05 – Correta Modificada

Reflexões de licenciandos sobre o ensino de química a alunos com deficiência visual

fernanda

Fernanda Iassenck de Matos Alves

Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática na Universidade Estadual de Maringá, possui especialização em Educação Especial em Deficiência Visual pela Faculdade Campos Elíseos, Especialização em Atendimento Educacional Especializado pela Faculdade Campos Elíseos. Licenciada em Química pela Universidade Estadual de Maringá.

E-mail: fernandaiassenck@gmail.com

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Luciano Carvalhais Gomes
Doutor em Educação para a Ciência e a Matemática pela Universidade Estadual de Maringá (2012). Mestre em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática pela Universidade Estadual de Maringá (2008). Graduado em Licenciatura Plena em Física pela Universidade Estadual de Maringá (2005). Mestre em Engenharia de Estruturas pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001) e graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (1998). Atualmente, é Professor Adjunto C do Departamento de Física e do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática (PCM) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), atuando nas seguintes linhas de pesquisa: – Ciência, Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade: Inclusão e Exclusão em Processos de Ensino-Aprendizagem na Educação Científica Contemporânea; – Formação de Professores, Renovação Curricular e Avaliação Escolar na área de Ciências e Matemática; – História, Epistemologia e Ética da Ciência; – Recursos Didáticos e Midiáticos para o Ensino Continuado de Ciências e de Matemática.
E-mail: lcgomes2@uem.br

Introdução

A partir da Declaração de Salamanca: Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais, em 1994, a inclusão escolar de crianças com deficiência vem sendo um tema bastante discutido em pesquisas e eventos científicos (SANT’ANA, 2005). Publicações de Constituições Federais anteriores a essa Declaração já discutiam a respeito do atendimento às pessoas com deficiência na rede regular de ensino. No entanto, ainda percebemos uma grande distância entre o que está previsto por lei e a realidade educacional brasileira.

Mendes (2004) faz um alerta a respeito da importância do ato de educar juntamente crianças com e sem nenhum tipo de deficiência. De acordo com a autora, tal feito pode auxiliar no rompimento de pensamentos estereotipados, que são construídos socialmente em torno da pessoa com deficiência, que muitas vezes se tornam entraves ao processo de ensino e de aprendizagem.

Nesse contexto, o presente artigo visa refletir a respeito de algumas concepções de um grupo de licenciandos em Química de uma Universidade Estadual do Paraná sobre as principais dificuldades de se ensinar conceitos químicos para um aluno com deficiência visual.

Metodologia

Este trabalho foi desenvolvido com um grupo de oito licenciandos em Química, participantes de uma disciplina de Estágio II, em uma Universidade Pública do norte do Paraná. Os licenciandos serão referenciados como L.X, sendo que X vai de uma escala de um a oito correspondendo especificamente a cada aluno. A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada seguindo o roteiro indicado no Quadro 1.

Quadro 1Roteiro da Entrevista Semiestruturada Inicial
1)     Você poderia exemplificar como ministraria algum conteúdo científico da Química para um aluno com deficiência visual?
2)     Quais são as principais dificuldades para a inclusão de alunos com deficiência visual nas aulas de Química? Por quê?
3)     Existe algum conteúdo científico na área da Química que você acredita ser impossível de ser compreendido por um aluno com deficiência visual? Por quê?
4)     Existe algum conteúdo científico na área da Química que você acredita ser possível de ser compreendido por um aluno com deficiência visual? Por quê?
5)     Quais são os saberes docentes que você acredita que um professor de Química deve ter para ministrar aulas para alunos com deficiência visual? Por quê?

 

Após a transcrição na íntegra das respostas, para nos auxiliar na organização e análise dos dados obtidos, seguimos o percurso heurístico sugerido pela Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977). De acordo com Bardin (op. cit., p. 42), a Análise de Conteúdo pode ser definida como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Dessa análise emergiram duas categorias, atenção diferenciada e formação inadequada, as quais descreveremos a seguir.

 Análise e discussão dos resultados

Atenção diferenciada

A presente categoria destacou-se, representando indiretamente a compreensão que os licenciandos têm a respeito do aluno com deficiência visual, que se encaixa no que Camargo (2012) denominou de modelo 40+1. O modelo 40+1 é uma metáfora do modelo educacional que diferencia um tipo de aula para os alunos sem deficiência visual (o 40 do modelo) e outro para o aluno com deficiência visual (o 1 do modelo). O autor afirma que geralmente o professor que possui em sala de aula um aluno com deficiência visual tende a diferenciar a aula para esse aluno, o que acaba por auxiliar na sua exclusão do processo de ensino e de aprendizagem, pois ele não participa de maneira igualitária com os demais colegas durante as aulas. Podemos perceber logo abaixo que implicitamente alguns licenciandos concordam com a execução desse modelo:

L.1 – (T.1- 21):[1] […] eu acho que eles precisam de uma maior atenção, uma atenção tipo, meio que individual do professor, porque eles têm dificuldades […].
L.6 – (T.1-33): Esses alunos eles têm que ter uma atenção, mais especial do que os outros, e teria que ter assim, algum, eles têm que ter um esforço mais do que os outros…porque o aprendizado depende da capacidade de cada aluno.
L.7 – (T.1-16): […] focar um auxílio no aluno, para com ele esse conteúdo, mas é um tanto complicado porque, ele não consegue assimilar esses conteúdos com uma facilidade.

Como podemos perceber por meio de algumas falas selecionadas acima, os licenciandos acreditam que umas das barreiras para a inclusão de alunos com deficiência visual no ensino de Química é que os professores geralmente irão diferenciar a atenção em relação ao aluno com deficiência visual. Nesse aspecto, Rodrigues (2006, pp. 305-306) reflete:

Para atender a diferença na sala de aula devemos flexibilizar as práticas pedagógicas. Os objetivos e estratégias de metodologias não são inócuos: todos se baseiam em concepções e modelos de aprendizagem. Assim, se não propormos abordagens diferentes ao processo de aprendizagem acabaremos criando desigualdades para muitos alunos.

Assim, uma metodologia de ensino que priorize uma atenção maior para um determinado individuo irá refletir em uma barreira para a inclusão desse aluno com deficiência visual. Indiretamente, os licenciandos acreditam que o aluno com deficiência visual deve receber uma atenção diferenciada, pois ele teria uma maior dificuldade na compreensão dos conteúdos químicos por não enxergarem. Segundo Soler (1999), isso também reflete uma concepção muito comum em professores de Ciências de que o conhecimento está atrelado à visão, ou seja, é necessário ver para aprender. Professores que apresentam essa concepção geralmente trazem consigo a supremacia do sentido da visão em suas atividades didáticas, desprezando a utilização do tato, do paladar, do olfato e da audição como canais receptores de informações que podem auxiliar no processo de ensino e de aprendizagem.

Dessa forma, essa categoria mostrou que os licenciandos consideram que, devido ao fato do aluno com deficiência visual não enxergar, a atenção e a metodologia da aula deverão ser diferenciadas para ele. Contudo, isso cria uma barreira ao processo de inclusão, ou seja, os licenciandos em nenhum momento refletiram a respeito de uma metodologia de ensino que atendesse a todos os alunos de maneira igualitária dentro de sala de aula.

Formação inadequada

De acordo com Mantoan (2003), a ausência de uma formação adequada é o principal argumento de professores que são resistentes à inclusão. Essa foi a segunda categoria que surgiu das respostas dos licenciandos. É importante ressaltar que na universidade onde os licenciandos estudam somente é ministrada a disciplina de libras, não abrangendo uma discussão mais ampla sobre a deficiência, sendo assim, alguns licenciandos disseram que:

 L.1 – (T.1-23): […] então eu acho que a formação do professor para um atendimento assim seria importante, eu acho que não tem, e é por isso que tem uma maior dificuldade para você ter experiências.
L.2 – (T.1- 35): […] nenhuma formação para trabalhar com esse tipo em sala de aula, esse tipo é esse perfil de aluno.
L.4 – (T.1- 8): Preparo de professor, na minha opinião, formação docente, e é exatamente pela falta de formação […] é a formação, a falta de formação do professor, e o problema está no professor.

A formação de professores é, segundo Mendes (2004, p. 228), um dos pilares para que ocorra a construção da inclusão escolar. Para a autora:

Educar crianças com necessidades especiais juntamente com seus pares em escolas comuns é importante, não apenas para prover oportunidades de socialização e de mudar o pensamento estereotipado das pessoas sobre as limitações, mas também para ensinar o aluno a dominar habilidades e conhecimentos necessários para a vida futura dentro e fora da escola.

É importante que ainda na formação inicial ocorra o rompimento com pensamentos estereotipados, pois esses podem vir a contribuir de maneira negativa na compreensão do processo de aprendizagem de pessoas com deficiência visual.[2] Além disso, a nosso ver, como os licenciandos vieram de uma metodologia de ensino tradicional, na formação inicial deve ser desenvolvida uma análise crítica desse tipo de ensino, como argumentam os autores. Caso contrário, ocasionará em uma postura não construtivista do futuro professor dentro de sala de aula, apoiando-se basicamente no sentido da visão e da audição no processo de ensino e de aprendizagem.

Em complemento, sugerimos a compreensão de metodologias de ensino que explorem os demais sentidos, como a didática multissensorial das ciências apresentada por Soler (1999). Nela, o autor recomenda o uso de todos os sentidos possíveis para a captação e a compreensão das informações que nos rodeiam, rompendo o obstáculo de que a observação é algo exclusivamente visual.

Considerações Finais

Em suma, esse trabalho nos alertou a respeito da importância de se mostrar, na formação inicial dos licenciandos em química, que a ausência da visão não implica, necessariamente, em uma incapacidade para aprender. Isso pode ser feito concomitantemente com a realização de reflexões mais profundas sobre algumas complexidades inerentes aos processos de ensino e aprendizagem. Por exemplo, quais são os conceitos químicos que podem ser considerados indissociáveis de determinada percepção e quais são os que podem ser entendidos como vinculados?

Referências Bibliográficas

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 1977.

CAMARGO, Eder Pires de. Saberes docentes para a inclusão do aluno com deficiência visual em aulas de física. São Paulo: Editora UNESP, 2012. 274 p. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/zq8t6/pdf/camargo-9788539303533.pdf> Acesso em:04 jan. 2018.

CARVALHO, Ana Maria de Pessoa.; GIL-PÉREZ, Daniel. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

MANTOAN, Maria Teresa. Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.

MENDES, Enicéia Gonçalves. Construindo uns “lócus” de pesquisas sobre inclusão escolar. In: ______; ALMEIDA, Maria Amélia; WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque. Temas em educação especial: avanços recentes. São Carlos: EdUFSCAR, 2004.

RODRIGUES, David. Dez ideias (mal-)feitas sobre a educação inclusiva. In: ______. (Org.) Inclusão e educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006.

SANT’ANA, Izabella Mendes. Educação inclusiva concepções de professores e diretores. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 2, pp. 227-234, maio 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v10n2/v10n2a09.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2018.

SOLER, Miquel Albert. Didáctica multissensorial de las ciencias: un nuevo método para alumnos ciegos, deficientes visuales, y también sin problemas de visión. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1999.

[1]  A representação T.1 refere-se aos trechos da entrevista inicial e o número a seguir dentro dos parênteses refere-se especificamente ao trecho analisado.

[2] Relatamos a respeito da deficiência visual, pois a mesma é o tipo de deficiência foco desse trabalho.

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