puderam compreender melhor a relação do teorema.

Mais especificamente, entendemos que, no contexto escolar, a demonstração formal do teorema de Tales possa ser considerada uma das formas – não a única – de argumentar sobre relações obtidas a partir de um feixe de retas paralelas e de retas transversais a esse feixe. Nessa direção, a sala de aula pode ser entendida como cenário potencial para diferentes maneiras de argumentar, criando oportunidades para compreensão de ideias já formuladas e abrindo espaço para novas produções (GARNICA, 2002).

A partir desta intervenção, percebemos que o uso do material manipulável pelos alunos foi um aliado em nosso trabalho, contribuindo, inclusive, na realização da demonstração do teorema de Tales. Acreditamos que, no contexto de sala de aula, devam ser consideradas também outras maneiras – observações, manipulações, inferências – de argumentar sobre determinadas relações, as quais podem auxiliar na compreensão de ideias matemáticas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998.

GARNICA, A. V. M. As demonstrações em educação matemática: um ensaio. Revista Bolema, Rio Claro, v. 15, n.18, p. 91-99, 2002.

PAVANELLO, R. M. O abandono do ensino da geometria no Brasil: causas e consequências. Revista Zetetiké, Campinas, v. 1, n.1, p. 7-18, 1993.

PEREIRA, M. R. O. A geometria escolar: uma análise dos estudos sobre o abandono do seu ensino. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.

SENA, R. M.; DORNELES, B. V. Ensino de geometria: rumos da pesquisa (1991-2011). Revista Eletrônica de Educação Matemática. Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 138-155, 2013.

[1] No contexto em questão, razão pode ser compreendida como o quociente que resulta da divisão entre as medidas de dois segmentos.

[2] As medidas dos segmentos e o cálculo das razõe foram feitos considerando-se apenas a primeira casa decimal após a vírgula.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *