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O que é a natureza? A educação ambiental na (re)construção da consciência crítica

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Caroindes Júlia Corrêa Gomes

Mestre e licenciada em Química pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.  Desde 2014 é docente na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, atuando no Ensino Fundamental e Médio. Atuou também nas séries iniciais do Ensino Fundamental através do projeto Mais Educação (2011-2012). Tem ministrado cursos de formação à licenciandos em Pedagogia e professores do 1º ao 5º ano.  Seus estudos estão voltados a Educação e ao Ensino de Ciências, com interesse nos temas: alfabetização científica, formação de professores, ensino e aprendizagem, epistemologia da ciência.

E-mail: caroindes@gmail.com

Renan

Renan Vilela Bertolin

Natural do estado de São Paulo realizou seus estudos do Ensino Fundamental (2003) e Ensino Médio (2006) na rede pública brasileira. Tem formação de nível Técnico em Química (2008) pela Escola Técnica Estadual Elias Nechar. É graduando em Licenciatura em Química na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na qual foi bolsista (CAPES) do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Seus estudos estão voltados a Educação e a Educação Química, com interesse nos temas: experimentação no ensino de química, formação de professores, divulgação científica, formação inicial de professores, ensino e aprendizagem, subjetividade, concepções e significados.

E-mail: renanvile@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Uma vez que a sociedade é constituída por questões de ordens históricas, culturais, políticas, econômicas e ambientais, não é possível pensar em cada uma delas isoladamente, mas como partes integrantes de um complexo sistema, o qual o ser humano pertence e modifica com base em suas necessidades, ações e interações.

Nesse sentido, a educação ambiental crítica – entendida no contexto deste trabalho como sendo uma ferramenta para a mudança de valores e atitudes acerca dos problemas ambientais, sociais, éticos e políticos – precisa ser repensada no contexto escolar, principalmente considerando uma abordagem interdisciplinar entre as áreas do conhecimento (NUNES; CARVALHO, 2014; MIRANDA; MIRANDA; RAVAGLIA, 2010), pois o assunto não pode ser mais resumido às questões de preservação das matas e à reciclagem dos resíduos. É preciso falar sobre o consumismo, as consequências das ações políticas e governamentais e o importante papel que cada um desempenha nesse complexo contexto.

De acordo com o Art. 1º da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), a educação ambiental é constituída de processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente (BRASIL, 1999). Defende-se, portanto, que a temática não seja discutida na escola apenas numa perspectiva “biologizada”, mas em caráter amplo e dinâmico – próprio das interações humanas –, sendo trabalhada em diferentes disciplinas por meio de uma abordagem interdisciplinar e problematizadora, por exemplo, capaz de possibilitar maiores e mais completas reflexões acerca do tema e potencializar o processo de ensino e aprendizagem ao atribuir sentido ao que está sendo estudado (HALMENSCHLAGER, 2014). Assim,

Com os conteúdos permeando todas as disciplinas do currículo e contextualizados com a realidade da comunidade, a escola ajudará o aluno a perceber a correlação dos fatos e a ter uma visão integral do mundo em que vive. Para isso a Educação Ambiental deve ser abordada de forma sistemática e transversal, em todos os níveis de ensino, assegurando a presença da dimensão ambiental de forma interdisciplinar nos currículos das diversas disciplinas e das atividades escolares (EFFTING, 2007, p.25).

Pressupondo que qualquer ação que visa uma educação ambiental crítica na construção de valores e atitudes impacta direta ou indiretamente no contexto social, faz-se necessário primeiramente refletir a forma como a natureza é compreendida, assim como as consequências que essas compreensões podem acarretar no contexto socioambiental (SANTOS; IMBERNON, 2014) para que as ações educativas sejam mais completas e efetivas, de acordo com o que se pretende. Nessa linha, o objetivo desta pesquisa foi analisar as concepções de natureza dos alunos da terceira série do Ensino Médio, o final do ciclo de formação básica, assim como, na visão dos alunos, as disciplinas do currículo escolar que contribuem ou contribuíram com a discussão sobre a natureza e seus aspectos fundamentais.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi realizada com 21 alunos da 3ª série do Ensino Médio de uma escola pública da cidade de São Carlos/SP. Investigou-se quais eram as concepções dos participantes sobre o termo natureza e, de acordo com suas ideias, as disciplinas que abordam ou abordaram a temática durante as aulas.

Para a constituição dos dados, aplicou-se um questionário contendo cinco questões. Na primeira questão, eles deveriam discorrer o significado que atribuem a natureza; na segunda, porque sua preservação é importante; na terceira questão, escolher dentre uma lista de disciplinas apresentadas (Português, Matemática, História, Geografia, Inglês, Educação Física, Artes, Ciências, Química, Física, Biologia, Filosofia, Sociologia e outras) quais trabalhavam assuntos relacionados ao meio ambiente durante as aulas, podendo assinalar várias opções; na quarta, deveriam escolher as três disciplinas que mais abordavam o tema; e, por fim, as três principais fontes de informação sobre a temática, colocando os números 1, 2 e 3 na frente da indicação para considerar a ordem de prioridade.

Realizou-se a análise de conteúdo (MORAES, 1999) nas questões discursivas, identificando-se unidades de significados que pudessem ser agrupadas em concepções de meio ambiente propostas por Rodrigues e Malafaia (2009), conforme apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1 – Categorias adotadas para a análise das concepções de natureza.

Fonte: Rodrigues e Malafaia (2009).

Nas questões objetivas, observou-se a incidência das respostas nos diferentes instrumentos elencados. Ainda que os termos natureza e meio ambiente não sejam sinônimos, fez-se tal correlação considerando a proximidade de seus significados e a interpretação dos autores na categorização das concepções. Essa correlação também pode ser observada na pesquisa de Martínez e Loose (2015).

COMPREENDENDO A PERCEPÇÃO SOBRE NATUREZA

A análise das questões discursivas proporcionou identificar a relação existente entre o homem e a natureza de acordo com as percepções dos alunos. O Quadro 2 apresenta as concepções acerca da natureza e de sua preservação baseadas nas categorias propostas por Rodrigues e Malafaia (2009).

Quadro 2 – Concepções sobre a natureza e sua preservação.

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Os resultados obtidos na questão 1 (observados no Quadro 2), demonstram que a maior porcentagem (52,4%) se concentra na categoria reducionista, que exclui o homem e as suas criações de tudo aquilo que está relacionado à natureza. Aliás, com exceção da categoria abrangente, que obteve a menor porcentagem (9,5%), todas as demais trazem essa mesma visão exteriorizada, incluindo também o enaltecimento do meio ambiente como sendo o belo e o mágico, apresentado na classificação romântica (23,8%).

Essas ideias também foram observadas entre os diferentes grupos que participaram da pesquisa de Santos e Imbernon (2014): professores da Educação Básica, universitários e alunos de cursos pré-vestibulares e de projetos de extensão. Quando questionados acerca do termo natureza, predominavam visões que exteriorizavam o ser humano e idealizavam a criação divina, aquilo que é belo, mágico, natural, ou a fonte de bem-estar e vida saudável.

As autoras ainda discorrem que essa relação homem-natureza sofreu um processo de reconstrução de significados, pois se na Antiguidade o homem apenas observava os fenômenos a fim de melhor compreendê-los, o renascimento e a ciência moderna o posicionaram para “fora” de seu contexto para que ele pudesse dominá-los. Além disso, a ideia de natureza como criação divina remeteria a influência da igreja na Idade Média.

Os resultados observados na questão 1 deste trabalho podem estar relacionados às visões analisadas na questão 2 (também mostradas no Quadro 2) sobre a importância da preservação da natureza; ressaltando que para realizar uma interpretação mais realista e condizente com a categorização feita nas análises, em alguns questionários classificou-se uma mesma resposta em mais de uma categoria.

Verifica-se a majoritária incidência de percepções utilitárias (71,4%), além de outras concepções que, possivelmente, reafirmam os resultados obtidos na primeira questão no que se refere à associação homem-natureza. Essa visão utilitarista infere que para o homem a natureza é apenas uma fonte infinita e inesgotável de recursos a sua disposição (DIAS, 2015; GRÜN, 2007; SEGURA, 2001), sem uma preocupação com os impactos e as consequências da retirada/destruição de seus recursos.

Tendo em vista a formação de cidadãos ecologicamente conscientes, que se compreendam como parte integrante da natureza e responsáveis por sua preservação, também se analisou, neste trabalho, quais disciplinas abordam a temática em suas aulas.

Quadro 3 – Disciplinas que trabalham a temática ambiental durante as aulas.

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

No entanto, é necessário considerar que o simples fato da temática ambiental ser trabalhada na disciplina não favorece, na mesma medida, a construção de uma consciência ambiental crítica (defendida neste trabalho). Uma abordagem superficial com excesso de informações descontextualizadas e pouco úteis nada tem a oferecer nessa construção, podendo inclusive reforçar as visões de senso comum observadas neste e em outros trabalhos.

Pode-se observar no Quadro 3 que algumas disciplinas não foram citadas, enquanto que Biologia, Ciências e Geografia apresentaram uma incidência bastante elevada (100,0%, 86,0% e 81,0%, respectivamente).

A fim de melhor visualizar quais áreas do conhecimento trabalham a temática ambiental em suas aulas, a Figura 1 destaca as disciplinas pontuadas pelos alunos de acordo com a ordem de abordagem predominante.

Figura 1Disciplinas que mais abordam a temática ambiental.

