A IMPORTANCIA DAS INTERAÇÕES RBEB N3

A importância das interações na inclusão de crianças com Síndrome de Down na educação infantil

Wanusa Antunes Ribeiro dos Santos

Wanusa Antunes Ribeiro dos Santos

Pós graduação em Docência em Educação Infantil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).  Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais.

E-mail: wanusasantosbh@yahoo.com.br

foto Merie

Merie Bitar Moukachar

Doutorado em Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pós-Doutorado vinculado ao curso de Psicologia da UFMG, pela Fapemig. Mestrado em Psicologia Social e graduação em Psicologia (UFMG) e especialista em Psicologia Escolar pelo CRP/MG. Professora no ensino superior e em cursos de pós-graduação.

E-mail: merie.moukachar@gmail.com

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) garante para além do direito à educação, o atendimento às especificidades dos alunos com deficiência, sem prejuízo da escolarização regular. Contudo, ainda hoje e, apesar da luta de entidades, movimento de pais e da sociedade, existe uma distância entre o que a lei determina e o que ocorre na prática.

De acordo com as práticas em instituições de Educação Infantil, não é incomum que a criança incluída nesse ambiente permaneça, de certa forma, isolada, sem os avanços esperados. Essa situação gera muitas vezes frustração nos pais e sentimento de impotência nos professores que também não sabem como lidar com essa criança, trazendo a discussão do retorno da criança para a escola especial.

A partir da constatação de que há poucos trabalhos realizados nessa área e da trajetória de insucessos da inclusão social das crianças deficientes, viu-se a necessidade do desenvolvimento de uma pesquisa que refletisse sobre o processo de inclusão, de fato, na Educação Infantil, a partir das dificuldades cotidianas da escola e professores de efetivarem seu trabalho pedagógico. Este artigo discutirá prioritariamente os resultados da pesquisa realizada, as possíveis intervenções para ampliar essa interação e sua contribuição na prática dos professores.

Compreende-se aqui a Síndrome de Down (SD) como alteração de ordem genética produzida pela presença de um terceiro cromossomo no par 21, por isso também conhecida como trissomia 21 (RONDAL, 1993 apud FÁVERO; OLIVEIRA, 2004; UNESCO, 1981 apud MAZZOTTA, 2011). Em termos de referenciais teóricos utilizados, recorreu-se a Mazzotta (2011) que discute sobre a história da Educação Especial no Brasil e faz críticas sobre esse processo. Quanto ao conceito de inclusão escolar, buscou-se Mantoan (2003; 2006) e Sassaki (2005). Para tratar o conceito de interação social, recorreu-se a Faria e Salles (2012) que defendem que é nas interações que as crianças vivenciam e ampliam suas práticas sociais, tal como em Vygotsky (apud Freitas, 1998). Utilizou-se o relato de pesquisa de Anhão, Pfeifer e Santos (2010), que definem interação por meio das ações verbais e não verbais entre a criança com SD, colegas e professor. No que se refere à contribuição do lúdico para esses processos de interação e para a ampliação das experiências culturais da infância, recorreu-se a Friedmann (2012), Sommerhalder e Alves (2011), bem como ao Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (BRASIL, 1998). E ainda Afonso (2010), que aponta para uma concepção de grupo, no sentido de que este atua como um campo de forças.

Em termos metodológicos, fundamentamo-nos na abordagem qualitativa de pesquisa (MINAYO; SANCHES, 1993). Os sujeitos participantes do estudo foram uma criança diagnosticada com SD, aqui denominada Joana (nome fictício atribuído para manutenção do sigilo necessário em pesquisa), e seus quinze colegas de turma, de 3 anos de idade, de uma Unidade Municipal de Educação Infantil de Belo Horizonte. Os instrumentos de produção de dados utilizados foram: observação e filmagens nas aulas e em momentos de brincadeiras dirigidas pela pesquisadora em sala e no pátio. Os dados coletados foram analisados a partir de treze categorias, no formato de perguntas, baseadas na pesquisa de Anhão, Pfeifer e Santos (2010): Ocorre interação com outra criança e com adulto (educador)? Ocorre interação com objetos (brinquedos, material didático)? Estabelece contato inicial com outras crianças? Brinca junto, mas com objetos diferentes? Brinca junto com o mesmo tipo de objeto? Chora e sorri? Tem autodefesa? Fica sozinho? Canta? Imita outras crianças e a educadora? É escolhida pelos colegas nas brincadeiras em pares? Disputa a atenção da educadora com outra pessoa? Ocorrem brigas ou agressões?

Esses itens foram respondidos e dispostos em um quadro para organização das informações, e interpretados posteriormente. Por meio dessas categorias, objetivou-se responder ao questionamento central desta pesquisa: as interações no grupo contribuem para a inclusão e o desenvolvimento da criança com SD? Os resultados e sua discussão serão descritos a seguir, relacionando-os às referidas categorias.

A PESQUISA EM FATOS E FOTOS

Joana tem 3 anos e é uma criança com diagnóstico de SD, que está frequentando a EI pela primeira vez e teve seu ingresso por meio de vaga compulsória. Tem acompanhamento de outros especialistas, como fonoaudióloga, e é muito bem assistida pelos pais que dedicam uma grande expectativa em relação ao desenvolvimento de Joana através da educação regular.

Observou-se durante a pesquisa que Joana foi exposta a formas positivas de interação: ser escolhida e escolher, ocorrendo trocas sociais diferenciadas, e interação entre ela, outras crianças e adultos (Figura 1); em ações verbais e não verbais, pois as brincadeiras mediadas pela pesquisadora, ou livres, motivaram o grupo a pensar juntos, resolver problemas, expressar sentimentos, desejos, tomar iniciativas.

Essas observações dialogam com Sommerhalder e Alves (2011), ao falarem da importância do jogo/brincadeira na ampliação das experiências culturais, solução de problemas, desenvolvimento da autonomia, pois, como visto, Joana teve que fazer uma escolha, expressar sentimentos e outros comportamentos mobilizados pela brincadeira, em interação com o grupo de colegas de turma. Também dialogam com o que vem sendo apontado por Mantoan (2003; 2006), ao defender a inclusão de crianças com deficiência no ensino regular, em conformidade com as leis e sua contribuição no amadurecimento e desenvolvimento, o que ocorre não somente com a criança, no caso Joana, mas também de seus colegas de turma e todos os envolvidos com a educação naquele espaço.

Constatou-se a interação de Joana com objetos propostos pela professora, bem como com outros objetos. Brincava sozinha, demonstrando autonomia e invenção de novo sentido e significado para os brinquedos, sem, no entanto, se isolar nem perder totalmente a interação não verbal. Nas brincadeiras, em vários momentos a participante estabeleceu contato inicial com outras crianças, além de demonstrações espontâneas de carinho. O contato inicial visual e físico foi contínuo, porém, de forma rápida. Joana era sempre incluída na atividade junto ao grupo, que pode aqui ser pensado como um campo de força criado a partir das interações. (AFONSO, 2010).

Figura 1 – Joana em interação com outras crianças e com a professora

Fonte: Registros feitos pela pesquisadora.

Percebeu-se Joana brincando junto às outras crianças, mas com objetos diferentes, principalmente em sala de aula, demonstrando espontaneidade e autonomia. Percebeu-se também Joana brincando junto com seus colegas com o mesmo objeto, conforme orientações da professora, mas somente por algum tempo.

Em nenhum momento foi registrado choro pela participante, mas expressou suas emoções ficando por vezes mais agitada, quieta e retraída. Sorriu em muitos momentos de interação com adultos, crianças e a câmera. Quando se sentia ameaçada, Joana manifestava autodefesa, pois se esquivava, saia correndo ou ia para perto de um adulto. Em alguns momentos, ficava sozinha, até separando-se do grupo, porém, mantendo o contato visual ativo com os colegas ou com objetos da atividade em questão. Se Joana canta? Somente uma vez, em uma apresentação no hall de entrada da escola onde várias crianças participavam, foi perceptível o movimento de seus lábios, como em um sussurro, e seu corpo acompanhando os gestos da música.  De acordo com Mantoan (2003; 2006) e Sassaki (2005) trata-se de uma ação positiva envolver crianças como Joana em atividades, espaços e turmas diferentes.

Durante a realização das atividades pedagógicas ou nas brincadeiras com comandos específicos, Joana imitava, mas também seguia à sua maneira e no seu ritmo. Foi interessante observar que Joana era uma das primeiras a ser escolhida pelos colegas nas brincadeiras em pares e, era sempre mencionada e auxiliada na execução da atividade ou brincadeira. Joana vivenciou o sentimento de escolha e ser escolhida pelos seus colegas, exercendo a ideia de que a criança deficiente tem os mesmos desejos e sentimentos das outras crianças em tempos diferentes, como destacam Stainback e Stainback (1999).