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

Observa-se que Biologia, Geografia e Ciências são marcadas em todas, sendo as únicas destacadas como 1ª opção. Na 2ª opção aparecem Química e Física, e na 3ª, Química e Artes, demonstrando que apenas uma área do conhecimento (com exceção de Geografia, em que a temática ambiental é trabalhada com mais frequência) não faz parte das Ciências da Natureza. Isso poderia estar relacionado à visão analisada neste trabalho e socialmente aceita de que o meio ambiente não possui relações com aspectos sócio-históricos e culturais, lembrando que nenhuma das respostas obtidas nas questões 1 e 2 foi classificada na categoria socioambiental (Quadro 2), e que apenas 9,5% das respostas na questão 1 (Quadro 2) pôde ser classificada na categoria abrangente. Portanto, a abordagem restrita a algumas disciplinas possivelmente reduz o caráter multidisciplinar do tema somente aos conceitos biológicos.

Inclusive, essas concepções antropocêntricas podem ser consequência não apenas da recorrência do assunto em determinadas disciplinas, mas também pela forma com que essas áreas do conhecimento vêm discutindo seus conteúdos. Se eles forem apresentados aos alunos sem a necessária reflexão e criticidade, tampouco eles poderão perceber-se como agentes transformadores do ambiente ao seu redor.

Pressupondo que a escola possua a responsabilidade social de veicular as informações e os conhecimentos sobre o tema, uma vez que ela deve propiciar uma formação mais crítica no que se refere às problemáticas atuais, investigaram-se as principais fontes de informações as quais os alunos possuem acesso sobre questões ambientais (Quadro 1).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos resultados obtidos, as concepções sobre a natureza foram próprias do senso comum, o que corrobora com o descrito na literatura. O antropocentrismo do homem em relação ao meio ambiente poderia explicar a visão utilitária dos recursos naturais e o papel fundamental da escola na reconstrução e mobilização de conhecimentos e saberes acerca da temática, propiciando uma educação ambiental mais crítica e comprometida com a formação dos cidadãos. No entanto, o assunto ainda continua a ser abordado com maior frequência em disciplinas de Ciências da Natureza, o que possivelmente reduz seu caráter multidisciplinar aos aspectos biológicos e faz com que as percepções analisadas sejam cada vez mais difundidas e aceitas. Assim, sugere-se o desenvolvimento de atividades por meio da interdisciplinaridade, da contextualização, de situações-problemas e de outras abordagens que coloquem os alunos como agentes construtores de seus conhecimentos, uma vez que tais práticas podem contribuir com as discussões sobre a natureza e sua real compreensão de sua importância nos mais diversos contextos, possibilitando, por consequência, uma leitura mais complexa e ambientalmente crítica do mundo.

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 28 abr. 1999. Seção 1, p. 1. Disponível em: <https://goo.gl/HKTLwW>. Acesso em: 20 out. 2017.

DIAS, P. A (in)sustentabilidade e a contextualização da Agenda 21 local. Lisboa: Edições Vieira da Silva, 2015.

EFFTING, T. R. Educação ambiental nas escolas públicas: realidade e desafios. 2007. 90 f. Monografia (Especialização em Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Ciências Agrárias, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon, 2007.

GRÜN, M. Ética e educação ambiental: a conexão necessária. 11. ed. Campinas: Papirus, 2007.

HALMENSCHLAGER, K. R. Problematização no ensino de ciências: uma análise da situação de estudo. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 8., 2011, Campinas. Anais… Rio de Janeiro: Abrapec, 2014. p. 1-10. Disponível em: http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R0366-2.pdf . Acesso em: 20 out. 2017.

MARTÍNEZ, J. G.; LOOSE, E. B. Representações sociais da natureza e jornalismo especializado: contribuições para repensar a educação ambiental. Polis, Santiago, v. 14, n. 42, p. 325-343, 2015.

MEDEIROS, A. B. et al. A importância da educação ambiental na escola nas séries iniciais. Revista Faculdade Montes Belos, São Luís de Montes Belos, v. 4, n. 1, p. 1-17, set. 2011.

MIRANDA, F. H. F.; MIRANDA, J. A.; RAVAGLIA, R. Abordagem interdisciplinar em educação ambiental. Revista Práxis, Volta Redonda, v. 2, n. 4, p. 11-16, ago. 2010

MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.

NAVES, J. G. P.; BERNARDES, M. B. J. A relação histórica homem/natureza e sua importância no enfrentamento da questão ambiental. Geosul, Florianópolis, v. 29, n. 57, p. 7-26, jan./jun. 2014.

NUNES, D. S.; CARVALHO, C. M. Educação ambiental e a interdisciplinaridade como potencializadores da gestão ambiental. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental – REGET, Santa Maria, v. 18, n. 3, p. 1093-1100, set. 2014.

RODRIGUES, A. S. L.; MALAFAIA, G. O meio ambiente na concepção de discentes no município de Ouro Preto-MG. Revista de Estudos Ambientais, Blumenau, v. 11, n. 2, p. 44-58, jul./dez. 2009.

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SEGURA, D. S. B. Educação ambiental na escola pública: da curiosidade ingênua a consciência crítica. São Paulo: Annablume, 2001.

VIRGENS, R. A. A educação ambiental no ambiente escolar. 2011. 26 f. Monografia (Licenciatura em Biologia) – Consórcio Setentrional de Educação a Distância, Universidade de Brasília e Universidade Estadual de Goiás, Brasília, DF, 2011.

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