Joana não disputou a atenção da educadora com os outros colegas, mas deve-se considerar que a criança conta uma acompanhante, que é responsável por seus cuidados em nível fisiológico e pelo apoio nas atividades pedagógicas. No entanto, na sua ausência Joana se mostrava mais autônoma e participativa por iniciativa própria. Não foi registrada nenhuma atuação agressiva por parte da participante, embora tenham ocorrido situações de estranhamento e empurrões por parte de algumas crianças contra ela.

Por fim, em uma análise global de todas as categorias discutidas, observou-se que das atividades de brincadeiras em grupo dirigidas pela pesquisadora, as que mais contribuíram com a interação, provocando em Joana um progresso considerável, foram os momentos de roda onde os colegas davam as mãos, conduzindo-a e andando em círculo; o que pareceu favorecer o contato físico e visual entre todos, inclusive professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se neste estudo refletir acerca do processo de inclusão na Educação Infantil, partindo-se da perspectiva de que alguns quadros clínicos conduzem a situações específicas de inclusão escolar, entre eles as crianças com SD, para as quais se apontou o foco. Os resultados surpreenderam ao evidenciarem que o processo de interação entre a criança observada, Joana, e seus colegas de classe se deu de forma bastante semelhante ao que ocorre com crianças da mesma faixa etária sem diagnóstico de deficiência. Crianças mais quietas e tímidas podem se assemelhar a crianças com SD. No entanto, há diferenças nas interações que podem ser identificadas no ritmo e na forma como as crianças com SD buscam e mantêm esta relação. Cabe destacar o fato de ter-se identificado também a importância do papel de um acompanhante do professor, que conta com suporte pedagógico junto ao suporte da coordenação e direção da escola, o que aponta a complexidade do processo.

Desse modo, pode-se concluir que para que ocorra de fato um processo de inclusão, faz-se necessário um envolvimento conjunto. E partir das necessidades físicas, cognitivas e psicológicas da criança com deficiência, respeitando o seu tempo e ritmo sem perder o olhar para a criança com todas as suas implicações de ser criança, a infância e cultura infantil que ela traz, e não para suas impossibilidades. Enfim, considerá-la, acima de tudo, como sujeito de sua cultura.

REFERÊNCIAS

AFONSO, M. L. M. Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

ANHÃO, P. P. G.; PFEIFER, L. I.; SANTOS, J. L. Interação social de crianças com síndrome de Down na Educação Infantil. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 16, n. 1, p. 31-46, 2010. Disponível em: <http://bit.ly/2nxAeGj>. Acesso em: 4 maio 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://bit.ly/1bJYlGL>. Acesso em: 10 abr. 2017.

_____. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI). Brasília, DF: MEC/SEF, 1998.

FARIA, V. L. B.; SALLES, F. Currículo na Educação Infantil: diálogo com os demais elementos da Proposta Pedagógica. 2. ed. São Paulo: Ática, 2012.

FÁVERO, M. H.; OLIVEIRA, D. A construção da lógica do sistema numérico por uma criança com Síndrome de Down. Educar, Curitiba, n. 23, p. 65-85, 2004.

FREITAS, M. T. A. (Org.). Vygotsky: um século depois. Juiz de Fora: UFJF, 1998.

FRIEDMANN, A. O brincar na Educação Infantil: observação, adequação e inclusão. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2012.

MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.

MANTOAN, M. T. E.; PRIETO, R. G.; ARANTES, V. A. (Orgs.). Inclusão escolar: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2006.

MAZZOTTA, M. J. S. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

MINAYO, M. C. S.; SANCHES, O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementaridade? Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 239-262, 1993.

SASSAKI, R. K. Inclusão: o paradigma do século 21. INCLUSÃO – Revista da Educação Especial, out. 2005. Disponível em: <http://bit.ly/2mNEliK>. Acesso em: 7 maio 2015.

SOMMERHALDER, A.; ALVES, F. D. Jogo e a educação da infância: muito prazer em aprender. 1. ed. Curitiba: CRV, 2011.

STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Tradução Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SANTOS, Wanusa Antunes Ribeiro, MOUKACHAR, Merie Bitar. A importância das interações na inclusão de crianças com síndrome de Down na Educação Infantil. (Belo Horizonte, online) [online]. 2017, vol.2, n.3. ISSN 2526-1126. http://pensaraeducacao.com.br/rbeducacaobasica/wp-content/uploads/sites/5/2019/05/7-A-IMPORTÂNCIA-DAS-INTERAÇÕES-NA-INCLUSÃO-DE-CRIANÇAS-COM-SÍNDROME-DE-DOWN-NA-EDUCAÇÃO-INFANTIL.pdf

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